sábado, 11 de abril de 2020

DIÁRIOS DA QUARENTENA VIII – 10/04/2020



Passei o dia trabalhando na construção de um jardim suspenso com paletes coletados em um desmanche. Vai ficar lindo.
Agora à noite, ouço samba e danço. Viva a quarentena.

DIÁRIO DA QUARENTENA IX – 11/04/2020


Hoje é sábado de Páscoa. Em outros tempos haveria malhação do Judas com muita festa, muita graça. Mas em tempos de quarentena temos que manter o isolamento a distância social, trancados em casa. Eu estou trancado desde o dia dezesseis de março, quase não vejo ninguém, não saio à rua, apenas para abastecer minha geladeira e comprar uma ou outra coisa necessária para nossa manutenção em casa. Tenho livros, tenho discos, tenho uma conexão com o mundo através das redes sociais, etc. Então, mantenho uma distância nem tão isolada assim, já que posso me comunicar com o mundo, com os amigos conhecidos e desconhecidos. Todos estamos na mesma onda, todos com medo.
Hoje eu li uma frase interessante sobre o medo. “Medo a gente tem, mas não usa”. Era de uma pessoa que tem que lidar cotidianamente com situações provocadoras de medo. Mas não pode se entregar ao medo. Guardei a frase para mim. Tenho medo de pegar o vírus? Sim, tenho medo, mas não o uso. Me previno ao máximo, mas não uso o medo. Porque o medo nos impede de agir em casos graves, mas precisamos dele para duas coisas: para ter coragem e para não correr riscos desnecessários. Estranho? Aparentemente contraditório, correto, no entanto. Tenho medo, mas não quero usá-lo. Muito chique.
Trabalhei durante a manhã na confecção de jardins suspensos com paletes catadas em um desmanche. São paletes com defeitos e descartados, por isso, mas ainda úteis em mãos interessadas em construir alguma coisa. A madeira não é lá grandes coisas, mas têm, no entanto, um belo visual para o que pretendo fazer. Como não tenho muito espaço de terra eu o usarei para construir canteiros verticais para plantar hortaliças. Estão ficando bonitos.
Depois do almoço dei início à minha carreira de cineasta. Filmei a companheira elaborando um prato para seu público de seguidores no You Tube: cozinhando com a Gurgelita. O prato foi Quadradinhos de Tapioca, com tapioca granulada, queijo coalho, leite e sal, apenas. Filmando o processo de elaboração do prato desde a apresentação dos ingredientes até a degustação com a iguaria pronta. Foram oito tomadas de cena, cada uma com uns dois minutos em média, o que deve dar um filme com duração entre doze e quinze minutos. Os vídeos foram repassados para o editor que deve colocar o filme no ar brevemente. Veremos. Óbvio que lanchamos o produto final, com café. E ficou muito bom Parabéns à Gurgelita.
Amanhã devemos ir a Ouro Preto. Minha companheira tem um endereço lá, uma quitinete super legal, um lugar onde podemos ir para ficar uns dias sempre que quisermos. Vale a pena mantê-lo. Uma pena que estamos confinados em nosso endereço principal por causa de Seu Corona. Espero que no fim tudo dê certo. Sigamos em frente.



sexta-feira, 10 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA VII - 09/04/2020


Levanto e vou escrever. E assim começo os dias, em todos os dias de quarentena. Ou melhor, em quase todos. Depende de que horas acorda minha companheira. Ela é um pouco mais dorminhoca que eu, acordo mais de uma hora antes dela. Há dias em que começo a escrever e volto para a cama, se ela está acordada fico com ela mais um pouco. Aí, já viu, né? O corpo pede um chamego, um carinho, e ... a manhã começa mais tarde, o texto se interrompe e continua depois. Hoje, como meu dedão do pé estava ferido, não voltei para a cama. Isso porque, ao me levantar apanhei o celular em algum lugar da casa (não o deixo no quarto), ele escorregou de minha mão. Para que não chocasse com o chão o moço aqui, em um reflexo de atleta ninja o amortece com o pé. Qual pé? Aquele com o dedão ferido. O pé mais ágil, o esquerdo. E onde o aparelho cai? Adivinhou se respondeu que ele caiu exatamente em cima do dedão do pé esquerdo. Passada a dor, café com ela e começo a escrever.
Hoje precisei levar uns livros ao correio para despachá-lo para um amigo que me comprou oito exemplares dos Diálogos do Ser-Tão. O Correio trabalha com horário reduzido, começa às dez e trinta e havia uma fila grande, doze pessoas para serem atendidas antes de mim, uma demora de mais de mais de trinta minutos. Depois enfrentei a fila do supermercado, e a fila de entrada lá foi de quase uma hora também. Em seguida, uma visita ao sacolão, a fila era menor, comprei o mais rápido que foi possível. Voltei para casa eram quatorze horas. Quase três horas para entrar e comprar em três estabelecimentos comerciais. Pelo menos os cuidados com a manutenção da distância, por parte dos estabelecimentos, eram visíveis.
Encontrei outra pessoa que usava o mesmo tipo de máscara caseira que eu: um lenço perfex, desses de uso na cozinha, para limpeza, dobrado e preso com uma fita atrás da orelha. EU vi uma médica ensinando a fazer através de um vídeo que me foi enviado por WhatsApp, penso eu.
Fui convidado pela Ana Cruz a participar de uma teleconferência via internet, com pessoas de seu grupo de clientes de terapia, a dar explicações sobre a parte de física quântica do livro A Cura Quântica. Procurei dar o máximo de embasamento científico para afirmar que a tal cura do autor não é quântica. É outra coisa. Que pode ser puro charlatanismo. Só que não sou dono da verdade para dizer: não é, o autor está errado. Tenho uma formação de cientista, e como tal, a dúvida é minha parceira. A dúvida é a maior ferramenta do cientista. Sem a dúvida a Ciência não avança. Por isso desconfiamos de autores que afirmam tudo com tanta certeza. Os fenômenos quânticos não se explicam com afirmações assertivas, elas se explicam com a experiência. Precisamos, então, de mais pesquisa sobre a consciência e a memória para termos um mínimo de certeza sobre os fenômenos de cura e da consciência. Senão, caímos no campo da seita.
Depois da teleconferência, que durou quase duas horas, terminamos o dia com a sopa do Guto, nosso vizinho. Que estava uma delícia.
Sigamos em frente.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA VI – 08/09/2020


Hoje já é dia oito de abril, estou na quarta semana de quarentena, vigésimo terceiro dia e estou bem. A quarentena tem sido ótima para ficar em casa comigo mesmo. Eu consigo esta façanha porque estou tranquilo e sereno. Quantas pessoas estão desesperadas porque não aguentam mais ficar em casa? Eu aguento. Não quero ser contaminado, não quero ficar doente, então fico em casa. Isso vai passar, eu sei.
Essa auto imposição de ficar em casa, nos leva a outros questionamentos. Sobre o tempo, por exemplo. Eu descobri que sou um poeta do tempo e do espaço. Em meus textos, poemas principalmente, disserto muito sobre o tempo e o espaço e suas relações, medidas, formas de sentir, etc. Talvez seja meu espírito de cientista, de físico por formação, o tempo sempre é uma temática. Em tempos de quarentena, de tempo passando devagar, vamos falar de tempo? Surgiu aí uma ideia: escrever sobre o tempo para crianças e jovens.
O tempo é frustrante? Só quando estamos com pressa e, de repente, temos que parar para dar um tempo para que as coisas se resolvam da melhor maneira sem nossa intervenção. E esse isolamento nos cria uma sensação de enorme inutilidade. Aos poucos ninguém mais te telefona, ninguém mais te manda mensagens, ninguém mais lê, curte e comenta o que você escreve nas redes sociais. Isso é isolamento total. E você descobre que não é mais útil para ninguém e tem medo de morrer assim mesmo. A sensação de inutilidade não açoda o desejo de morte. Sim, isso é uma forma de estar vivo, de se sentir vivo. Não ser útil para ninguém e não querer morrer. Porque nós somos mais que isso. Somos mais que a soma de nossas intenções, nossas vontades. Somos mais que a soma de nossos desejos. Tem algo na conta que conta mais que as parcelas e o resultado é maior que imaginamos. É aí que volta a esperança, exatamente quando estamos no escuro e percebemos que a luz da manhã vai chegar a qualquer momento e, como pássaros de madrugada, levantamos e nos preparamos para alçar voos. Só levamos conosco nosso passado, ele gruda em nós como eco de nossas falas, nossos gritos. Como eco, não como peso. Eco não pesa, apenas sussurra em nossos ouvidos. E assim podemos sair desse mundo escuro como os contos de Edgar Alan Poe.
E eu quero um belo dia hoje. Choveu muito à noite, amanheceu nublado, mas agora, quando levanto daqui para tomar meu café matinal, o sol brilha lá fora, ainda tímido, ainda tépido, morno. Mas meu coração está quente. O café que se coloca à mesa pelas mãos da mulher enquanto escrevo, está quente e me aquecerá o corpo, a começar pela boca, pela garganta e nela darei um beijo com a boca quente. E o dia recomeça. E eu em meu isolamento social, bem acompanhado, diga-se de passagem. O que não me faz sentir menos só. Pois tenho solidão de amigos, solidão de abraços variados e sortidos durante o dia. Eu que defendia a terapia do abraço. Precisamos de uns dez abraços diferentes por dia, cada um de mais de vinte segundos para a devida liberação e absorção de oxitocinas para melhorar o humor e a saúde.
Abraços, no entanto, só de quem vive comigo no mesmo espaço e faz a quarentena a meu lado. Convivemos com os mesmos vírus, comemos da mesma comida, dormimos na mesma cama, trocamos fluidos o dia inteiro, e noite também. Daí nos abraçamos várias vezes por dia, longamente, porque gostamos um do outro e para compensar os abraços não trocados com outras pessoas. E nos faz muito bem.
O dia hoje não foi de muito trabalho, fiz apenas o essencial da casa, algumas leituras, etc. Fui ao correio enviar livros, ele já estava fechado. Estão trabalhando em horário reduzido, só até quinze horas e trinta minutos. Perdi tempo. No caminho de volta para casa apanhei alguns paletes para fazer uma obra aqui. Um armário para a cozinha. Um teste à minha capacidade obreira, como marceneiro. E à noite assistimos a um filme engraçado, uma comédia leve e divertida, com Robert de Niro e Anna Hataway. Fechou o dia. Sigamos, então.




terça-feira, 7 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA V – 07/04/2020


Acordei cedo, quase oito horas, com o telefone tocando. Era minha irmã Ciça. Atendo porque telefonemas de irmãos sempre podem trazer alguma notícia inesperada, é aquela mania que a gente tem de pensar que notícia ruim chega bem cedo. E ela tem um filho que trabalha em um hospital, situação de risco em tempos de pandemia. Ela diz que não, pois ele chega e tira as roupas assim que sai do carro e já entra pelado em casa e vai direto para o banho. E suas roupas vão direto para a máquina de lavar. Ok. O que seria então? Cortinas. Ela queria saber sobre cortinas. E assim começo o dia.
Volto para a cama encontro a mulher acordada e sorridente. Começamos uma brincadeira de quase todas as manhãs: conversas, carinho, abraços, coisas e tal, antes de levantarmos e irmos para a cozinha fazer o café. Que hoje foi acompanhado de pão integral, queijo do tipo cottage e pasta de amendoim com óleo de coco e canela. Bem alimentados estamos.
Fui para o computador e começo a ler mensagens no WhatsApp e no Facebook. Sou surpreendido com um filme do Rafael Catatal, editado pelo meu querido amigo Raul Sampaio, com trechos do Caminho do Sertão. Fiz o Caminho do Sertão em julho de 2019 e até hoje o sertão não saiu de dentro de mim, e nem vai sair. Ele se instalou em mim como carrapicho, mas um carrapicho que gruda na alma e não sai de jeito nenhum. O filme em si é uma edição de 8 minutos de muitas horas que o Rafael fez durante os nove dias que foi o Caminho: sete dias de caminhada mais o dia antes e o dia depois. Foi uma experiência maravilhosa contada no livro Diálogos do Ser-Tão, da Rolimã Editora. Parei, claro, para ver o filme e agora estou aqui escrevendo sobre isso e sentindo na pele todas aquelas maravilhosas lembranças do feito. Sem mais palavras.
O filme me tocou tanto que não consegui, por um tempo, fazer mais nada. Aquele caminho foi um marco em minha vida e, pelo que posso perceber nos depoimentos dos colegas, foi um marco na vida deles também. Somos outras pessoas, temos outras percepções das coisas, novos sentimentos, além de novos amigos. Eu gostaria de encontrá-los mais vezes, e o faríamos não fosse a pandemia. Que merda. Minha coleção de afetos estando trancada a várias chaves, eu querendo exibi-la para os queridos e não consigo. Não posso sair de casa. Pena. Mas, depois dessa, colocaremos os afetos em dia.
Depois veio o almoço. Ela capricha sem demora e sem muitos rodeios nem devaneios na hora de preparar o rango. Comemos bem e leve. Arroz, feijão e um suflê de cenoura: cenouras, cebolas, ovos e queijo, além de temperos saborosos. E uma salada bem rica, bem condimentada, apimentada. Uma delícia. Fizemos um teste de filmagem na cozinha durante o preparo. Vamos colocar no ar, de novo, o canal You Tube da Gurgelita, uma vedete da cozinha com receitas saborosas e simples. Aguardem para breve.
Também conversei com Ana, minha futura autora, sobre uma apresentação ao vivo que ela quer fazer na quinta-feira e conta com minha presença e ajuda. Ela vai falar sobre o livro do Depaak Chopra, A Cura Quântica, e ela quer minha ajuda pois não quer embarcar em uma canoa furada. O livro fala sobre a cura baseada em medicinas indianas e alternativas, em que a cura é um construto da mente. Sim, pode ser, acredito que a fé ajuda bastante, temos muitos exemplos disso pelo mundo afora e todos temos um caso, pelo menos, em nossos círculos familiares e de amigos. Mas daí chamar o processo de quântico há uma distância enorme. Vou ler mais alguma coisa amanhã para participar da videoconferência na quinta-feira.
À tarde, voltei a assistir mais um episódio da série Altered Carbon, uma série futurista bem tensa e cheia de aventuras e lutas e busca de valores. Lutas entre o bem e o mal não são novidades, a questão é que, na série, quem é o bem e quem é o mal é uma dúvida complicada. Mas o filme tem tiradas filosóficas ótimas, alguns personagens são verdadeiros Aristóteles e fazem declarações alucinadas, mas cheias de verdades. Hoje ouvi de um robô que as coisas improváreis são as que mais importam em nosso (deles) mundo conturbado. Que barato! As coisas improváveis são as que mais importam. E que livros, nomes e carinho nos ajudam a lembrar que, mesmo nas horas mais sombrias, a vida deve ser saboreada. Uau! A verdade geralmente está sob a pele. Principalmente quando nossos rostos estão protegidos por nossas máscaras. Todas as máscaras. As que nos protegem do vírus e as que nos protegem de nós mesmos.
E hoje tivemos mais de cem mortos, no Brasil, pelo vírus. Eu ainda penso que nossos números estão falsos. O número pode ser bem maior. E me baseio nas informações que vejo na própria imprensa. Ontem, por exemplo, tivemos cinquenta e poucos mortos, segundo dados publicados pela imprensa baseados em informações oficiais. E ao mesmo tempo, a reportagem de um canal de TV nos informa que apenas em um cemitério de São Paulo houve vinte e sete enterros de vítimas. Percebem? Em um único cemitério vinte e sete enterros. E apenas cinquenta e poucos mortos pelo vírus. As contas não batem. Acreditemos, no entanto, e sigamos em frente.


DIÁRIO DA QUARENTENA IV – 06/04/2020


Hoje começamos a quarta semana de quarentena. E estou bem, ela também. Talvez se eu estivesse sozinho não estaria tão bem. Tenho alguém comigo que me ajuda a viver, a pensar no dia a dia, a trabalhar. Juntos cuidamos do espaço físico, dos amigos e familiares, cozinhamos, lavamos, preparamos nosso dia a dia com carinho. E escrevemos. Agradeço profundamente à pessoa que vive comigo. E começamos a quarentena em 16 de março. Eu com uma gripe/resfriado bem forte, pensei até que estivesse com a Covid-19. Felizmente não, o resfriado melhorou. Ou sim, e também melhorou. Estou tomando meus cuidados. E ela também se resfriou, provavelmente pegou de mim, ou não. O fato é que aqui é muito frio e chove muito. Por isso resfriamos. Não estou achando esta quarentena chata por duas razões: estou bem acompanhado e eu me sinto bem estando quase solitário, quietinho, escrevendo minhas estórias. Só preciso ser um pouco mais criativo e produtivo. Estou trabalhando nisso.
E minha mulher de vez em quando passa em minha frente, sorri e diz algo alegre. Já passou aqui e me deu alguns beijos, agora está na cozinha preparando o almoço. Linda essa mulher. Eu me sinto bem feliz de tê-la aqui comigo. E me lembro de todo o bem que ela me tem feito, ouço com atenção e não me importo com o excesso de palavras e frases com que ela derrama seus pensamentos. Ela precisa falar, então que fale. Eu preciso escutar, então escuto. Isso porque escutar faz parte da formação da sabedoria de um cidadão e eu quero ser um cidadão com sabedoria bastante para também ser ouvido quando for necessário. E assim vamos levando os dias de quarentena obrigatória.
Ontem eu escutei uma frase em um filme, a escrevi para guardar e ela me parece ser daquelas coisas nas quais a gente precisa pensar para chegar naquele estágio de sabedoria que queremos alcançar. A frase é: “as tempestades fazem as raízes das árvores crescerem profundamente”. Ou seja, as árvores crescem suas raízes durante as tempestades para não serem derrubadas por elas, nem pelas tempestades futuras. Então finquemos nossas raízes nesta quarentena de enfrentamento de crise na saúde mundial e sobreviveremos às próximas crises, porque elas virão.
Outra frase, curiosamente dita pelo mesmo personagem, foi: “imortalidade significa viver eternamente com o que fizemos”. Não esquecer nossas ações seria saudável? Seria enriquecedor de nossas histórias? Viver eternamente com aquilo que fizemos, com nossos arrependimentos, com nossas ações, aquelas que mexem com todos, que criam relações e constroem arranjos sociais? É isto? Frase provocativa, essa.
Ainda uma terceira frase que me fez anotar no caderninho que sempre tenho a meu lado, foi: “com o tempo, até os amores viram pó”. Puta que pariu, esta frase é foda. Até os amores viram pó. E para o pó retornaremos.
O dia de hoje também foi tranquilo, de paz. Trabalhei bastante pela manhã, em coisas que podem me ajudar mais à frente. O que mais faço e penso que até faço bem, é escrever. Escrevi meus microcontos, escrevi as crônicas matinais e elas ficaram tão boas que aproveito parte dos assuntos aqui. Porque meus escritos foram bem filosóficos, usando frases que ouvi ontem em um filme. Depois do almoço demos uma caminhada, fui à caixa econômica imprimir uns talões de cheque, mas lá não tinha caixas eletrônicos com essa opção. Valeu a caminhada. Passamos na casa de um amigo para conversar um pouco.
Em casa comecei a ler e ver as notícias horríveis do dia: mais mortos, mais contaminados, e o presidente continua a aprontar das suas. Seu posicionamento não condiz com sua condição de presidente da nação. E seus atos tem seguidores tão mal intencionados quanto ele. Aliás, já nem sei quais são suas intenções, suas ideias são fixas em algumas coisas que não tem nada a ver com poder, com o poder que lhe é conferido. Aí mora o perigo. Ele quer demitir o ministro da saúde, mas a sociedade protege o ministro. E o clima fica tenso. Como um personagem robô me disse uma vez, não se pode salvar os homens deles mesmos. Quando eles seguem um caminho, mesmo que tortuoso e perigoso, nada consegue demovê-los de suas ideias fixas.
Por outro lado, tento manter a minha serenidade. O universo se rende às mentes serenas, sendo elas capazes de transformar o mundo com sua serenidade. Por isso, fico com a minha serenidade. Pois o fruto da árvore pertence à árvore. Minha serenidade me pertence e nada irá tirá-la de minha mente. Que precisa estar saudável. Espero não ter sido, nem vir a ser acometido do novo vírus. Ele poderia me ser mortal, sereno ou não. Parece que estamos em um beco sem saída. De um lado, a ciência e os cientistas tentam achar uma saída saudável para os males do mundo, de outro lado, o senso comum, os pensamentos aleatórios das pessoas os conduzindo cada vez mais para o interior do beco. E os becos nos atrasam na busca do que pode ser a verdade presente no caos. Sim, há verdade no caos. Encontrá-la é o problema. Porque a realidade pode ser, nada mais nada menos, que um somatório de ilusões, algumas ilusões perdidas no mesmo labirinto, no mesmo beco sem saída. Por isso procuro construir um jardim em meu labirinto particular. Construir e manter um jardim nos ajuda a por foco em nossos pensamentos. Então, sigamos em frente.

DIÁRIO DA QUARENTENA III - 05/03/2020


Findamos a terceira semana de quarentena, e é apenas o terceiro dia que escrevo esse diário. Porque não pensei nisso antes? Não sei. Poderia ter pensado, porque escrevo crônicas do cotidiano todos os dias e isso aqui é uma crônica, certo? Eu escrevi crônicas nesses dias de quarentena e muitos microcontos. Adoro escrever microcontos de até trezentos caracteres, não é exatamente uma escolha, é uma exigência do grupo do facebook do qual sou membro. E isso acaba sendo um hábito. Então, escrevo esses contos curtos, minimalistas. A história de escrever diários da quarentena surgiu por essas razões: o cotidiano de uma pessoa em minha idade, mais de sessenta quase setenta, é ficar em casa.
Recebo recados dos amigos de todos os gêneros – fique em casa meu querido; recados dos irmãos – Paulo, fique em casa; recado dos filhos – pai, fique em casa; recado dos netos – vovô, fique em casa. Apenas minha mulher, que divide comigo a quarentena necessária, diz de vez em quando – querido, estamos sem verdura para o almoço, vai ali no mercado e compra um pé de couve. Então eu ponho a máscara, calço os sapatos que já ficam do lado de fora, coloco meu chapéu e luvas e saio. Na rua costumo encontrar algum conhecido que me fala – meu senhor, não é melhor ficar em casa? Chego no sacolão, a duzentos metros de distância e tem um cara na porta, sem máscara e sem luvas, mas com uma garrafa de álcool em gel na mão e me besunta todo. Se ele estiver contaminado, eu já estou fodido. Compro meu pé de couve e a gente sempre compra algo mais do aquilo que colocamos como nosso objetivo inicial, comprar faz parte de nossa obsessão cotidiana e vamos ao caixa, e entramos em uma fila cheia de gente olhando uns para os outros como se fôssemos extra terrestres e sempre aparece alguém para te lembrar: - você não deveria estar em casa, seu velhote? Velhote é a puta que te pariu, jovem idiota.
Bom, depois de passar no caixa, uma moça que bem gostaria de estar em casa em um domingo de manhã e se encontra a contra gosto naquele recinto minúsculo vendo a cara de desconfiados de seus fregueses – será que essa moça não tem covid? Penso e logo deixo de pensar, porque pensar não imuniza ninguém, pago, dou um sorriso amarelo, ela me responde com outro sorriso mais amarelo ainda e volto para meu container doméstico, caminhando devagar só para ficar mais tempo na rua. Chegando em casa faço o ritual (estou começando a me acostumar com rituais, eu que não frequento igrejas porque não gosto de rituais): tiro os sapatos, as meias, as luvas, o chapéu, a máscara, lavo as mãos e a cara com sabonete e me besunto de novo com esse maldito álcool em gel. Aliás estou virando alcoólatra em gel, se o cheiro do álcool não for exatamente aquele, eu rejeito. Por isso parei de tomar cachaça, porque ela não tem cheiro de álcool em gel, então não me satisfaz.
Mas quem fez o almoço hoje foi eu, então deixei na geladeira o bendito pé de couve porque o meu interesse era fazer um peixe ao forno. Eu sou chique, né? Comprei ontem um filé de tucunaré, um peixe da Amazônia bem gostoso e o deixei hoje de manhã fora da geladeira para derreter o meio quilo de gelo que vem dentro do filé congelado. Com limão capeta que apanho no limoeiro do vizinho. Ele me deu acesso a seu quintal só para pegar o danado do limão capeta que dá mais que chuchu na cerca. Mas o limão capeta não tem nada de afrodisíaco, apenas ajuda na imunidade do velhote (velhote é a puta que pariu), importante se cuidar senão o corona vírus vai te pegar e não adiantará ter cara de velhote (velhote é a puta que pariu) sarado, ela vai te pegar do mesmo jeito.
Voltando ao peixe, que descongelou todo o gelo que o fedaputa do fornecedor coloca dentro para aumentar o peso, ajeitei-o na vasilha, besuntei-o (gostei da palavra) com um temperinho caseiro da mulher (coisa boa, a mulher e o tempero), e acrescentei cebola, alho, tomates, pimentões e batatas pré-cozidas e besuntei (ô palavrinha gostosa) com azeite de oliva e foi tudo para o forno. Fiz também um arroz com camarão pequeno e a madame fez uma salada das boas e fomos para a mesa. A essa altura eu já estava meio bêbado de tanto álcool em gel, mas mesmo assim abri um vinho português, um Porta do Casal, safra dois mil e quinze que, segundo enólogos, é a melhor safra da década no mundo todo. Convidamos também nosso vizinho, sim, o do limão capeta, não por causa do limão, mas porque é gente boa e sempre engraçado. Almoçamos os três aquele manjar por mim preparado (desculpem os auto elogios, mas ficou bom pra caralho), rimos e conversamos.
Depois do cafezinho, eu a mulher que comigo divide o espaço em quarentena (será que ela está me aguentando, afinal em meu currículo está assinalado pelas ex-mulheres que sou chato pra caralho) fomos para a cama entre juras de amor e cenas obscenas que não terei o desplante de escrever aqui. Afinal, estou gostando pacas dela e não posso expor nossos pormenores amorosos que não são nada menores, bom dizer. Estamos de lua de mel em quarentena. Afinal viemos morar juntos quando a porra do Sars-cov2 resolveu bagunçar o coreto e a economia do mundo e matar alguns velhotes (velhote é a puta que te pariu), principalmente aqueles com histórico de doenças. Ainda bem que chatice não é doença. Então, sigamos.

domingo, 5 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA II - 04/04/2020


Hoje o dia foi principalmente libidinoso. Ao acordar e durante a sesta fizemos amor, eu e ela, lógico. Foi avassalador o tesão nos dois momentos. Parece que a diversão sexual nos fortalece, nos mantém lúcidos neste período de loucura virótica. As pessoas têm medo de contrair um vírus, mais medo ainda de transmiti-lo para seus familiares mais idosos e estes morrerem. Oitenta por cento dos mortos pelo covid-19 está na categoria de mais de sessenta anos e com algum problema de saúde anterior. E o número de mortos cresce no Brasil e no mundo.  Mas nós criamos uma espécie de capa protetora, com a cumplicidade amorosa entre nós. Fazemos sexo, cuidamos um do outro, fazemos nossa comida e ficamos em casa a maior parte do tempo. Durante a semana, hoje é sábado, saímos poucas vezes. E sempre para dar uma caminhada ou fazer compras nos supermercados com cuidado e proteção. A vida é muito louca.
Saí pela manhã para comprar algumas coisas no supermercado e abastecer nossa geladeira e despensa de alimentos. E também para comprar algumas coisas inusitadas: pregos para fazer uma obra de madeira para decoração da casa, cola para colar peças de madeira e lixa para deixar as madeiras lisinhas e sem farpas que nos machuque as mãos. Estou pegando paletes usados pelas transportadoras, paletes jogados fora por alguma razão, e usando suas tábuas para construir um suporte para flores, ou um coxo para dar comida aos pássaros, ou uma casinha de cachorro, coisas assim. Na loja de material de construção o atendimento foi bem profissional e o atendente pegou o material solicitado para me entregar e depois passou álcool em minhas mãos e nas dele. Ele me disse ter imunidade baixa e, portanto, corre riscos. No supermercado os cuidados dos funcionários são bem menores. Eles disponibilizam álcool a todos, mas poucos usam máscaras e luvas e nem se importam em manter distância uns dos outros e dos compradores. Os compradores estavam mais cuidadosos.
Uma vez em casa seguimos o ritual de desinfecção: tiramos os sapatos, lavamos os objetos comprados, lavamos as mãos e o rosto, passamos álcool. E como temos tido pouco contato com pessoas, pensamos não estar correndo grandes riscos. O almoço tem sido leve, comemos o suficiente, quase não comemos carnes. Antes do almoço, claro, uma bebida alcoólica, em pequena quantidade. Hoje eu tomei uma dose de cachaça e dividi uma lata de cerveja, 500ml, com minha mulher. Apenas isso.
À tarde fomos dar uma caminhada. De casa à Praça dos Quatro Elementos, ida e volta, são uns quatro quilômetros. E lá na praça nos sentamos e fizemos uma meditação de mais ou menos meia hora. Isso nos deixa leves e relaxados. Meu método de meditação é fazer o exercício de respiração que faço para chegar ao transe leve: respiração lenta e profunda, enchendo e esvaziando o abdômen, e pensando apenas na respiração e pronunciando algumas palavras, como uma mantra, que nos faz pensar que estamos inspirando coisas boas e expirando nossas mazelas. Na volta paramos na peixaria e compramos peixe e camarão para o almoço de amanhã, que será minha responsabilidade.
Além de tudo colocado acima fiz também a leitura de parte de dois textos: dois livros que estou lendo. Um como produtor de texto, que é um trabalho de leitura intensiva, catando problemas de redação e de coerência do texto. Outro como leitor beta, que é aquele leitor que acompanha o trabalho do escritor no momento em que ele escreve para lhe dizer se alguma coisa não está legal. Ou se pode melhorar.
Mas o que me preocupa é o fato de que o corona vírus estar mexendo com todo mundo. E as diversas formas com que ele mexe conosco. Em minha vizinhança temos diferentes tipos: um pensa que a quarentena é um exagero; outro que está ficando meio maluco e com medo da contaminação. Os dois não são idosos, o primeiro com sessenta anos e o segundo com cinquenta e três. E os dois são bolsonaristas ferrenhos e acreditam nessa merda que temos como presidente. E, no entanto, têm comportamentos diferentes e contraditórios. E os dois estão sem trabalho e, provavelmente, ficarão sem dinheiro. Eu acompanho as notícias pelos sítios de notícias na internet e no rádio. Estou mais preocupado com a conjuntura do país e com a despreocupação das pessoas, o que pode colocar em risco os outros, que com a situação econômica. Esta se arranja depois que o risco de contaminação passar. Sempre daremos um jeito. Sigamos, então.


RETROSPECTIVA BEM HUMORADA 05


Aventura 03: Viagem de 20 dias pela Patagônia Argentina e Chilena. Fiquei impressionado com a Terra do Fogo, extremo sul continental do planeta. E com as geleiras.
Professoras primárias queridas: Laila Abalen e Léa Giorgini.
Maiores lembranças da infância: Minha mãe cantando Francisco Alves e Sílvio Caldas no tanque; descida de carrinho de rolimã, construído por nós mesmos, na rampa da rua onde morávamos, em Nova Lima; passeios pela Mata do Jambreiro desde a manhã até quase noitinha (conhecíamos a mata inteira e até fomos usados como guias pelo corpo de bombeiros quando um grupo de jovens se perdeu e os bombeiros não o encontraram); as partidas de futebol, aos fins de tarde, no campinho privativo dos moleques da rua, eu prum lado e Santiago pro outro no par ou ímpar (éramos os maiores); futebol no campo do Montanhês, bairro Cabeceiras, Nova Lima, aos domingos; subir na caixa d’água de mais de 30 m de altura para tomar banho dentro dela sem que nossos pais nos vissem; ir aos domingos ao cinema do Teatro Municipal de Nova Lima (hoje um patrimônio) assistir filmes de Mazzaropi, levado por meu pai; soltar papagaio (ou pipa, ou flecha) do pátio da Cemig no meio daquele emaranhado de fios elétricos e torcer para que o vento estivesse soprando para o outro lado; jogar bolinha de gude; namorar as meninas da escola primária; descer a rampa gramada, e muito inclinada, sentado em cima de um papelão, ou saco de linhagem, e ficar esperto para não dar de cara no muro; passar férias na Fazenda Potreiro, em Rio Piracicaba/MG, com meu avô Juquinha e andar a cavalo, tirar leite de vaca, pescar no rio à tardinha, subir no pé de jaca do quintal, chupar laranja do pomar, etc., etc.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

RETROSPECTIVA BEM HUMORADA 04


O que já escutei sobre mim: dizem que sou chato. Respondo que sou chato, mas sou genial, como outros chatos geniais – Caetano Veloso, Paulo Francis, Nelson Piquet, etc.
O que também já escutei sobre mim: que sou sereno, tranquilo e que transmito confiança. Concordo.
Aventura 02: viajar de carro na França, Espanha, Portugal, Suíça, Itália, Alemanha, e outros lugares, sem destino certo.
Línguas: só aprendo línguas no calor das conversas com nativos. Assim aprendi francês e espanhol.
Prazeres: Uau, são tantos! Os melhores prazeres da vida são aqueles minúsculos prazeres cotidianos, que tornam a vida mais leve. O primeiro gole da cerveja na temperatura certa; comer a ponta do pão quentinho quando sai do forno; acordar com tesão de madrugada e sua mulher também; ligar o rádio e estar tocando sua música preferida; comer um pão de queijo com café em silêncio; ver uma criança lendo seu livro e se deliciando; ouvir uma poesia sua sendo declamada por um desconhecido; sentar na beira do rio só para escutar o murmurinho da água; andar descalço em riacho pedregoso; ver o por do sol; levantar bem cedo para ver o sol nascer na montanha; ver a lua cheia aparecer no alto da mesma montanha no mesmo dia que viu o sol nascer pela manhã; surgir uma pequena inspiração e minutos depois ter um poema escrito; comer angu e couve fina com feijão tropeiro e ovo; beijos; abraços; abraços e sorrisos de filhos e netos; sentir-se amado; amar; andar de bicicleta; tomar banho de cachoeira; uma boa prosa com amigos; caminhar em silêncio ao lado de pessoa amiga e perceber que a fala é desnecessária; receber uma mensagem daquela pessoa que você gosta muito e não vê há tempos; dançar coladinho; ouvir música de manhã ao acordar; etc.; etc.; etc..


RETROSPECTIVA BEM HUMORADA 03


Diploma: tenho vários. Certificado de conhecimento.
Amigos: um monte: certificado de sabedoria
Profissão: professor durante mais de 40 anos
Formação formal: Física e Ciência da Comunicação
Formação não formal: poesia, conversa afiada, resposta pronta, pedalada, banho de cachoeira, amizade, carrinho de rolimã, culinária, fotografia, pintura imaginária, desenho com dedos no ar, orelha boa para ouvir pessoas, aldravias, clássicos da literatura e outros nem tão clássicos, histórias em quadrinhos, passeios às margens do Sena e do São Francisco e das Velhas e do Cipó, degustação de cachaça, um pouco de alpinismo, escaladas em torres da Cemig, assistir Marília Pera e Katerine Ross no cinema, leitura continuada e eterna de Grande Sertão Veredas e Dom Casmurro, caçada de estrelas cadentes, busca do tesouro no fim do arco-íris, passeios na mata do Jambreiro, passeios na mata de Rambouillet, remo na Lagoa dos Ingleses, mordida de piranha no calcanhar, beijos na boca, por do sol pelo Brasil afora e outros lugares do mundo, nascer do sol nas montanhas e na beira mar, assistir O Corpo em Paris, pedalar na Inglaterra e na França, fazer o Caminho do Sertão, gostar da música do Makely Ka, Sérgio Pererê e Maurício Tizumba, o cordel do Olegário Alfredo, entre outros milhares de coisas que me ensinaram a ser o que eu sou.


DIÁRIO DA QUARENTENA I – 03/04/2020


Estou em quarentena. Isso não é novidade. Eu e milhares de outros. Há quem diga que é uma medida desnecessária, que a economia vai falir. Mas a economia é um ente abstrato, eu não. Eu sou concreto, de carne e osso e um poço de emoções. Estou em quarentena há duas semanas. Em princípio, comecei com um resfriado estranho: tosse, espirros, dor de cabeça, dor no corpo, dor de garganta. Sem febre. Com os anúncios dos sintomas mais genéricos da COVID-19, fiquei com um certo temor de estar covidiado. Parece que não, ou que sim, não tenho certeza. O fato é que meus sintomas foram mudando ao longo dos dias, e se afastando dos casos clássicos de pessoas contaminadas. Meu resfriado foi embora, fiquei mais tranquilo.
Eu me mudei para um novo endereço uns dias antes da deflagração da quarentena e isso foi uma sorte. Moro em uma casa ampla, grande, onde instalei meu escritório, biblioteca, cozinha e quarto. E tenho um grande espaço externo para trabalhar. Tenho também um vizinho que me empresta ferramentas para trabalhos genéricos, tipo passatempo. Aliás, trocamos ferramentas. A casa dele é em cima da minha e temos uma passagem comum.
Esta casa onde moro fica em um bairro sossegado e ela está no final do bairro e perto das trilhas na mata, onde posso caminhar sempre que não chove. E como chove aqui. Parece que estou em uma cidade amazônica, onde chove todos os dias. Hoje, por exemplo, choveu o dia inteiro. E esfriou.
Outra grande vantagem de minha mudança é que não moro mais sozinho. Tenho a companhia de minha namorada. Estávamos os dois começando um relacionamento e ele foi esquentando, esquentando, já ficávamos a maior parte do tempo juntos. Então resolvemos ficar em quarentena juntos. Logo, moro em um lugar super agradável e com ótima companhia. Ela, minha companheira, é alegre, acorda sorrindo, sorri o dia todo, cozinha maravilhosamente e toca violão muito bem. Ela veio com seu violão, seus livros e sua caixa de sapatos. Como é possível uma pessoa ter tantos sapatos? Ela tem mais sapatos que eu tenho de chapéus. Talvez ela pergunte: como é possível uma pessoa ter tantos chapéus? E com o frio que faz aqui, imagino que terei chances de usá-los, o que não fazia antes por causa do calor. Há anos não fazia frio e este ano parece que ele virá com vontade.
Hoje estou escrevendo mais que o normal. Tirei o dia para ler e escrever. Tive um pouco de dor de cabeça, mas foi ressaca mesmo. Ontem à noite eu e minha companheira fomos convidados para tomar um vinho com nosso vizinho de cima, em quarentena como nós. Tomamos duas garrafas enquanto minha companheira se dedicou ao violão nos presenteando com um belo repertório de música brasileira. E terminou em samba.
Em casa parece que o vinho subiu, ou desceu, não sei. O que sei é que nosso movimento na cama foi fora do normal. O que havia terminado em samba continuou em transa, das melhores dos últimos tempos, em nosso quarto. Uau! Que maravilha de sexo. Desse jeito a quarentena pode virar cinquentena ou mais. Estou me acostumando com a pessoa, a convivência tem sido das melhores. Creio que nos daremos muito bem. Já nos damos muito bem. Um amor diferente do que já senti antes está no ar. E não é vírus. Não morre com sabonete e álcool em gel.
Com relação ao trabalho, já que tenho a responsabilidade de conduzir uma editora, confesso que estou relaxado e relapso. Isso precisa mudar a partir de amanhã. Assumo aqui, no papel, o compromisso de mudar meu comportamento profissional. Preciso sobreviver ao vírus física, psíquica e economicamente. Sigamos, então.



CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...