sábado, 8 de dezembro de 2018

ESCURO

Essa semana vivi uma experiência inesperada e interessante que contribuiu muito para eu compreender um pouco mais do que seja percepção. Cheguei em casa à noite, por volta de vinte e duas horas e os moradores da casa, meus filhos, já dormiam. Apenas a luz do corredor de entrada da cozinha estava acesa. Fiz meu lanche, abasteci-me de água e apaguei a luz para subir a meu quarto. Então percebi que todas as luzes da casa, de todos os três pavimentos, estavam apagadas. Se eu quisesse luzes acesas deveria subir até o andar de cima, acender uma lâmpada e descer de novo até o andar de baixo para apagar a aquela deixada acesa e subir de novo. Mas havia um pouco de claridade vinda da rua, da iluminação pública. Eu poderia subir sem problema. Foi então que tomei uma decisão: a de manter os olhos fechados enquanto subia as escadas. Afinal, eu conhecia bem meu caminho, quantas vezes por dia eu o faço! 

Subi devagar, de olhos fechados, segurando o corrimão e tentando sentir cada passo, cada som que ouvia e cada corrente de ar que chegava até mim. Quando cheguei à porta de meu quarto tomei outra decisão: manter os olhos bem fechados e continuar. Eu precisava escovar os dentes, tomar banho, enxugar-me, vestir-me, pentear-me, passar creme hidratante no corpo, colocar o telefone para carregar sua bateria, beber água e, finalmente deitar-me. E resolvi fazer tudo isso de olhos fechados. Toda a operação, bem-sucedida, não durou mais que vinte minutos. E foi uma sensação muito boa. Sensação de cuidado de mim, de capacidade de sentir, de escutar e de fazer o que sempre fazia sem prestar muita atenção. 

Essa foi uma experiência de estar presente e ligado naquilo que fazia no exato momento. Sem pensar em mais nada. Irei repetir essa experiência sempre.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

MEDALHA


Persius trabalhava em pesquisas em ciências de materiais aplicadas à construção de células nanométricas que poderiam mudar concepções tecnológicas importantes. De repente, pensou: que merda de medalha eu ganharei por isso neste país? Voltou a traficar aparelhos eletrônicos, sem medalhas.

PONTEIRO


Canhoto que era, seu sonho futebolístico era ser ponteiro esquerdo do Montanhês Futebol Clube, da várzea de sua cidade. Não passou da lateral esquerda. Jogou bem no setor e foi parar na meia-esquerda do Montigny F C, da várzea francesa. Sempre esquerda, volver. Oh sucesso!

LAGO


O lago era uma espécie de símbolo de sua vida, parte vivida às suas margens, parte dentro dele. Ali se banhou, ali pescou, ali remou. Era, então, normal que o buscasse, dado seu atual desespero, para ali finalizar sua pouco épica existência.
Não conseguiu. Por respeito ao lago, está vivo até hoje.

POTE


Abri meu pote de NÃOS, guardados para momentos especiais. Encontrei um monte de SIMS, rebeldes, perdidos e contraditórios. Mas sou assim. Entre não e sim, não consigo sem mais ou menos. 

sábado, 8 de setembro de 2018

CHIFRE

Jandira tem 92 anos e vive bem. Mas, de vez em quando a pegamos com uma angústia Roseana, aquela das pessoas do bravo sertão, que tiveram ou têm uma brava vida, de pegar boi pelo chifre e jacaré pelo rabo. Se ela se for quem continuará contando seus casos repetidos à extravagância? Quem?

segunda-feira, 12 de março de 2018

VIDA

De tanto assistir televisão a vida de Maria virou uma novela. Ela se deu conta disso após perder amigos, interlocutores e clientes. Cada dia ela criava um enredo parecido com o capítulo da véspera e queria que todos se tornassem figurantes.


sexta-feira, 9 de março de 2018

PERDÃO


- Perdão? Sim, o perdão me faz poderosa. Significa que estou aqui, agora, viva e forte. Mas não admito desrespeito. E daqui para frente, só vamos para cima. Foi a resposta de Ritinha a uma pergunta capciosa de um jornalista após a estrondosa apresentação da banda Delírios da Ritinha.  


quinta-feira, 8 de março de 2018

VOZ


Há vozes que não se calam. Eu, Ritinha, mulher, artista, roqueira, líder de banda, não posso esquecer as tentativas de estupro, os assédios, as reladinhas indiscretas em ônibus, tudo aquilo pelo qual eu e outras mulheres passamos todos os dias. Voz que não se cala, revolta que não se acalma.


quarta-feira, 7 de março de 2018

DELICADEZA


A banda Delírios da Ritinha finalmente se completou com a chegada da percursionista Bibi Delicadeza. Duas mulheres, dois homens: equilíbrio esperado. E muito ensaio, já que Ritinha não queria mais saber de mimimi, queria tocar e agradar. O público roqueiro é grande, fiel e exigente.


terça-feira, 6 de março de 2018

SABONETE


Magrão, um dos músicos da Delírios da Ritinha, não aguentando a pressão (ensaio todo dia e uma mulher como chefe) saiu de fininho escorregando feito sabonete. - Problema não. Ringo Starr entrou para os Beatles de última hora, e segurou a onda. Temos vaga para percursionista.


segunda-feira, 5 de março de 2018

JURAMENTO


Depois de uma apresentação fracassada, a banda Delírios da Ritinha, teve seus shows cancelados. Foi então que eles fizeram um juramento solene: trabalhar, compor novas músicas com a cara deles, ensaiar, ensaiar, ensaiar, mostrar, vencer. Desistir? Nem pensar.


domingo, 4 de março de 2018

FANTASMA

Que atirem tomates quem nunca sofreu revezes na vida. Mas não seriam falsas frutas que tirariam a Delírios da Ritinha do caminho traçado. Os fantasmas do passado e sua falta de perspectivas não assombrariam mais. E viva o Punk Rock`n Roll! E viva a banda!


TOMATE

A banda se concentrou nos aplausos, fazendo um grande exercício de pensamento positivo. O baixista ainda carregou alguns tomates jogados pelo público e que se mantiveram inteiros. A salada de amanhã será vermelha, disse.


sexta-feira, 2 de março de 2018

MEDIDA


A banda Delírios da Ritinha recebeu um convite para um festival. A alegria foi tanta que não perceberam que as demais bandas eram de música sertaneja. Subiram ao palco, começaram a tocar e as vaias vieram. Que medida tomar? Seguiram em frente, mantiveram o astral e alguns aplausos aconteceram.


quinta-feira, 1 de março de 2018

SUPEDÂNEO

Única mulher da banda e menor que seus colegas músicos e chefe deles, Ritinha tratou logo de subir em um supedâneo para melhorar sua imagem nas apresentações em vídeo. E em público sempre se posicionava mais à frente deles, valendo-se da paralaxe como recurso. Deu certo.



Na faculdade Ritinha ouviu, no primeiro dia de aula, um professor motivador fazer seu discurso de boas vindas aos alunos: - é preciso fazer desse momento nobre um supedâneo de sua existência e ungir vossas mentes com o caldo da sabedoria para alcançar os píncaros do sucesso. - Orra meu! Fui.

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...