segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

CHEGUEI AOS 69. E AGORA?

Cheguei aos sessenta e nove anos. Até aqui a estrada foi árdua, com pedregulhos e poças d’água, mas também com alegrias, emoções, muitas emoções, e trabalho. Muito trabalho. Durante mais de quarenta anos fui professor. Há exatos oito anos deixei de sê-lo. Não que não amasse a profissão, apenas porque pensei ser hora de fazer outras coisas na vida.

Esta transição para “fazer outras coisas na vida” não é fácil. Primeiramente, comecei a trabalhar com consultorias para instituições escolares. Uma consultoria para uma instituição em Juiz de Fora, Minas Gerais, permitiu-me bons ganhos, bons relacionamentos que passaram a barreira do profissional e muitas viagens. O que é bom, no entanto, chega ao final, diz o ditado.

Por mais que me preocupasse com essa transição e tivesse oportunidade de escolher o caminho a seguir, a profissão exercida por muito tempo gruda na gente como carrapicho. Uma vez professor, sempre professor. Voltar à sala de aula, no entanto, estava fora de questão. Como tudo em minha vida aconteceu por acaso, mais um se tornou realidade. Passei a escrever livros e produzir outros.

Na verdade, agora conto histórias, uma forma diferente de ser professor. Ser escritor era um sonho de juventude. Sempre gostei de escrever. Faltava, no entanto, a disponibilidade para isso e, principalmente, o talento. Que vem com a prática, com muita escrita jogada fora. Não há talento no mundo que se adquire sem muito trabalho, sem muito treino. Hoje, tenho a coragem e audácia de dizer que faço isso bem, e continuo treinando. Escrevo todos os dias simplesmente para escrever melhor. Como um atleta que treina diariamente para competir no fim de semana. Como o músico, que treina uns quatro meses para um concerto. Quer ser bom em algo? Treine muito. Porque histórias para contar, temos muitas, contá-las bem, é outra história. Sou um eterno aprendiz.

Estou naquela idade em que as pessoas perguntam: - o que você fez para chegar tão bem nesta idade? Tem algum segredo? Há, sim, alguns segredos. Quem quiser uma mentoria sobre como envelhecer bem, entrem em contato e me contratem. Segredos dados, de graça, não têm valor. Conto um só, como um bônus: o bom humor. Fundamental. Sem bom humor, não se chega a lugar nenhum.

Meu projeto agora é chegar aos noventa e seis. Com bom humor e com muitos amigos. Ter amigos é outro segredo. Acabei contando mais um. Claro que não é fácil manter o bom humor e ter muitos amigos. Comece treinando o sorriso, este é de graça e faz um bem enorme para quem o recebe. Abre muitos caminhos. E prepare-se para “fazer outras coisas na vida”. Com amor!


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

UM POUCO DE MINHA HISTÓRIA

Nasci grande, magrelo e feio, segundo minha própria mãe. Estava todo enrugado e minha pele só se desenrugou depois de uns dias. A gente já nasce perdendo e ganhando. Sim, perdendo o calor do útero, perdendo a alimentação fácil, perdendo a atenção das pessoas àquela barriga bonita e redonda da mãe. Por isso nascemos chorando e provavelmente assustados? Por outro lado, ganhamos os olhares carinhosos e felizes dos familiares, o amor das pessoas. E eu nasci em um hospital de cidade de interior, bem cuidado. E saí para o mundo, pus os pequenos pés na estrada.

O inquieto do meu pai pediu demissão na empresa onde trabalhava quando eu tinha apenas um mês. E foi trabalhar em uma construtora de estradas no interior de Minas Gerais. Pé na estrada por aí a fora. Em quatro anos eu provavelmente andei alguns milhares de quilômetros. Por onde as máquinas iam, a gente ia atrás. De Belo Horizonte a Teófilo Otoni fomos e voltamos várias vezes. Com algumas paradas em Rio Piracicaba (MG), onde meu avô tinha uma pequena fazenda. Entre uma casa e outra pelos caminhos, parávamos lá por vários dias, semanas, até por meses. Tenho boas memórias dessa época, desde que um pequeno consiga se lembrar. E minha memória vai até os dois anos, quando me lembro de uma casa perto de um aeroporto em Teófilo Otoni. Isso porque, um dia, tivemos que correr da pista gramada onde um pequeno avião iria pousar.

Aos quatro anos, quase cinco, chegamos em Nova Lima (Minas Gerais), quando finalmente meu pai parou de viajar. Eu nem havia completado cinco anos, e nascera o quarto filho da família: uma menina. Foi quando moramos em uma casa com quintal grande, por alguns meses, e depois mudamos para outra, onde morei dos cinco aos vinte anos. E assim começa minha vida de perdas e ganhos. Aos cinco anos, começo a trabalhar. É quando meu pai começa a me ensinar a ler e fazer contas e a cuidar da horta e do jardim de nossa casa.

Esta é uma ótica interessante, creio eu, sobre como encarar sua história de vida: enumerando perdas e ganhos ao longo do tempo. As perdas e os ganhos acontecem todos os dias. Pequenas e grandes perdas e pequenos e grandes ganhos, muitas vezes variando de posição conforme o olhar, dependendo do foco. Algumas perdas se transformam em ganhos dias depois. O contrário também acontece: quantas vezes pensamos que saímos ganhando em alguma empreitada, em algum jogo, para depois percebermos que aquele ganho de ontem se transformou em uma grande perda. Neste jogo da vida tudo acontece.

Aos cinco anos aprendi a ler. Isso me custou algumas horas por dia sem brincar, algum tempo tendo que pousar os olhos naquelas letras cabulosas e decifrar significados naquelas palavras que, naquele momento, podiam não fazer sentido nenhum. “Eu me chamo Lili” era meu martírio. Mas, saber ler tinha algumas vantagens. Quando chegava visitas em casa, meu orgulhoso pai me pedia para ler para as visitas. E isso acabava em afagos das senhoras visitantes. Aprendi a gostar cedo daquele carinho de seios das mulheres roçando meu rosto. Perdas e ganhos.

Quando completei sete anos e fui para a escola primária, os cartazes da sala que devíamos ler até cansar, traziam as frases: “Eu me chamo Lili”, que meus colegas suavam para soletrar até aprenderem a decorar as palavras. Não sei se aprendiam assim. Novamente, que martírio! Pelo menos a professora percebeu minhas qualidades de leitor e pediu-me que ensinasse os colegas a ler os cartazes. Isso me valeu a admiração das meninas e ganhei uma namorada. De nome Eliane. E que saia de sua posição do outro lado da sala e vinha me dar um beijo quando a professora, por algum motivo, saia de cena. Novos ganhos.

E o trabalho na horta de nosso quintal era outra atividade que me tirava o tempo de brincar. Eu devia me agachar nos canteiros e arrancar com as mãos todos os matinhos que insistiam em nascer ao lado dos pés de couve, alface e outras verduras. E molhava as plantas também uma vez por dia. E se fazia errado ganhava as tradicionais porradas e cascudos que os pais daquela geração insistiam em dizer que eram preventivas e corretivas. Esses cascudos são uma perda total. Perda de afeto, perda de identidade, perda de autoestima, que tem um custo altíssimo em nossas vidas. Só com análise, bem mais tarde, quando a gente descobre o quanto de mal aquilo nos fez. Essa perda não tem recuperação fácil. Ganhei, no entanto, um apego à natureza, um conhecimento do gesto e do ofício de plantar, coisa que sempre fiz na vida. Grandes perdas, grandes ganhos.

A vida, no entanto, me levou a viver as grandes mudanças do século XX e cheguei na infância do século XXI justamente com o advento de minha maturidade. E como eu tive a oportunidade de fazer um curso superior na área de Ciências (graduei-me em Física) eu pude, também, acompanhar os grandes avanços científicos e tecnológicos dos últimos tempos. Como professor de Física trabalhei em cursos de Engenharia e de formação de professores em várias instituições. E como Doutor em Ciências da Comunicação e Informação participei de inúmeros projetos de pesquisa em cursos de Mestrado em Educação Tecnológica e de Estudos de Linguagem. Coordenei mais de cinquenta projetos de pesquisa na área de Ciências Humanas e mais de mil projetos de produtos tecnológicos em Engenharia. Isso me deu uma experiência enorme na gestão de projetos. Grandes ganhos. Mas a idade avança e um dia a gente resolve mudar de ares. É onde a vida pessoal e profissional se embaralham. Perdas ou ganhos?

Esse relato inicial é só mesmo para falar de perdas e ganhos na vida, que começam logo cedo. Para irmos aprendendo que

                 "viver é muito perigoso"[1].

E a gente precisa ganhar um bom jogo de cintura logo cedo para não sair só perdendo. Cresci assim.

                “Vivendo e aprendendo a jogar”[2].

Nunca ganhei grandes coisas na vida, em termos materiais, mas ganhei muita experiência, muita sabedoria. E é essa sabedoria que me ajuda a viver hoje. É com ele que eu vou.

 


[1] Frase de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

[2] Letra de música de Guilherme Arantes (Aprendendo a jogar)

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...