sexta-feira, 26 de março de 2021

QUEM É VOCÊ?

Que pergunta a ser respondida em belo e quente dia, com um sol brilhando de bonito! Eu sei bem quem eu sou: hoje. Porque resolvi deixar o passado para trás, embora ele quem me diz quem eu sou hoje. Mas não estou pensando em revivê-lo, em hipótese nenhuma. Tudo passou. E não quero lembrar as tantas besteiras que fiz. Lamento por elas. Lamento muito por quem se sentiu ofendido com minhas besteiras, quem se sentiu traído, ou algo assim.

É uma pergunta oportuna, me faz pensar em mim mesmo, e hoje. Quem sou eu? Ela me faz pensar no futuro, na verdade. Em quem eu quero ser. Vou aproveitar a questão para imaginar cenários possíveis de amanhã. Hoje vivemos uma pandemia de COVID 19, uma doença provocada por um vírus inimaginável, neste momento, e que mata muita gente e deixa muitas sequelas em alguns que a contraem.

Então, em primeiro lugar, sou um cara que se cuida muito para não pegar este maldito vírus, porque nos próximos anos quero estar vivo e ativo para contar histórias. Sim, eu sou um cara que conta histórias. Gosto de contar histórias, de fazer a plateia se encantar com elas e comigo. Sim, comigo também. Faz parte de minha vaidade, minha bem dosada vaidade, espero, para que ela não tome conta de mim.

E histórias são, na verdade, histórias de nossa vida. Elas precisam ter credibilidade, então precisam ser vividas para serem contadas. E eu já vivi muitas histórias. Fui professor durante mais de quarenta anos, então tenho muitas histórias de trabalho, de professores e de alunos, de colegas, de projetos, de vivências. Hoje pretendo ser escritor. Escrevo minhas histórias para encontrar a melhor maneira de contá-las.

Então, sou escritor, contador de histórias e causos, tenho grande vivência profissional e sou vaidoso, intelectualmente vaidoso. É um bom começo de perfil. E para contar histórias preciso ter plateia. Pretendo costurar minha plateia de duas maneiras: tendo um bom livro de histórias para que me leiam e um auditório, cheio de gente, para que me ouçam. Mesmo que o auditório seja virtual, porque não sei se teremos aglomerações de hoje em diante por causa do vírus.

Eu nunca fui um cara muito persistente e determinado, focado. Sempre contei com minha inteligência e minha capacidade de aproveitar os acasos pertinentes acontecidos. Minhas escolhas foram algumas boas, outras nem tanto, mas acabaram por darem certo, afinal de contas.

Mas agora preciso ser determinado, focado e persistente, porque já tenho uma idade que muitos consideram avançadas e quero ter um final de vida produtivo. E deixar uma história a ser contada por outros que tenham, ou venham a ter, proximidade comigo. E eu já tenho muita gente para falar mal de mim, agora quero encontrar pessoas que venham a falar bem de mim depois de minha morte.

No mais, eu sou um cara gentil, alegre, bem humorado sempre. Sou um cara de bem com a vida. Aprendi com um colega de profissão, certa vez, que “ser feliz é uma opção, ser bem humorado é obrigação”. Por isso sou bem humorado, porque ninguém é obrigado a aguentar o mau humor de ninguém. Estudei muito na vida, considero-me um cara inteligente.

E sou único no mundo em várias análises. Não apenas uma questão de digitais, sabemos que as digitais são únicas, não se repetem de dedo a dedo (informação que carece de comprovação) mas também porque tenho um nome único no mundo.

Vejam bem: meu nome é Paulo Cezar Santos Ventura. E paulo cezar santos existem muitos pelo mundo afora; paulo santos ventura existem muitos mundo afora; paulo cezar ventura existem muitos mundo afora. Incrível, o que me torna único no mundo é exatamente esse sobrenome comum, com milhões de pessoas mundo afora: Santos. Graças ao Santos eu sou a única pessoa no mundo com esse nome. Esse sou eu.


quarta-feira, 24 de março de 2021

VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO MUITO OU QUASE NADA?

Trabalhando muito. Sempre trabalhei muito. Não consigo ficar sem trabalhar. A diferença, hoje, é que trabalho em um ritmo mais lento. Não tenho mais compromisso com a produtividade, não tenho mais compromisso com nenhuma empresa. Só tenho compromisso com a minha consciência, com a minha vontade de deixar um legado. Quero que se lembrem de mim de alguma forma. 

Trabalhei mais de quarenta anos como professor, em várias instituições, e sempre ouvia a pergunta: - professor, você só dá aulas ou trabalha também? – Como se dar aulas não fosse trabalho. 

O conceito de trabalho era bater cartão em uma empresa, assinar o ponto, o que excluía os empreendedores de toda ordem. Hoje o conceito mudou, ampliou-se a ideia de trabalho. 

Ter um negócio é trabalho, escrever um livro é trabalho, varrer a casa é trabalho, e por aí vai. Eu me levanto cedo e vou escrever. Isso é trabalho. Depois vou levar o cachorro para passear e dar uma caminhada: cuidar é trabalho. Depois volto a escrever, continuo a trabalhar. Ao meio dia, vamos para a cozinha preparar o rango, mais trabalho. À tarde, atendo pessoas, resolvo problemas meus e alheios, estudo, converso, vendo livros, etc. 

Tudo isso é trabalho. Só vou dormir depois de vinte e duas horas, quando me desligo e vou me deitar. Ou seja, trabalho o dia todo. E isso porque não tenho compromisso com a produtividade, porque produzo para o mundo, não para uma empresa em particular. Meu compromisso é com o mundo, com meus filhos e netos e com os filhos e netos do mundo. E o que faço é para eles. Trabalho, trabalho, trabalho.


ONDE SE ENCONTRAM AS BOAS IDEIAS?

Nem sempre o que pensamos ser uma boa ideia de fato é. Ideias são ideias. Se são boas, só colocando-as em prática saberemos. Então precisamos colocar nossas boas ideias em prática.

A maioria das fontes de boas ideias são os amigos e interlocutores. Boas ideias sempre vêm ao longo de uma boa conversa. Fui professor por mais de quarenta anos e os alunos sempre foram um repositório de ideias. Tanto para novos possíveis projetos quanto para simples anotações que depois viraram textos, artigos, conclusões, etc. Não podemos nos isolar totalmente das pessoas porque isso limita nossas ideias.

Em tempos de isolamento social temos, ao menos, boas conversas via internet. O que diminui o isolamento em parte, e nos mantem quase em forma na captação de boas ideias, embora não seja a mesma coisa.

Outras fontes inesgotáveis de ideias são os filmes e os livros. Ao assistirmos um filme ou lermos um livro temos contato direto com as fontes de ideias. E como nossas ações são cópias de ações de outros, temos ali outro repositório de ideias. Pois como nos disse um dia, em entrevista, o dramaturgo Dias Gomes, copiamos as boas ideias desde Platão e Aristóteles.

A boa ideia de hoje está sendo refletir sobre qual a origem de minhas boas ideias. Resposta rápida e curta: dos outros.

QUAL FOI A ÚLTMA PESSOA QUE DEIXOU VOCÊ COM RAIVA?

Não me lembro, sério. Tive alguma raiva na adolescência, tive raiva quando jovem. Tive raiva do preconceito que sofri muitas vezes, principalmente na juventude, quando comecei a tomar conhecimento dele, tive raiva de meu preconceito, tive raiva das injustiças do mundo, tive raiva de alguém que queria me prejudicar propositalmente, tive raiva de pessoas mesquinhas que desdenham da inteligência alheia. Mas isso passou. A raiva não é um sentimento a ser guardado. Ela incha dentro da gente e explode, nos explodido junto.

"Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente" (Guimarães Rosa).

Descobri em Grande Sertão: Veredas, na fala do Riobaldo Tatarana, esse aforismo. Sentir raiva de alguém é deixar que essa pessoa comande sua vida. Logo, se quer ter controle de sua vida, controle seus pensamentos e elimine deles a raiva. Porque ela vai te fazer sofrer mais que o sofrimento que aquela pessoa te fez passar.

Afirmo com certeza e pureza de palavras: não me lembro da última pessoa que me fez raiva. Sou livre.

ALGUMA COISA LHE DÓI HOJE?

Alguma coisa me dói hoje, claro. Envelhecer é acumular dores. Alguns conseguem ir um pouco mais longe. Para esses, envelhecer bem é saber lidar com as dores e eliminá-las.

Eliminar dores não é seguir aquela máxima imbecil de que homens não choram. Choram e alguns, como eu, choram muito, por muitas dores, principalmente as dores emocionais. Mas é verdade também que chorar as dores, sentir as dores, te faz mais sereno depois que a dor passa. Não se iludam. As pessoas serenas são aquelas que souberam lidar com suas dores. Sem vínculo direto, claro, não há relação entre dor e serenidade, o certo é que elas coexistem.

Eu costumava dizer que um sujeito experiente era aquele que acumulou muitos fracassos. Portanto, considerava-me experiente. Hoje, avancei um pouco esse aforismo e digo que sujeito experiente é aquele que soube lidar com seus fracassos e tirou proveito deles, aprendeu com eles. E lidar com as dores é que nos ensina a viver e envelhecer bem. Isso eu aprendi também.

O que me dói hoje são meus cotovelos: tendinite. E minhas juntas: artrite. E meu ombro esquerdo: luxação por tombo. São dores que nos lembram do sinal dos tempos, que nosso corpo já não aceita alguns trabalhos e exercícios físicos ou falta deles. Incomodam, e muito. Mas são apenas dores com as quais tenho que lidar e aprender com elas. E que me exigem calma, sossego, pausas, paciência, massagens, alongamentos silenciosos e vagarosos e respiração. A gente descobre que o caminho de tudo, o melhor combate às dores, físicas e emocionais, é a respiração e seus ritmos, é a pausa que esquecemos de dar quando jovens e que agora, na idade do amadurecimento, ou nos associamos a ela ou nada feito.

Portanto, respire, respire. Pare. Lembre-se de se lembrar sempre que você é sua própria doença e sua própria cura. Respire, respire....


DO QUE VOCÊ PRECISA SE LIVRAR?

Eu já me livrei de tantas coisas na vida que já perdi a conta. Entre perdas e ganhos o resultado é uma balança caída no lado dos ganhos. Ganhei mais que perdi. Eu não acredito que perdi pessoas. Perdi coisas, objetos que representam valores, talvez. Eu tive dois casamentos. O primeiro foi precipitado, antes de minha maturidade, com uma mulher que não me entendia, não dava o menor valor para os meus valores, que tinha uma série de crenças de senso comum e me incluía neles. Por exemplo, eu sou formado em Física, amante da Física e das Matemáticas e nunca fui religioso. Então, para ela isso significava ausência de sentimentos, de sujeito materialista e nada subjetivo. Errado. Totalmente errado. E quando o casamento acabou, eu me mandei e deixei os valores concretos, como casa, mobília e outros objetos com ela. Eu, o sujeito sem valores subjetivos, deixei para ela os símbolos dos valores materiais. Perdi a convivência com os filhos, que ela pensava que precisavam se afastar de mim. E eles só voltaram a conviver comigo quando saíram de seus domínios e tornaram-se adultos. Perdi? Ganhei mais que perdi. Recuperei parte de minha essência. Casei-me de novo, ganhei novos afetos, nova família e isso durou até a parceira colocar suas ambições pessoais, individuais, acima dos valores comuns. E eu, inconsequente ainda, procurei outros afetos fora do relacionamento. E não percebi que isso estava criando uma lacuna em nossa vida. Quando dei conta do erro era tarde. O casamento acabou. Perdi? Creio que desta vez perdi mais que ganhei. Mas, de novo, recuperei minha essência. E agora com mais maturidade, mais compreensão do processo. Decidi morar sozinho. Só que não fiquei sozinho muito tempo. Comecei outro relacionamento, mais maduro, com mais vontade de acertar. E com a sólida decisão de não mais perder minha essência. Minha tranquilidade, meu sossego com a vida. E a pandemia que nos trouxe o distanciamento social está sendo fundamental para me manter ligado comigo mesmo, para me deixar aceso ao presente, ao aqui e agora. Estou ganhando de novo.

Tenho ainda coisas às quais devo me livrar? Sim, claro. Mas não são coisas materiais, não são pessoas. A gente não se livra das pessoas. A gente se livre de determinados problemas ligados àquelas pessoas, simbolizados por elas. E de que ainda quero me livrar? Quero me livrar de certas indecisões que ainda tenho; quero me livrar de situações às quais devo dizer não e ainda digo sim; quero me livrar de certas atividades que não gosto de fazer e ainda faço sem necessidade. Quero me livrar de alguns valores, algumas crenças limitantes que me impedem de agir de maneira rápido, decidida e definitiva, porque não quero mais perder tempo fazendo coisas de que não gosto e não quero. Simples assim.

Mas quero muito agradecer por todos os meus ganhos, todas as minhas alegrias, todas os meus aprendizados, todos os momentos em que recuperei mais um pouco de minha essência. Quero agradecer também por todas as minhas perdas. Porque elas me conduziram a meus livramentos e a outros ganhos que não teria se não tivesse perdido alguma coisa.

O QUE É PERFEITO?

O que é perfeito? Por mais perfeccionista que sejamos, a perfeição sempre estará acima daquilo que somos capazes de fazer. Hoje, por exemplo, é domingo. E o que seria um domingo perfeito nas circunstâncias atuais? E quais são as circunstâncias atuais?

Estamos vivendo uma pandemia de corona vírus, quase seis por cento da população brasileira está contaminada e este número só cresce e vai crescer muito. Não há como parar a contaminação sem colocar a população quieta em casa, sem fazer nada, e sem entrar em contato uns com os outros. O vírus circula e passa de uma para outro através da respiração e das gotículas de água que vêm com a respiração de cada um. E passa pelos objetos que são tocados e para as mãos que tocam esses objetos e das mãos para a respiração. É um círculo vicioso. Até que todos sejam vacinados não há outra forma de deter a circulação do vírus sem deter a circulação das pessoas. E para deter a circulação das pessoas é preciso dar a elas condições de viverem sem circularem. Isso deve política e plano de governo. 

Mas, como estou quieto em casa, posso me dar a esse luxo, por enquanto, o que seria um domingo quase perfeito? Seria a minha mulher se levantar e me dar um abraço com seu sorriso largo e seu corpo quente; seria eu terminar de fazer o móvel de madeira que iniciei ontem, seria almoçarmos com uma taça de vinho, seria terminar de ler a parte do livro que preciso ler até amanhã, seria ouvir música, cantar e dançar, seria escrever um capítulo perfeito para um livro qualquer. É a perfeição possível.

E quem sabe, receber uma boa notícia, uma grande notícia que viesse me dar um grande prazer e, melhor ainda, seria a notícia de novas possibilidades para a minha vida. O mais importante no momento é que tenho a mulher que eu quero na cama que eu escolhi, moro em uma casa que eu escolhi entre tantas outras, vivo em um local que eu escolhi, e levo a vida que eu escolhi. Lembrando que as escolhas são sempre dentro de nossos limites de possibilidades, evidentemente. Perfeito, não?

QUAL FOI A ÚLTIMA VEZ QUE FALOU COM SEUS PAIS?

Sempre visito a minha mãe, noventa e quatro anos. Agora menos, por causa da pandemia. Ela foi vacinada, mas eu e os outros que entram em contato com ela, ainda não. E ela mora com um neto, meu sobrinho, que, apesar dos cuidados e do trabalho em casa, sempre precisa sair, para sobreviver. Durante o dia ela tem a companhia de uma cuidadora, uma pessoa gentil que cuida dela e da casa. E à noite seu neto está com ela. E aos finais de semana tem sempre alguém lá, um dos filhos para ser exato. Minha mãe está bem. Apesar da idade, ela está bem lúcida, bem alegre. O bom humor sempre foi uma de suas características. Hoje em dia ela se lembra mais das coisas do passado mais distante, se esquece do que fez minutos atrás, faz parte da idade e também porque não podemos sair de casa. Tem um vírus lá fora matando pessoas e que nos mantém distantes dos parentes e dos amigos e de seus abraços. É este o momento que vivemos.

Eu passei em sua casa e lá fiquei durante meia hora. Ela gostou da visita, riu bastante e ainda contou alguns pequenos casos. O diálogo com ela, hoje em dia, tem sido de conversas curtas, ela não se lembra das coisas, mesmo assim consegue manter uma conversação razoável porque nós sabemos de que ela precisa. Ela precisa de carinho, de afeto. E ela vê isso em nossos olhos. Ela vê isso em meus olhos. Não demorei porque tinha outro compromisso. Como ela escuta pouco, não adianta telefonar para ela. Ela não entende o telefone. De vez em quando eu ligo em vídeo com quem está com ela. Assim ela me vê e a acompanhante traduz para ela o que eu falei. E assim se passam os dias atuais com minha mão. E respondendo à pergunta, eu falei com ela ontem.

Com meu pai eu falei a última vez em trinta e um de dezembro de dois mil e treze às dezenove horas e poucos minutos. Faz um tempo, não é? Eu cheguei em sua casa por volta de dezenove horas, entrei em seu quarto e ele estava deitado em sua cama. Quando me viu entrar sorriu para mim e pronunciou meu nome. Eu fiquei ao lado de sua cama até as vinte e duas horas, sentado a seu lado, olhando sua respiração até ela parar. Foi a última vez que falei com ele. Depois desse dia eu apenas sonhei com ele uma vez. E foi só. No entanto, ele é uma lembrança permanente em minha vida. Seu legado em mim é muito forte.

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...