Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha
irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter
menos de dois anos. Não consigo nem mesmo imaginar onde ela foi tirada. Meu pai
trabalhava em uma empresa que construía estradas e ele trabalhou entre Belo
Horizonte e Teófilo Otoni durante um período de quatro anos, desde meu
nascimento em Timóteo, no Vale do Aço, passando por Sabará, onde nasceu essa
menina, e Teófilo Otoni, no norte de Minas, onde nasceu meu irmão, o terceiro.
Nós três nascemos na estrada.
Então, escrevo para esse garoto da foto, esse aí dos olhos
com uma curva que parece estar triste, um olhar imponente, no entanto. Parece
que já gostava de mirar no fundo dos olhos das pessoas, pois aqui na foto olha
direto na lente da máquina. Pois assim será sempre, meu querido Paulo pequeno.
Você irá sempre olhar no fundo dos olhos das pessoas, apertar as mãos delas com
força, abraçá-las com carinho verdadeiro, e dizer-lhes palavras sérias, algumas
ferinas. Só bem mais tarde na vida vai contemporizar nos dizeres, pois
aprenderá que franqueza nem sempre é uma boa qualidade, tanto quanto a
dissimulação. Há verdades que não dizemos nem para o mentor, o padre, o pai, o
cônjuge. A gente guarda no fundo do coração e a usamos apenas se necessário. Em
vez disso, você aprenderá a fazer questionamentos cujas respostas ajudam a você
e as pessoas a encontrarem suas verdades nas respostas. Perguntas socráticas,
como você lerá no livro Sócrates Café, de Christopher Phillips.
São as perguntas que te farão crescer, não as respostas. Terá
que vencer a timidez que o mantém encolhido diante das pessoas; terá que vencer
a arrogância, pois se achava mais inteligente que muitos outros. Terá que
vencer o medo de se relacionar, e descobrirá um dia que o beijo na boca é uma
delícia (não precisa exagerar também, né cara?). Voltando às perguntas, aprenderá
que muitas delas não terão respostas. No entanto, são as perguntas que farão de
você um cientista das coisas materiais, físico para ser preciso; são as
perguntas que o transformarão em professor, cientista das relações humanas. Aí
você juntará tudo e começará a refazer suas perguntas, mas em forma de poesia e
crônicas.
Se você já imaginasse o tamanho da trajetória que deverá
percorrer na vida, provavelmente já faria um ar cansado na foto. Mas está
sereno. A serenidade te acompanhará a vida toda, Paulinho. A paciência e a
resiliência serão os motes que usará para seguir em frente quando os caminhos
parecerem fechados com cercas elétricas. Afinal de contas, você quase nasceu em
uma boleia de caminhão, ou de um trator, teve irmãos demais, dinheiro de menos,
dificuldades atropeladoras, etc., mas pense bem, meu menino. Você estudará nas
duas melhores universidades do Brasil (UFMG e USP), fará um curso na Sorbonne,
em Paris, e doutorar-se-á em Dijon, França, na sala e na mesa de trabalho de
Gaston Bachelard, ganhará seu título com louvor, subirá até o alto do Mont
Blanc a quase cinco mil metros de altitude, escalará El Mirante del Condor, no
Chile, orientará mais de mil projetos de alunos e interpretará o Grande Sertão:
Veredas em forma de haicais. Por isso eu perdoo este olhar de “EU SOU PHODA”
que você já mostra na foto.
Nem tudo será flores, meu caro. A caminhada será dura, cheia
de tropeços, idas e vindas, altos e baixos. Terá mulheres e elas irão embora,
pois te acharão chato. Terá filhos e alguns deles também sairão de sua vida,
porque dirão que você os abandonará ao sair de casa. Você sabe que não será
verdade, você daria a vida por eles. Mas você sabe, né? Filhos geralmente
acompanham as mães e elas não irão querer você por perto. Mas, insista e eles
voltarão a querer você na mesa deles falando de suas aventuras.
Anos depois, já com tantas vivências, tantos erros e
fracassos acumulados, e algumas vitórias bem curtidas, você poderá olhar para
essa foto e dizer bem alto: Ô VIDA QUE VALE A PENA, POIS MINHA ALMA NUNCA É
PEQUENA”.