quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O QUE PENSO FAZER QUANDO ENVELHECER

 

Envelhecer é um processo, lento para uns, rápido para outros, dependendo de como se vive antes disso. Como todo processo, nada acontece de repente. Tudo na vida são escolhas e escolhas são feitas a partir de experiências e de emoções vividas no acaso da vida.

Eu escolhi ser um cara tranquilo, desses que não se esquenta muito no calor dos acontecimentos. Não sou frio, pelo contrário, sou um poço de emoções, mas não esquento demais. Eventos assistidos e participados, analiso com calma as possibilidades e faço minhas escolhas. Por isso cheguei à idade de hoje sem grandes problemas e sem problemas de saúde.

A pergunta, então, deve ser outra. Que escolhas devo e posso fazer hoje para ter possibilidades de escolhas melhores no futuro, quando estarei velho? Primeiro, um esclarecimento: não existe uma definição operacional para velhice. Existe para pessoa idosa. Velho é um estado de espírito, existem jovens de noventa anos e velhos de quarenta anos. Considerando isso, defino-me como um jovem de setenta anos.

Para fazer escolhas preciso conhecer uma coisa de suma importância: eu mesmo. Tudo começa com o autoconhecimento. Quem sou, onde pretendo chegar, que limitações tenho no momento e no caminho a seguir. Como dizemos em Minas, tudo é uma questão de ONKOTÔ e ONKOVÔ, para definir COMKOVÔ. Palavras mágicas dos mineiros. Fazemos delas um mantra espiritual, como no haicai a seguir.

 

ONKOTÔ digo

pra definir ONKOVÔ

saber COMKOVÔ

 Minhas escolhas partem do projeto de vida que construo para meu futuro. Ele começa com minha missão: contar histórias que ajudem as pessoas a se autoconhecerem e se transformarem em pessoas melhores e mais sábias. Farei isso através de minhas palavras escritas em livros e publicações diversas na Internet, ou palavras faladas para ouvintes interessados. Escrever, publicar e vender livros é o resumo desta missão. Porque a sabedoria é uma escolha individual. Lógico que depende do conhecimento adquirido na vida, mas a sabedoria é aquilo que fazemos com o que conhecemos.

A partir deste caminho a ser percorrido, e com os devidos cuidados pessoais com a minha saúde, espero poder fazer boas escolhas quando estiver velho, algum dia bem longe.


terça-feira, 22 de novembro de 2022

O FIM DO RACISMO: SONHO?

Minha mãe mesmo conta. Quando jovem, terminou o namoro com um jovem negro porque, segundo ela, não queria ter filhos com o cabelo pixaim. Casou-se com um jovem de pele clara e teve filhos de cabelo pixaim. Alguns de pele mais clara e outros de pele que costumamos chamar de parda. Eu, primeiro filho, já exibi seu engano logo ao nascer: tenho pele parda e cabelo pixaim.

Além da pele parda e cabelo pixaim, tenho cabeça grande e sou inteligente. Ganhava boas notas, as melhores da classe. E meu pai me colocou para estudar em escola privada de uma cidade de interior. Eu nunca consegui interagir com os colegas. Pior, um colega que sentava ao meu lado, bem maior que eu, me enchia de porrada se eu não passasse cola para ele, nas provas de Matemática. E esse cara se tornou jornalista e editor do principal jornal de Minas Gerais. O que posso esperar da imprensa no Brasil?  

Mas, não é de mim que quero comentar aqui. O tema é o racismo e o sonho de ver o país livre do racismo. Tem sonho mais utópico que esse? Tenho uma sobrinha preta, hoje com trinta e poucos anos, linda, trabalhadora, engraçada. Na própria família, cheia de cabelos pixaim, se escuta a famosa frase: - que preta linda! Ou ainda, é preta, mas é linda! A frase não poderia ser substituída apenas por: - que mulher linda? E quando eu aparecia com uma namorada preta, sempre ouvia: - você gosta de uma preta, hein? E eu respondia. – Eu gosto de mulher, cara. A cor não importa.

O fim do racismo precisa começar nessas pequenas manifestações nas relações domésticas. Enquanto nos circuitos familiares as pessoas pretas e pardas não deixarem de ser notadas e discriminadas por particularidades como cor da pele não poderemos falar que aqui não tem racismo. Todos os pretos, pardos, amarelos e indígenas sonham com esse dia. Um dia ele virá.

sábado, 19 de novembro de 2022

ATENÇÃO, PESSOA IDOSA NA REDE

Caiu na rede é peixe? Esse ditado popular vale também para as redes sociais? Parece que sim. As pessoas em geral têm a crença que pessoas idosas não são afeitas às tais redes sociais, o que não é verdade. Há casos e casos. O meu caso é fora da média, porque trabalhei como professor e pesquisador em uma instituição pública federal e estar atento às novidades tecnológicas fazia parte de meu trabalho. Quando a instituição em que eu trabalhava montou o primeiro laboratório de informática para uso dos professores, em mil novecentos e noventa, lá estava eu frequentando-o assiduamente. Escrevendo em Word Perfect, um programa que não mais existe. Devo lembrar que em mil novecentos e setenta em um, meu primeiro ano na UFMG, calouro de Física e cursando a disciplina de Cálculo Numérico, tive que aprender linguagem Fortran para criar softwares. Nunca cheguei a nerd da informática, mas ela foi companheira mais ou menos próxima.

Com relação às redes sociais, passei direto pelo Orkut, nunca o usei. Quando surgiu o Facebook lá estava eu em suas fileiras. O Google surgiu como navegador e eu fui usuário desde o nascimento. Meu e-mail nessa plataforma/navegador é usado, o mesmo, há muitos anos, desde os primórdios. O Twitter também. Tive mestrandos em Letras que pesquisaram, e defenderam suas dissertações, as linguagens e aplicações do Twitter. Snapchat não me seduziu, Instagram sim. E hoje estou no LinkedIn, Medium.com, Recanto das Letras, YouTube, tenho quatro blogues na Blogger, TikTok ainda não, não acho graça, e WhatsApp se tornou obrigatório.

Ou seja, sou uma pessoa idosa antenada. Não pensem, no entanto, que passo horas nas redes sociais. Não passo. Amigos vivem me xingando porque me mandam mensagem pelo WhatsApp e eu demoro a ler e responder. Ora, ora, respondo quando quiser. Não ficarei olhando para o telefone a todo momento para verificar mensagens. Se for urgente, telefone.

Na solidão da pandemia, as redes sociais foram muito importantes para manter a comunicação com os parentes e amigos e salvar a mente da doideira na solitária de nossas casas. E aí esteve perigo. Sempre. Muitas pessoas idosas, já acostumadas com a solidão que faz parte da vida de muitos de nós, encontraram nas redes sociais uma vazão para se sentir próximo de algo que fosse própria da vida delas, sem interferência de ninguém. A facilidade do uso dos aplicativos nos telefones smartphones permitiu a comunicação via Facebook e WhatsApp, principalmente.

Qual o perigo, então? A vulnerabilidade das pessoas idosas com relação às crenças nas tecnologias faz delas um alvo fácil para aproveitadores de várias espécies. Pelo WhatsApp chegam comunicados pedindo dinheiro urgente de pessoas que usam perfis clonados de parentes delas. Muitas caem na rede. Pelo Facebook elas assistiram ou leram um discurso fake de políticos dirigindo-se especialmente a elas, pessoas idosas solitárias, exatamente falando mal de políticos que não cumprem promessas de campanha. É palavra certa de pessoas que dominam perfeitamente o marketing digital e sabem exatamente com quem estão se comunicando. Não demora muito elas são convidadas para grupos de WhatsApp e se tornam adeptas e se sentem protagonistas de atividades políticas. Foi assim nas últimas eleições.

É possível reverter este processo? Sim, com muita atenção e afeto às pessoas idosas. Muita conversa, muito café com pão de queijo (não só em Minas Gerais) e, principalmente, muita demanda a elas para que se sintam respeitadas e protagonistas de ações diversas que façam com que se sintam importantes, enquanto tiverem autonomia de pensamento e locomoção. Não sei se há outro caminho.

 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

AMIGOS E TRABALHO NA MATURIDADE

Por que estas duas palavras estão juntas no título desta crônica? Minha resposta é: os amigos e o trabalho somem quando chegamos à maturidade cronológica. Depois dos sessenta, quantos amigos nos restam? Depois dos sessenta, quantos colegas de trabalho ainda pelo menos conversam conosco? Depois dos sessenta, que trabalhos nos resta?

Uns dois anos depois de minha aposentadoria voltei ao local de trabalho, o que é normal, ainda somos ligados ao departamento de pessoal como servidores públicos inativos (sic), e o banco onde tenho conta para receber o salário tem agência no interior do prédio. Logo na entrada encontrei-me com um antigo colega. Ele me reconheceu, mas não sabia que eu não mais trabalhava no local.

Junte-se a isso um casamento desfeito, algo excelente para nos fazer perder amigos. Amigos casados tendem a sumir quando a gente se divorcia, talvez seja uma regra social funcional. Pelo menos, como me casei de novo algum tempo depois, novos amigos estão aparecendo. Mas novos trabalhos, aqueles bem remunerados, não. Fiquei apenas com o tempo para contar e escrever minhas histórias. Logo, entrei a fundo nesta atividade.

Quem vai me ouvir e me ler eu não sei. Mas não desisto facilmente. Principalmente porque contar e escrever histórias são duas atividades maravilhosas. Escrever é uma atividade solitária, contar histórias melhor com plateia. No entanto, não estranhem se me ouvirem falando sozinho.

Depois dos sessenta comecei a prestar consultoria para várias instituições. Minha experiência profissional me valou por um bom período. Quando pensava que tudo estava melhorando veio a pandemia de coronavírus. Danou-se. Fiquei isolado por dois longos anos em um lugarejo sossegado. Tive que aprender a viver quase sozinho e conviver com apenas uma pessoa, a companheira que acabara de conhecer. A vantagem é que ela foi uma dádiva do universo naqueles momentos desagradáveis. Dois anos a dois na solitária.

Os amigos e o trabalho se foram de vez, sobraram apenas as relações virtuais com pessoas e instituições. Novas aprendizagens de relacionamento foram acontecendo gradualmente. Novas possibilidades de sobreviver na solidão que nos afeta, que nos convida a seguir, com as frases de sempre: melhor só que mal acompanhado. Aviso aos poucos novos amigos, e até aos antigos e desaparecidos, que estou bem.

Todos os dias acordo, caminho e escrevo. Todos os dias medito. Todos os dias cuido do jardim. Todos os dias passeio com Marlon Brando e brinco com Mia Couto. Todos os dias publico alguma coisa nos blogues e páginas virtuais que administro e poucos leem. Quase todos os dias faço amor com minha companheira (se alguém pensa que a gente brocha depois dos sessenta, é mentira). Todos os dias cuidamos um do outro. Todos os dias leio. Todos os dias tiro pelo menos uma fotografia de algum lugar bonito por onde passei. Todos os dias dou uns cinquenta bons-dias para pessoas com as quais cruzo em minhas caminhadas. Todos os dias encontro alguma assombração de meu passado e fico feliz ao observar que estou melhor que elas.  Todos os dias conto quantos faltam para meu aniversário de cem anos. Todos os dias olho para dentro de mim para verificar se estou bem. Sim, estou bem.

Minha saúde é ótima, minha pressão doze por oito e sessenta batimentos por minuto. Todos os dias resolvo pelo menos um problema. Que problema? Quando não tenho invento um só para não perder a capacidade de resolvê-los. Que problema tem isso? Oh! Vida bendita! Todos os dias comemoro a vida e agradeço por tudo. Afinal de contas, estou ficando para a história. Alguma história. Que se danem os amigos ingratos e ausentes.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

OS AMIGOS E A OBSESSÃO

Quais as minhas obsessões, perguntaram-me. Todos têm pelo menos uma pequena obsessão, disseram-me. A esta altura da vida, o que seria uma obsessão? Teria feito alguma diferença em minha vida se eu houvesse tido uma, em algum momento da vida?

Fui ao dicionário pesquisar as várias significações da palavra e encontrei algumas. Vejam:

i.        Preocupação exagerada com alguma coisa; apego excessivo a uma mesma ideia fixa. Nunca tive ideia fixa com nada. Aprendi cedo o desapego com as coisas, a fazer dar certo, mas se não der tenta-se outra coisa.

ii.      Compulsão; necessidade intensa para fazer algo ilógico ou insensato: a obsessão pelo dinheiro. Nunca fui insensato. Aliás, penso que sempre fui sensato demais. Nunca cometi uma loucura grande, só pequenas loucuras. Apego ao dinheiro? Não tenho e até penso que isto seja um defeito. O dinheiro vaza rápido do meu bolso.

iii.    Impertinência; ato de aborrecer alguém com solicitações insistentes. Se percebo que aborreço alguém, saio correndo de perto. Pode até acontecer de eu nunca mais procurar a pessoa pelo fato dela sentir-se aborrecida com a minha presença. Não me permito ser inconveniente nem desrespeitoso.

iv.    Neurose obsessiva-compulsiva que se define pelos pensamentos, repetitivos e compulsivos. Esse é o limite superior da obsessão. Se não tive pequenas obsessões, passei longe das obsessiva-compulsivas.

O que eu sempre procurei na vida foi estar disponível para os amigos mais chegados, eles são poucos, estar sempre de bom humor e ter a alegria como companheira. Perturbar pessoas não é meu estilo. Sempre tive muitos amigos, muitas namoradas também. No entanto, nunca forcei minha presença, nunca agi contra a vontade dessas pessoas. Tenho por norma que fico melhor ainda se as pessoas próximas a mim, estão bem. Felicidade é algo que contamina, então faço o que posso para que pessoas a meu lado tenham seus minutos de felicidade e alegria. Porque isso me ajuda a ter meus momentos de alegria e felicidade. Rir é muito melhor quando se ri junto a alguém. Riso em boa companhia é uma delícia.

E não é que acabei encontrando minha pequena obsessão? Exatamente o que descrevi acima. Fazer os amigos felizes porque isso me ajuda a ser feliz. Isso a gente consegue com amigos e com a pessoa amada. Semana passada, em uma palestra para jovens do Ensino Médio de uma escola, disse que uma das coisas que nos ajudam a ser felizes é ver a pessoa amada feliz. Precisamos, então, fazer o possível para que ela seja feliz.

Sempre fui assim? Claro que não. Já tive meus momentos de pessoa egoísta. Paguei o preço disso. E não é barato. Hoje eu, pessoa idosa, aprendi que a alegria e a felicidade aparecem em curtos momentos e em situações de convívio coletivo. Pessoas alegres precisam estar juntas para que a alegria perdure e os momentos de felicidade se prolonguem além do inefável. E isso se faz com os amigos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

AUTORRETRATO COM MÚSICA

Assistindo ao show de encerramento da carreira de Milton Nascimento, comecei a pensar como esta música, a do Clube da Esquina, está emparelhada e amarrada à minha vida. Travessia, música apresentada pelo Milton em um festival de música, e o álbum de mesmo nome, foi lançado em mil novecentos e sessenta e sete, quando eu tinha quatorze anos. Não sei se a ouvi naquele mesmo ano, em nossa casa não havia televisão, escutávamos apenas o rádio. Talvez eu a tenha ouvido mais tarde, já com uns dezoito anos, ficando adulto e tomando ares de gente grande e dono do meu nariz. O fato é que Travessia inaugura o meu autorretrato.

A mesma coisa aconteceu com Sem Lenço Nem Documento, de Caetano Veloso, lançada em mil novecentos e sessenta e oito. A música tocou tão fundo em minha alma, que deixei crescer os cabelos anelados, formando cachos como os cabelos de Caetano. Meu retrato quando jovem tem uma base concreta nessas duas músicas. Ao mesmo tempo, apareceram os Beatles em minha vida, bem como Pink Floyd. Comecei a desenhar meu autorretrato com o rock’n roll progressivo. Na lista dessa época se encaixam também Genesis, Jethro Tull, e outros.

A fase rock’n roll seguiu bem variada, mas nunca tão auspiciosa quanto a que me ligou à música brasileira, conhecida como MPB e Moda de Viola, ou caipira raiz. Ênfase total ao Clube da Esquina, talvez por proximidade, ou por estar ambientado nos locais onde essas músicas foram compostas e eram tocadas. E isso ficou muito forte quando morei no interior de São Paulo. Como a música mineira me fez falta e como eu me virava, comprando discos, para estar antenado com o que aqui se produzia.

Tornei-me íntimo, musicalmente, de Milton Nascimento, Nivaldo Ornelas, Lô Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso, Tavinho Moura, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, e tantos outros que vieram depois. É como se a música mineira, tanto a urbana quanto a caipira, falassem por mim e expressasse meus sentimentos melhor que eu mesmo.

Fui aprendendo a gostar de músicas do mundo, mas sempre com o olhar daqui pra lá, mesmo quando morei no exterior. A música de um povo reflete a sua diversidade, sua cultura. Eu, no entanto, a miro sempre com meu olhar de mineiro do interior, mas um interior próximo à capital, transitando entre os dois lugares, e entre esse lugar, Minas, e o resto do mundo. Aprendi a gostar de jazz, de blues, da chanson française, da música árabe muito tocada na periferia de Paris e dos batuques dos pretos, samba entre eles.

Entre os compositores mais modernos, os jovens compositores de hoje, tenho dificuldades de assimilá-los rapidamente. Creio que seja uma questão de idade. Uma pessoa idosa, como eu, não se acostuma rapidamente com o funk, embora eu reconheça que ela representa a cultura de um nicho da população. Até já gosto do Rapp, principalmente aqueles de letras bem elaboradas e poéticas.

No entanto, devo confessar: meu autorretrato ainda tem como trilha principal as duas primeiras músicas que citei lá no começo da crônica. Travessia, de Milton Nascimento, e Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, ainda definem minha personalidade com boa dose de precisão. Com uma pausa no meio do caminho para outras três: Metáfora, de Gilberto Gil, Cálice e Cio da Terra, ambas composições de Chico Buarque e Milton Nascimento. Não me estranha fato de três dessas músicas que compõem meu autorretrato são de Milton Nascimento. Sua carreira musical se confunde com boa parte de minha história de vida. Viva Bituca!

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

PRAZERES DE UMA PESSOA IDOSA

Este é meu assunto predileto. Embora não tenha dados factuais (preciso fazer uma pesquisa bibliográfica sobre o tema) para falar em nome da pessoa idosa, minha leitura e conversas com as pessoas me permite escrever uma crônica pessoal sobre o prazer. Sou uma pessoa idosa que ama a vida e seus prazeres. Principalmente os pequenos prazeres.

São inúmeras as fontes de prazer de meu dia a dia. Sempre as descobrimos, as possibilidades são infinitas. Novidades surgem dependendo de circunstâncias e contextos. Cito, então, as atuais, considerando que minha lista não apresenta nenhum ordenamento de qualidade e intensidade. São apenas fontes de prazer. Uma delas, uma das mais importantes, devo ressaltar, é entrar com Platão na caverna da felicidade. São os melhores momentos dos últimos tempos, principalmente se considerarmos o atual estágio das relações humanas em decorrência da pandemia que ainda existe, embora muitos insistem em não a reconhecer.

Depois seguem outros prazeres, alguns minúsculos, outros nem tanto. O primeiro gole de cerveja depois de uma acalorada atividade física, tomando a decisão de uma cachacinha antes para servir de guia. É um minúsculo prazer pela durabilidade da ação, mas enorme na sensação que tal ação acalenta. Não sou alcoólatra, sei dos perigos da bebida e tenho absoluto controle sobre o uso do copo.

Um grande prazer é ouvir aquela música que marcou uma época intensa em minha vida. Aí são muitas. Sou do tempo do Rock’n Roll progressivo e algumas pegadas do rock pauleira, mas também do Clube da Esquina, e do caipira de raiz. Aprendi a gostar de jazz e blues e samba. E a música popular brasileira de qualidade tem seu lugar em minha alma. Todas essas variações de músicas precisam ter uma coisa em comum: a qualidade.

Outro prazer indescritível é fazer uma longa caminhada e ter uma bela cachoeira me esperando no fim da trilha. Mesmo sabendo da volta, o percurso traz sempre essa espera do fim da trilha. Uma maravilha. Em vez de uma caminhada, melhor ainda se for uma pedalada. Adoro uma bicicleta. Pedalar no fim de tarde dá um prazer danado.

Não posso esquecer também do prazer da cozinha, não só de preparar um prato delicioso como ouvir as exclamações de satisfação dos comensais. Com um licor de sobremesa, ou um champagne, tudo fica melhor ainda. Hoje divido esse prazer gastronômico com minha companheira. O tempero dela tem a malícia de sua voz ao tocar seu violão. O que me conduz a outro prazer: ouvi-la cantar e tocar.

Sou especialista em prazeres, em pequenos prazeres, principalmente. São eles que fazem toda a diferença em nossas vidas, em minha vida particularmente. A gente até acredita que a felicidade existe, mesmo sabendo, conscientemente, que ela é apenas um lampejo no cotidiano.  Não posso deixar de acrescentar uma boa leitura entre um prazer e outro, aumentando o prazer dos intervalos, das reentrâncias dos instantes. Maior ainda, é o prazer de ouvir minhas poesias sendo declamadas por terceiros. De pessoas comprando livros meus.

O maior prazer de todos, no entanto, é estar vivo para saborear todos esses momentos e dividi-los com os amigos. Agradeço a todos os orixás que me protegem, por tudo isso.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

AINDA NO TRABALHO

Nos tempos em que eu era professor era comum ouvir a pergunta: você só dá aulas ou trabalha também? Pergunta preconceituosa, lógico. Como se professor não fosse profissão e dar aulas não fosse trabalho. Às vezes eu respondia: eu não dou aulas, trabalho como vendedor. — O que você vende? — Vendo aulas de Física. Quer comprar? Haviam duas reações. Ou a pessoa entendia o ato falho e ria e se desculpava, ou ficava irritado, o que, para mim, significava ratificação do preconceito.

Hoje a pergunta é outra, com parecida carga de preconceito: ainda trabalhando, coroa? Sim, ainda trabalhando. Estou vivo e penso, logo trabalho. É minha resposta.

Realmente não é o trabalho o mais importante. É o projeto de vida que desenvolvo. A pergunta deveria ser: qual o seu projeto de vida, senhor? Tenho uma resposta clara e precisa. Todos deveriam ter. A minha é: meu projeto de vida é escrever, publicar e vender. E contar histórias. O resto vem como consequência.



terça-feira, 8 de novembro de 2022

O TÉDIO DA PESSOA IDOSA

Vejo a minha mãe, com noventa e seis anos, saúde boa, memória ruim, dores nas pernas, talvez por artroses e artrites, sentada em sua cadeira horas e horas e penso: deve ser um tédio ficar ali olhando o mundo sem fazer nada. Sem dar conta de fazer nada. Levanta com dificuldade, anda com dificuldade, e tem dificuldades de cuidar de seu próprio corpo. Felizmente ela é acompanhada o tempo todo, vinte e quatro horas por dia. Conseguimos soluções caseiras para seu conforto sem necessitar levá-la para uma casa de repouso.

Mas, e os outros tantos de pessoas idosas como ela? Todos têm o conforto do acompanhamento de alguém próximo e carinhoso? Claro que não. Então, como lidar com o tédio cotidiano de não fazer nada? O que fazer para não chegar a este ponto? Temos alguma chance de viver nossa velhice sem esse tédio? Pergunta difícil de responder, creio até que não haja respostas.

Outra pergunta: que chances tenho de viver a minha velhice sem o tédio de não dar conta de viver sozinho? Hoje o tédio não faz parte de minha vida. Trabalho, escrevo, cuido da casa, namoro minha mulher, converso com amigos, faço parte de grupos de conversa e trabalho, etc. No entanto, isto pode mudar à medida que a idade pese e chegar um momento em que não consiga mais realizar estas atividades. Como me preparar para este momento? Não juntei dinheiro para ter o conforto que merecemos todos e não tenho uma penca de filhos, como minha mãe, que se revezem nos cuidados. Não posso esperar isso dos poucos que tenho, cada um cuida de sua vida.

A saída pode estar nas relações pessoais, no entorno nosso de cada dia. Construir hoje para aproveitar depois. Cuidar da pessoa idosa é uma responsabilidade de todos, e quando dizemos de todos queremos dizer ser uma responsabilidade do Estado. Aí vem outra pergunta: podemos esperar isso do Estado brasileiro? E como o Estado deve se aparelhar para cuidar desta parte da população crescente? Quantas perguntas de difícil resposta!

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

QUEM SÃO NOSSOS HERÓIS

"Mostre-me um herói e eu lhe mostrarei uma tragédia" (Scott Fritzgerald).

No entanto, os cinemas ficam repletos nas exibições hollywoodianas dos heróis americanos. Pobre país. As tragédias americanas são muitas, por isso precisam tanto de heróis, um para cada uma de suas tragédias? A civilização ocidental alicerçou as características humanas em uma base de egoísmo, desconfiança e agressividade, como se elas fossem inatas nos seres humanos. Não são, mas eles não sabem. Prefiro pensar na dupla “paz e amor” como base da construção de nossa felicidade e viver um dia depois do outro.

Pessoas idosas também não ficam imunes às sagas dos heróis. Eu mesmo não perdi os filmes de Batman e Homem Aranha. Por duas razões. Batman é um herói que não tem superpoderes, um dos poucos. Usa sua força e habilidade física e inteligência além dos artefatos oriundos da Ciência e Tecnologia. Como físico, que sou, e professor de engenheiros, que fui, fiquei fascinado pela ideia de um paladino da justiça que inventa e usa dos artefatos tecnológicos. Já o Homem Aranha foi o primeiro dos super-heróis de revistas em quadrinhos a se mostrarem humanos com problemas emocionais como qualquer um. Criado pela tia, sentindo-se responsável pela morte do tio, com problemas de trabalho e dificuldades de relacionamento com a namorada, parece muito com jovens como eu, na época em que o conheci. Depois dele, a grande indústria cinematográfica percebeu que heróis com vidas parecidas com a nossa criam empatia imediata. E veio uma enxurrada de super-heróis complicados nas revistas e nas telas com enorme sucesso de público. Todos seguindo a velha cartilha da jornada do herói, retratada por Joseph Campbell em seu livro “O Herói de Mil Faces”, publicado em 1949.

No entanto, não podemos deixar de raciocinar em torno da frase de Scott Fritzgerald que me deu o caminho para responder à questão do título. E que respondo sob minha perspectiva, ou seja, a de uma pessoa antiga, ou “pessoa idosa” (conforme definição oficial).

Se não houvessem tragédias, não haveria necessidade de heróis. Eles surgem sempre para resolver problemas, para nos guiar nos momentos de fortes emoções, de comoção pública. Eles sempre surgem. Muitos dos heróis são improváveis, nunca se espera que exatamente aquele surja no momento oportuno. Outros são esperados, como mães e pais, bombeiros e policiais. Atualmente coloco policiais com certas ressalvas, temos visto muitos deles provocarem as tragédias nos aglomerados, favelas e logradouros pobres. Uma questão que se resolveria com políticas públicas de alcance social, sem intervenção nem de policiais, nem de heróis.

Nós, as pessoas antigas (idosas) também precisamos de heróis. Nossa presença na sociedade também é marcada por inúmeras tragédias: de abandono, de doenças evitáveis, de melancolias e nostalgias, de saudades enormes, de intolerâncias, de etarismos diversos. Devemos ainda acrescentar outras tragédias comuns também entre jovens e que se amplificam em relação às pessoas idosas. São elas as consequentes do racismo, da lgbtfobia, entre outras. Precisamos, sim, de heróis. Que eles venham com carinho, atenção, cuidado. E de máscara, somos mais vulneráveis a doenças.

domingo, 6 de novembro de 2022

A BOA HORA PARA DORMIR

Parece redundância afirmar que dormir bem faz um bem danado para a saúde. Somos metralhados com informações diárias de que precisamos dormir oito horas por noite e, simultaneamente, bombardeados com tentações midiáticas nos convidando a ficar acordados. Os melhores programas na televisão passam mais tarde, as boas conversas esticam-se até altas horas, a família quer trocar ideias justo na hora do sono, as informações dos grupos de WhatsApp ficam mais interessantes à noite. Ou é hora daquele silêncio gostoso que não se fez o dia inteiro. Como resistir?

Eu, particularmente, não sou um bom exemplo de pessoa obediente, aquele que passa oito horas na cama todas as noites. Não consigo. Faz parte de meu histórico de vida. Acostumei com as seis horas de sono desde jovem. Primeiro, porque trabalhava muito. Desde criança. Com a casa cheia, muitos irmãos dormindo no mesmo quarto, cada um com horário biológico diferente, dormir oito horas era um privilégio de poucos.

Aos quinze anos comecei a estudar à noite, horário possível para fazer o Ensino Médio (com outro nome na época). Aula até dez e trinta, quarenta minutos de caminhada até em casa, lanche, banho e cama. Ou seja, dormir, só à meia-noite. Seis da manhã os manos acordavam para ir à escola e eu tinha um dia de trabalho na lavoura para ter comida farta à mesa, pois a família era grande. Sem direito à insônia, nem ao cochilo após o almoço.

Resumindo: penso que nunca dormi oito horas por noite. Nem hoje, quando sou o dono de meu próprio tempo. No entanto, não me sinto prejudicado por isso. Acordo feliz e satisfeito, animado, faço meu café e escrevo. É a melhor hora do dia para escrever produtivamente. A rua é silenciosa, as galinhas do vizinho me acordam e depois ficam em silêncio, os vizinhos são silenciosos e o sino da igreja ainda não badalou a essa hora. A temperatura está amena, com o sol brilhando ainda foscamente. Como não aproveitar esse momento de calma e solidão?

Apesar dos apelos colocados acima, não vou para a cama tão tarde. Não gosto de ver TV (só quando tem jogo do Galo), apago cedo a tela do computador, desligo o telefone portátil e pego um livro para ler. Fecho o livro quando a Madame Ventura chega à cama, porque aí, meu amigo, tenho alguns momentos de puro prazer. A idade ainda não apagou minha libido. Continuo dormindo entre onze horas e meia-noite. Às seis horas da matina acordo, às seis e meia já estou na cozinha fazendo o café, após mandar o cão e o gato para o quintal. Café pronto, primeiro gole na goela, assumo a posição em que estou agora (sentado á frente do computador). Madame Ventura acorda e vamos para a mesa do café (geralmente já com a crônica escrita). Aí o dia começa.

Faço tudo que os especialistas em sono afirmam que deve ser feito pelo cidadão saudável para viver bem e dormir bem quando a noite voltar: meditação, atividade física, boa alimentação (leve e rica), bons hábitos, nunca fumei, só uma cachacinha antes do almoço ou da janta, música nos ouvidos, vida sem estresse, conversa com os amigos, trabalho e diversão na medida certa. E agradeço muito ao universo por todas essas possibilidades. Recomendo a todos, principalmente às pessoas antigas, que sigam esse menu de boas ações para dormir bem e ter boa noite de sono.

Alguns dias atrás fiquei bem satisfeito quando um desses especialistas em sono afirmou, em um canal da Internet, que seis horas dormindo é o tempo mínimo para um bom sono. Então, estou na margem de boas práticas para ter uma vida saudável. Não estou tão fora da regra, como pensava antes.

Então, durmam bem, cada um dentro de suas possibilidades.

sábado, 5 de novembro de 2022

MUDAR OU PERMANECER

Nada deveria permanecer como está durante muito tempo. Mudanças ocorrem e são necessárias para nossa sobrevivência. Gosto de mudanças. Eu não quero estar no mesmo lugar, nem fisicamente, nem emocionalmente. Quero estar sempre em evolução.

Curiosamente escrevi isso dois anos atrás ao responder a mesma pergunta do título. Depois disso mudei de endereço, mudei as posições dos móveis, agora tenho uma pequena horta, mudei a cama de dormir do cão e do gato de lugar, tenho amigos novos, etc., mas o que mudou de fato em minha vida? Escrevi e publiquei um livro novo, editei um livro para outra pessoa, faço parte de novos grupos de redes sociais, escrevo para pessoas antigas no planeta, entre outras mudanças.

A pergunta que continua é: quanto eu me mudei? Se é para ter uma resposta pronta, ela deve ser: quase nada. As pequenas mudanças são sutis. Estou dois anos mais velho, o que significa que estou mais perto de minha partida deste mundo. Mas, não se iludam, as pessoas não mudam só porque envelhecem. Aquele sujeito chato que você conheceu trinta anos atrás, pode só estar trinta anos mais velho. Muito provavelmente continua chato. Talvez até mais que antes. Depende de como ele reage às voltas dos ponteiros do relógio analógico que ainda usa. Eu também continuo um chato.

Eu gostaria muito de ter mudado durante os anos. No entanto, o desejo de mudança sempre esbarra no choque de realismo que tomamos na trajetória. Mudanças requerem energia e dinheiro. Até onde temos reservas desses dois ingredientes básicos para promover todas as mudanças que gostaríamos? Poucas pessoas têm. Logo, mudar ou permanecer não se constitui um dilema tão grande. Muda quem quer e pode, permanece a maioria.

A grande mudança que fiz neste ano foi voltar a residir na cidade onde cresci entre os quatro e vinte anos. Fui para o mundo estudar, trabalhar e amadurecer. Continuei visitando a cidade, pois minha família ainda morava no mesmo lugar. Vi pouco os antigos amigos até perder o contato com a maioria deles. Ao retornar à cidade quarenta e oito anos depois, encontrei alguns conhecidos e antigos amigos. Todas pessoas antigas, como eu. Alguns de meus novos vizinhos continuam residindo no mesmo endereço, tantos anos depois. Uma delas me afirmou que reside na mesma casa há sessenta e três anos. Não se casou, não teve filhos, apenas ficou. No mesmo endereço. Não consigo pensar como é possível não ter a sensação de viver em outro lugar, pelo menos por uns tempos. Que mudanças na vida essa pessoa poderia ter feito? E quais mudanças ela viveu de fato? Ou será que é assim mesmo e as pessoas não foram feitas para mudar? Ela não me parece infeliz.

Mudar ou permanecer como está? Não faço a menor ideia de qual seria a resposta. Mudar e permanecer podem não ser verbos antagônicos. Talvez mudar um pouco para não correr o risco da impermanência final. O importante é permanecer vivo, cada qual a seu jeito. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

HOJE EU FIZ...

Início de mês é sempre difícil para todo mundo, mais difícil se torna para uma pessoa antiga (chamo de pessoa antiga às pessoas vivas que estão há mais de sessenta anos neste planeta, nesta vida). Principalmente para a pessoa antiga que, felizmente, ainda depende de si mesma para viver. De um lado, sua autonomia é uma dádiva. O outro lado é a ginástica financeira para pagar as contas, uma vez que o valor delas sempre aumenta e o da aposentadoria sempre diminui. Há solução para isso?

Sim, há solução para isso, sempre há. Soluções difíceis, no entanto. Uma delas seria a união das pessoas em uma comunidade. Viver junto e dividir as funções, as tarefas, cada um e cada uma contribuindo com o que sabe, com o que fez a vida inteira trabalhando. Mas quem nunca viveu em comunidade, quem nunca dividiu, a não ser com parentes e pessoas bem próximas, se daria esta tarefa de fazê-lo agora que é pessoa antiga? Será que as pessoas antigas estão disponíveis para deixar de lado suas chatices e ranzinzices e trabalhar em prol de bens comuns a todos?

O que fiz hoje, além de me organizar para pagar as contas do mês, foi pensar nessas questões de sobrevivência da humanidade e das possibilidades de vida em comunidade organizada e dirigida pelas pessoas antigas. Elas como protagonistas. E não como pessoas esquecidas nos asilos e casas de repouso. Será que estava sonhando?

Evidente que estou pensando em mim também. Sinto que minha inadimplência financeira se aproxima e terei que tomar decisões drásticas para resolvê-la ou, pelo menos, administrá-la. Por enquanto ainda posso me dedicar ao trabalho. Até quando? O trabalho sempre depende da memória, um artigo que começa a faltar às pessoas antigas com a minha idade. Ontem, ao escrever um poema, tentei me lembrar do nome de uma ave noturna muito conhecida. Eu já tive uma população dela em meu sótão. Tive que recorrer à memória de minha companheira para lembrar. Qual ave? O morcego. Tirei o morcego do poema, vejam só!

Ainda bem que o morcego não reclamou. Imagino que eles não estão habituados em aparecer em poemas, como o sabiá, o canário, o rouxinol, aves cantantes. Até a cambaxirra já apareceu em um poema de minha autoria. A cambaxirra é uma ave desprovida de penas coloridas e outras belezas, mas canta como poucas de nossa região.

Assim passo os dias: pensando em soluções para meus problemas e imaginando que muitas pessoas, principalmente as antigas, têm problemas comuns. E resolvendo os meus poderia estar ajudando muitas outras também a resolverem seus problemas. Tenho uma oportunidade: como escrevo, preciso encontrar um tema que venda, que pessoas se interessem e leiam. Preciso escrever aquele livro que irá emocionar as pessoas e elas indiquem umas às outras para que comprem. Estou neste ponto. Alguém tem alguma sugestão?

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A ÚLTIMA VEZ QUE SEGUREI UM BEBÊ

Quando a gente envelhece, bebês passam a ser criaturas exóticas, daquelas que a gente olha e mantém distância. Por várias razões: em primeiro lugar, não confiamos tanto mais em nossa capacidade de segurar um ser tão frágil em nossas mãos trêmulas; e aquele ser tão delicado é, em si, um símbolo. Um símbolo de renovação da vida, nossa continuação como espécie no planeta, enquanto nós, os antigos, estamos indo embora. A qualquer momento o mundo irá sussurrar em nossos ouvidos e, mesmo quase surdos, ouviremos que nossa hora é chegada, nosso tempo nesta vida está escoando rapidamente pelas ampulhetas.

Escrevendo o parágrafo anterior encontrei uma expressão mais simpática para nos referirmos a nós mesmos: somos os seres antigos. Os antigos habitantes do planeta. Melhor que idoso, que cidadão de terceira idade, que velho, ou outra expressão usual.

Voltando à narrativa iniciada no primeiro parágrafo, hoje em dia se instalam conselhos e centros de referência da pessoa idosa por todo lado. Vejo isso com enorme desconfiança. Aliás, com várias desconfianças. É muito bom termos um local onde as pessoas antigas possam se encontrar e serem tratados com dignidade, obviamente. O poder público criou e referendou um estatuto da pessoa antiga, assim com um estatuto das pessoas novatas no planeta. Por que? Por que estatutos são necessários para as pessoas novatas e outro para as antigas? Cuidar dessas pessoas com o devido respeito não seria uma obrigação dos demais? Os que contribuirão no futuro com seu trabalho e os que já trabalharam para a manutenção do mundo?

Não sei se nós, os antigos, somos tão merecedores de admiração. O mundo que estamos deixando para os novatos não se encontra com a qualidade que gostaríamos. Precisam de estatutos. Os recursos naturais se escasseiam com rapidez, não fomos tão responsáveis. Por isso penso que não somos merecedores de admiração, nem todos. Somos merecedores, no entanto, de respeito e atenção. O reconhecimento de nossos erros já é uma maneira de mostrarmos que há caminhos diferentes. Aprende-se muito nos fracassos, não é o que dizem? E como fracassamos! Mas quem nos ouve? Os conselhos da pessoa antiga não estão sendo criados para nos ouvir. A impressão que tenho é que eles são criados para nos entreterem apenas. São dirigidos por pessoas jovens, algumas maduras, outras nem tanto. Pessoas que precisam mostrar suas competências no mundo competitivo de hoje. Mas tudo que queremos é sermos ouvidos, é sermos participantes, sermos contribuintes do processo.

Nesta semana recebi minha neta e meu neto em minha casa. Não são mais bebês, têm dez e oito anos, passaram aquela fase em que são tão dependentes e começam a se tornar meio donos de suas vontades. Uma fase ótima. Sim, eu os segurei, e muito, quando bebês. Carreguei-os no colo. Hoje brincamos e conversamos com vô e netos brincam. Ainda os coloco no colo, mas a conversa já é outra. Ainda, no entanto, com muitos sorrisos e carinhos. E muito respeito pelo que eles podem construir no mundo. Respeito pelo futuro que eles representam. É um encontro no mundo paralelo que podemos criar juntos: os antigos, como eu f os novatos, como eles.

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...