sábado, 31 de dezembro de 2022

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA —O selo da história


Vô Ventura tem cada história! Ele teve uma amiga, com mais de cem anos, que sempre o recebia com um beijo nos lábios, tipo selinho. E provocava a maior ciumeira nas filhas dela. Quando foi hospitalizada, já no fim da vida (faleceu com cento e quatro anos), não reconhecia mais ninguém. Mas ao receber a visita do Vô Ventura, ela o chamou pelo nome e pediu um selinho. Esse meu vô é um cara incrível. Com quem mais acontece casos assim?


sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA — Flamenco à beira da piscina

Todas as pessoas guardam um segredo, um sonho, um desejo dentro de si. Às vezes eles são públicos, outras vezes são tão bem guardados que ninguém fica sabendo. Vô Ventura conhecia aquela mulher havia muitos anos e nunca imaginou que ela dançasse flamenco. Só ficou sabendo porque a ouviu conversando em espanhol, à beira de uma piscina, com uma amiga. Ficou a imaginar sua amiga vestida como uma Carmen cheia de charme e sedução dançando na pista ao som de uma guitarra. Guardou segredo também. Nunca contou a ninguém, nem sobre a dança da amiga, nem sobre o que imaginou naquele momento.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O ABRAÇO DO REI



Eu pensava que ele era enorme. No imaginário de um futebolista amador, amante incondicional de uma boa partida e do único esporte que praticou exclusivamente até os cinquenta anos, ele era, de fato, enorme. Único tricampeão do mundo, mais de mil e duzentos gols pelos gramados, recordista de gols com a camisa da seleção brasileira, era ou não era um gigante?

Mas o tamanho a que me referia acima era físico. Um imaginário que se dissolveu quando o vi em minha frente e ganhei dele um abraço. O abraço do Rei. Em que circunstâncias? É o que relato a seguir.

O ano era mil novecentos e noventa e oito, ano da Copa do Mundo na França e eu residia em uma cidade próxima a Versalhes, chamada Montigny-le-bretonneux. Estava de passagem pelo país e cursava o Doutorado em Divulgação e História da Ciências, na Universidade de Paris XI, em Orsay.

Um amigo brasileiro, antigo lutador de judô da cidade de Florianópolis, vivia na cidade da periferia de Paris chamada Kremlin-Bicêtre. A gente se encontrava de vez em quando em Paris para tomar uma cerveja e nos visitávamos ocasionalmente. Nossas companheiras e nossos filhos também se tornaram amigos. Como amigos brasileiros vivendo temporariamente na França eram raros, nossa amizade floresceu.

Um belo dia, com a Copa se aproximando, meu amigo me informa que o Joãozinho Trinta, ele mesmo, o carnavalesco premiado da Beija Flor do Rio de Janeiro, estava ajuntando pessoas para participar de um desfile carnavalesco pelas ruas de Paris durante a Copa. E o galpão da “Escola de Samba” improvisada era bem próximo à sua casa. Lá fui eu conhecer o galpão, conhecer o Joãozinho Trinta e me apresentar como sambista voluntário para o evento.

Chegando ao galpão, nos apresentamos (meu amigo já havia se apresentado), conversamos com as pessoas, participamos de alguns ensaios, pegamos as roupas com as quais desfilaríamos e ficamos por ali, de papo com os instrumentistas, esses sim, profissionais do samba levados do Brasil. E adivinhem quem chegou? Ele, o Rei Pelé, com sua presença marcante, seu sorriso e sua disponibilidade para o abraço. Foi então que ganhei o abraço do Rei, depois de algumas trocas de palavras.

Outro presente que ganhamos, eu e meu amigo catarinense residente em Florianópolis, foi o mais inusitado possível, não imaginado. Ganhamos a incumbência de desfilar ao lado da Globeleza, aquela bailarina que fazia um bailado nas aberturas dos carnavais na televisão, totalmente nua e com o corpo cheio de pinturas. Nosso papel era de guarda-costas dela, nós que éramos grandes e com caras respeitáveis.

O desfile da Escola de Samba foi no Jardin des Tuileries, entre o Museu do Louvre e a Place de La Concorde, no coração de Paris. Além da participação no desfile, algo inédito em minha vida, guardo esses dois presentes para minha memória e para minhas histórias. Ganhei um abraço do Rei e fui, durante umas três horas, guarda-costas da Globeleza, de quem ganhei também, lógico, um abraço. Só que ela já estava vestida.


AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA — A Bola de Luto

Vô Ventura está de luto. Lá se foi o gênio da bola. Encantou-se, aquele que encantou o mundo com uma bola aos pés, a quem tratava de rainha. Apesar das controvérsias em sua vida pessoal, apesar de não ter assumido a postura de líder negro mundial, como poderia ter sido, ele colocou o Brasil no mapa do futebol. — “Pelé calado é um poeta”, disse outro gênio da bola que, infelizmente, fez pior. Posou de fascista ao lado do genocida mor brasileiro.  — Por quê, então, o luto, Vô Ventura? — Quem, neste país, não quis ser um Pelé em sua arte? Diga-me, quem?

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA — O Sentido do Mural

Na sala de Vô Ventura existe um mural pintado na parede. Quis imortalizar também os amigos que, como ele, têm a grande contista Lygia Fagundes Telles como preceptora. Mandou pintar caricaturas de seus amigos, e dele também, no mural. Lá estão Ric Senna da Possante, Elisa Musa da Filô, Pati Gaúcha da Gema, Leo Gerente do Paraíso, Ciça Chanteuse e Lerinha do Violão. E entrou de penetra outro amigo: o Pierre Conta Contos, tutelado por Manoel de Barros. Faz sentido isso? Talvez não, mas faz sentido total para ele. Imortais como Lygia, Manoel e Pelé que, segundo Romário, era poeta da bola, mesmo calado.

(Nota Preceptor é aquele que dá preceitos ou instruções; educador, mentor, instrutor.)

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA — Asa ou Bigode

— Vou deixar meus bigodes crescerem.

— Por que, Vô? Você fica bem sem eles.

— Porque se eles crescerem muito, olhando de longe, as pessoas irão pensar que tenho asas. Asas brancas. Pelo menos alguns imaginarão que sou um anjo, em vez de um diabo velho.

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – Lava de terno

Vô Ventura não era mais um jovem mancebo, claro. Chegando aos setenta, a idade começava a pesar em seus ombros. Nos ombros e nas pernas, lógico. Dores nos joelhos, ocasionalmente, eram motivo de suas preocupações, mesmo sem ser um reclamão. Mas, como ele mesmo dizia, ainda havia uma lava de vulcão escorrendo de seu peito.
— Não tem vulcão no Brasil, vô. — Dentro de mim, tem um.

E quando o seu vulcão interno entrava em erupção, ele vestia seu terno riscadinho e ia dar um passeio. Ele dizia que seu terno riscadinho não o decepcionava. Era hora dele vaguear pelas avenidas e ser notado. Voltava feliz. 

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – Poster de Cinzeiros

Vô Ventura não fuma. Mesmo assim sempre ganha cinzeiros de presente nos aniversários, natais, dia dos pais, dia dos avôs. Provavelmente devido à grande e belíssima foto de um cinzeiro especial em sua sala. Vai entender, né? Foi então que ele teve a ideia. Montou um arranjo de cinzeiros diferentes, fotografou e confeccionou um belo pôster com os dizeres: esta é uma casa de pessoas saudáveis, não se fuma nela.

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – Fazendo Pose com o Chicote

Vô Ventura ganhou um chicote de presente de Natal, de um amigo oculto que, sendo oculto, não se revelou. Não entendeu, já que cavalgar não é seu forte. Há anos não cavalga nenhum equino. Mas, a presente dado não se faz de rogado. Ficou fazendo poses com o chicote e foi logo se lembrando da Tiazinha, uma atriz que, nos anos noventa, fez sucesso com pouca roupa e um chicote nas mãos, alimentando sonhos eróticos de marmanjos. Foi então que Madame Ventura lhe tomou o chicote das mãos e também fez pose correndo atrás do Vô Ventura para lhe dar umas chicotadas.

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – A Mascote e a Centelha

Festas natalinas e lá vai o Vô Ventura com sua mascote: Mia Couto em pessoa, ou melhor, em gato, o acompanha. Os dois caminham todos pimpões pela praça iluminada olhando as luzes e enfeites das ruas. Olhando as pessoas também, claro. Muita gente fazendo o mesmo. De repente, alguém acende uma centelha e solta um rojão, desses bem barulhentos e formando figurinhas no ar. A mascote, o gato Mia Couto, tomou um susto, deu um pulo enorme e se soltou dos braços de Vô Ventura. Além de ter os braços arranhados, sua mascote só apareceu em casa dois dias depois, ainda com cara de assustado. Também, quem mandou sair à rua com um gato nos braços?

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – Um Malabarista nas Caravelas

Vô Ventura conta aos netos, e a quem quiser ouvir, que foi malabarista na caravela de Cabral. Que ajudou a Pero Vaz de Caminha a escrever sua Carta ao rei de Portugal. Caminha cometia alguns erros de português, ele dizia. Afinal, ele chamava os chocalhos dos indígenas de cascavel! Onde já se viu isso? E o que ele fazia em uma caravela que se desvia do caminho? Como malabarista, ele entretinha os marinheiros que ameaçavam pular no mar por acharem que o desvio de rota os levaria ao fim do mundo. Os marinheiros tinham razão. Não é que vieram parar no Brasil?

AS AVENTURAS DE VÔ VENTURA – Modelos e Histórias

Vô Ventura é um bardo bem-humorado. Um senhor aposentado que passa os dias contando histórias para os amigos das praças e das ruas. Ele, no entanto, não é nenhum modelo de cidadão bem-comportado. Adora provocar as pessoas. Provocou ninguém menos que a Mamãe Noel. Claro que tomou uma tunda da qual não esquecerá mais. Papai Noel o levou para um passeio de trenó e ficou fazendo piruetas no ar. Vô Ventura viu a vó atrás do toco, ou melhor, das nuvens. Um susto atrás do outro. Estava pálido e branco quando aterrissaram.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

MINHAS CIDADES PREFERIDAS

Já residi em muitas cidades diferentes na vida, sou um campeão de mudanças. Descreverei, nesta narrativa, as cidades onde vivi e aquelas às quais visitei. Algumas delas claro. Isso porque, desde os meus cinco anos, já habitei em sete cidades diferentes no Brasil e três na França. Nestas dez cidades tive trinta e um endereços diferentes. Muitas mudanças realizadas em sessenta e cinco anos, uma média de mais ou menos dois anos em cada endereço.

Só que, antes dos cinco anos, minha família morou em várias outras cidades. Meu pai trabalhou em uma empresa de construção de estradas e, aonde ia o trator, seguíamos atrás. Foram, no mínimo, seis cidades diferentes. Ou melhor, seis periferias de cidades diferentes. Moramos sempre próximo das estradas, fora das cidades. Não me lembro delas, a distância no tempo é longa, eu era muito criança, as memórias são apenas fragmentos de momentos vividos.

Entre as sete cidades brasileiras onde residi por uns tempos estão: Nova Lima, Belo Horizonte, Viçosa, São João del Rei e Jaboticatubas (Serra do Cipó, na verdade), essas em Minas Gerais. São Carlos e São Paulo no estado de São Paulo. As três cidades francesas onde morei se chamam Montigny le Bretonneux, Massy e Sainte Geneviève sur Boi. De todas essas, as que mais gostei de morar foram Belo Horizonte, Serra do Cipó, São Paulo e Sainte Genéviève sur Boi.

Por que nessas cidades? Não sei dizer ao certo. Creio que por ser onde me senti melhor na vida, mais feliz. Hoje vivo em Nova Lima, de novo, e sou bem feliz aqui. Voltar para esta cidade foi uma escolha ao mesmo tempo racional e emocional. Aqui vivi minha infância e juventude, aqui voltei para viver a maturidade. Foi uma boa escolha. Mas não quero ficar aqui muito tempo. Gostaria de estar em outro lugar, provavelmente em uma cidade pequena beira-mar.

E as cidades por mim visitadas, a passeio ou a trabalho? No Brasil, conheço cidades de vinte e um estados diferentes, impossível contá-las. Conheço quatro países sul-americanos, mais os Estados Unidos. Na Europa, além de viver na França, conheci Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Bélgica, Suíça, Luxemburgo e Andorra.

Mas o título da narrativa sugere que contarei sobre minhas cidades preferidas, não todas por onde andei. Imagino, hoje, que entre as preferidas estejam aquela para onde vou depois de tantas andanças pela vida. Ou, quem sabe, ainda conhecerei aquela que me conquistará definitivamente?

Entre as cidades onde morei escolho Nova Lima, pela história; Serra do Cipó, pelos bons momentos que lá vivi; São Paulo, que me conquistou com sua grandeza e oportunidades diversas. Entre as cidades visitadas em diversos momentos de minha vida, tenho várias opções. Segue uma lista bem diversa em suas ofertas e opções.

Paris, pela beleza e riqueza cultural; Roma, por movimentar meus prazeres; Londres, por ser uma cidade incrível; qualquer cidade nos Alpes da França ou Itália, por ser onde eu me senti tão mineiro em país estrangeiro; ou, ainda, em algum lugar da Patagônia.

Não tenho, entretanto, intenções de viver em país estrangeiro. Minha escolha de cidade preferida, aqui faço opções de futuro, está naquela onde sinto que poderei viver muito bem minha velhice. Não é um sorteio, penso em junção de facilidades de cuidados a uma pessoa idosa e prazer em viver em um local bonito, de bom clima e com pessoas agradáveis. Minhas cidades preferidas para onde ir viver são: Paraty, no Rio de Janeiro; Ubatuba, em São Paulo; Aracaju, em Sergipe; Serra do Cipó, em Minas Gerais. Se irei para alguma delas não sei. Mas que seria ótimo estar em algum lugar onde eu possa sonhar e escrever, isso seria.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

OS ARREPENDIMENTOS DO VOVÔ

Será que alguém chega aos setenta anos e nunca se arrependeu de nada? Sei não! Se alguém afirma isso, penso que posso chamá-lo de mentiroso. Arrepender-se faz parte da vida. Existem dois tipos de arrependimento: por alguma merda que tenha feito, ou por alguma cosia que gostaria de ter feito e não o fez. Qual é pior? Nem sei. Arrependimentos, melhor não os ter.

Minha primeira consideração é que arrependimentos são sempre por alguma coisa do passado. Ou seja, o assunto provocador do mesmo ficou lá atrás. Não volta mais. Então, cara pessoa idosa, o melhor a fazer é acertar suas contas com o passado e não pensar mais nisso. Quem vive com a cabeça no passado está sujeito a uma doença arrasadora, e com possibilidades de trágicos desfechos, chamada depressão. Só quem já a teve ou lida com pessoas queridas deprimidas sabe o que é.

Se você fez alguma coisa que hoje pensa que não deveria ter feito, vá até às pessoas a quem prejudicou e peça desculpas. Peça perdão e perdoe-se. Se pegou algo de outro sem permissão, devolva. Acerte as contas deixadas para trás e fique com a sensação de que fez o melhor que pode. As pessoas fazem o melhor que podem no momento, em geral. Pessoas maldosas são minoritárias no mundo. A maioria delas são boas. Acredito nisso.

Mesmo tendo isso como princípio, a gente sempre tem arrependimentos por alguma coisa. Será que cuidei bem de meus filhos e das pessoas em volta de mim? Fui bom filho? Assisti adequadamente a meus pais em suas velhices? Aquela pessoa a quem destratei ainda tem mágoa de mim? Fiz o certo quando resolvi mudar de vida e de cidade? A lista pode ser grande.

O que importa é que ante todas essas mudanças e acontecimentos do passado uma decisão foi tomada. E, muito provavelmente, foi a decisão possível na ocasião e que você pensava ser a melhor no momento. Lembre-se, a pessoa que você é hoje resulta de todas essas decisões tomadas antes. Não há como fugir disso.

O que fazer, então? Apenas ser, hoje, a melhor pessoa que você possa ser. Seu futuro depende mais disso que de seu passado. Isso inclui cuidar de si e das pessoas de seu entorno. Cuidar de si, é fundamental para seu futuro. Para ter saúde, para ter sempre amigos e amados por perto, para que não lhe falte cuidados quando deles precisar. Porque vidas idosas importam.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A CHAVE DOS DESEJOS

Desejos? Quem não os tem? Se você pensa que as pessoas idosas não têm mais desejos, está errado. As pessoas vivas têm desejos. Tanto quanto os jovens. O que lhes faltam, talvez, seja os meios de execução. E um pouco de coragem. Falta de coragem, no entanto, não é exclusividade das pessoas idosas. Quantos jovens conhecemos a quem lhes falta coragem principalmente para realizar mudanças. Por que mudanças são tão difíceis de enfrentar?

As pessoas idosas são as mais resistentes às mudanças? Não tenho competência técnica para me aprofundar na questão, mas a gente vê como as dificuldades de enfrentar o diferente e as mudanças são tão grandes. Talvez seja uma questão a ser aprendida ao longo da vida. Porque mudanças acontecem, queiramos ou não. Durante a minha vida, que já chega a sete décadas, tive que me adaptar a novas realidades, sempre. Mudanças de emprego, por procurar melhores condições de trabalho, o que levava a mudanças de endereço, foram uma constante em minha vida.

Desde minha saída da casa de meus pais, aos vinte anos, já residi em nove cidades diferentes, seis no Brasil e três na França. Se mudo a configuração, de cidades para endereços, o número chega a vinte e nove endereços diferentes em cinquenta anos. Apenas em Belo Horizonte tive catorze endereços diferentes. Sou um ser mutante, pelo menos no que se refere a endereços. Isso não é ruim nem bom, mas me forneceu diferentes experiências de vida, tornou-me adaptável a diferentes situações. Mudanças de endereço significam ter novos vizinhos, por exemplo, ter novos trajetos a seguir.

Mudar de endereço foi um desejo perseguido? Não exatamente, foram circunstanciais. O que sempre mudou, de fato, foram minhas condições financeiras, resultantes de mudanças de trabalho. Sempre procuramos as melhores situações, mas muitas vezes nos enganamos, o que também aconteceu comigo. Curiosamente, parar em algum lugar e ali esperar a minha morte não está em minha lista de desejos. A vida nômade me atrai. Logo, em minha lista de desejo está uma casa móvel, um motorhome. Só preciso convencer minha companheira a querer isso também.

Um item importante na lista de desejos das pessoas em geral, das pessoas idosas mais ainda, é o reconhecimento. Não pelo seu passado, mas pela sua experiência e sabedoria. A vida nos permitiu acumulá-las, embora alguns as tenham mais que outras. Sabedoria é uma resposta individual às experiências vividas. Sermos ouvidos é um desejo, sim. Ter nossas necessidades satisfeitas é um desejo, sim. Claro que depende da gente mesmo, de como nos apresentamos para o mundo. O que fazemos para merecê-lo? E se o merecemos, por que não o temos? Aí entra uma questão séria: das pessoas pensarem que nosso tempo passou, já demos o que tínhamos para dar, estamos na descida da montanha e que morro abaixo tudo rola. Não rola. Somos resistentes. Experimente nos derrubar e verá como ainda somos fortes.

O ponto mais importante de nossa lista de desejos está nos afetos. Sim, desejamos ser amados, respeitados e queridos. Nossa chatice nem sempre aumenta com a idade. Claro, não diminui também. Ser chato às vezes é uma necessidade para não sermos engolidos pelos sistemas. Diminuir a chatice, no entanto, é um aprendizado da vida. Ser agradável deve ser um desejo anterior a ser amado. Ter uma presença simpática e agradável e pré-requisito para ser querido. Como é possível tornar-se agradável? Cada um tem seu jeito de realizar as coisas, surpreendendo as pessoas com a generosidade, capacidade de doação e alegria. Um sorriso no rosto (e no corpo todo) conquista o coração das pessoas.

Penso que a chave para a realização de nossa lista de desejos está em nossa apresentação, ao que hoje chamamos de marca pessoal, de marketing pessoal, para usar uma linguagem contemporânea. E essa apresentação precisa ser realizada com alegria, generosidade, compaixão, empatia e agradecimento. Conhecem aquele ditado: faça pelos outros o que gostaria que fizessem por você? Funciona sempre.

 

sábado, 10 de dezembro de 2022

O BRASIL É NEGRO, MAS O ENVELHECIMENTO É BRANCO

Historicamente, as pessoas idosas negras têm uma trajetória marcada pelo racismo, machismo, discriminação por deficiências, discriminação pela idade

Pessoas idosas são todas aquelas pessoas que têm mais de sessenta anos. Essa é uma definição importante exatamente por ser simples e operacional. Ela dá uma medida precisa e isso é importante para a execução de políticas públicas para pessoas acima dessa faixa etária. O mais importante é que ela não define velhice. Este é um conceito diferente que, por não ter uma definição operacional é plena de subjetividades e pessoalidades. Outro fator importante dessa definição é o fato de não definir gênero. Pessoa idosa contempla todos os gêneros possíveis (LGBTQI+, além do Masculino e Feminino) definidos ou indefinidos. Nem cor ou raça.

Para escrever sobre vidas idosas negras preciso questionar primeiro: quem é negro no Brasil e no mundo? O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) usa o critério de autodeclaração de cor ou raça dos entrevistados seja no censo, seja na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A população consultada se declara pertencer a um dos cinco grupos étnicos: branco, negro, pardo, amarelo ou indígena. 

Os últimos dados da PNAD sobre cor e raça da população brasileira, de 2015, indicavam que 45,5% da população se autodeclarou branca, 45% se autodeclarou parda, 8,6% preta e menos de 1% se autodeclararam amarelos ou indígenas (esses dados podem ser vistos na página do PNAD/IBGE, indicada abaixo). A população brasileira aumentou, no período 2010 a 2015, de pouco mais de 201 milhões para mais de 211 milhões, sendo esses números atualizados por prospecção estatística, e os dados podem ter se modificados ligeiramente até os dias de hoje. Mesmo com possíveis modificações, a população branca é minoria no Brasil. 

A abordagem metodológica do IBGE vem sendo contestada pela UNEGRO (União dos Negros pela Igualdade) que defende uma classificação diferente, considerando negras todas as pessoas pardas e pretas. A UNEGRO aceita a classificação do IBGE por causa dos dados históricos. Mas, segundo eles, há uma resistência por parte de muitos em assumir a cor preta e preferem ser incluídos na lista de pardos, principalmente na região Sudeste.

Por mais de 100 anos o IBGE solicita a autodeclaração dos entrevistados nos cinco grupos étnicos, já colocados acima. Assumindo aqui a abordagem da UNEGRO, constata-se que a população negra no Brasil (pretos mais pardos) soma 53,6%.

Ainda usando os dados do PNAD/IBGE, a população idosa no Brasil aumenta rapidamente e atinge 31,7 milhões, ou seja, 14,7% da população, hoje estimada em 213,94 milhões de pessoas (estimativa do segundo trimestre de 2022). E entre esses quase 32 milhões de pessoas idosas, 48% são pessoas idosas negras. O que esses números querem dizer? 53,6% da população brasileira é negra, mas apenas 48% da população idosa brasileira é negra. Os negros não envelhecem? Morrem mais cedo? 

Historicamente, este grupo, o de pessoas idosas negras, tem uma trajetória marcada pelo racismo, machismo, discriminação por deficiências, discriminação pela idade (também sofrida pelas pessoas idosas brancas). Outras discriminações sofridas estão relacionadas aos locais de residência (negros são maiorias nos aglomerados e nas periferias), e dificuldades de acesso aos serviços, como de saúde pública. Isso sem falar no atendimento discriminatório às pessoas negras nos sistemas de saúde. Casos e mais casos são relatados todos os dias, relatos que se tornam públicos pela facilidade de registro através dos smartphones e divulgação nas redes sociais. 

Alguns desses relatos indicam ofensas explícitas, diagnósticos imprecisos e procedimentos desnecessários, principalmente em pacientes negras e indígenas o que as levam a evitar consultas e tratamentos. Muitos pacientes negros não recebem, por exemplo, anestesias em procedimentos ambulatoriais e odontológicos em postos de atendimento público por causa da crença de que “pessoas negras são mais resistentes à dor”. Uma crença devastadora e com resquícios de crueldade.

As iniquidades sociais, o racismo estrutural e institucional são responsáveis por um envelhecimento precoce e ruim. Nem sempre as enfermidades identificadas recebem tratamento eficaz. E ainda um outro fator importante em se tratando de pessoas idosas, em geral, e negras, em particular, é a violência sofrida no cotidiano, muitas vezes em casa mesmo. As mortes precoces de filhos e filhas (o assassinato de jovens negros e negras no Brasil é um crime coletivo mais grave que em situações de guerra em outros países) levam à solidão e à falta de uma rede de apoio e de afeto. 

O doutor em epidemiologia e servidor público da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e Professor Universitário, Roudom Ferreira Moura, após pesquisa sobre a vida e a saúde de pessoas negras na cidade de São Paulo, afirmou em reportagem ao jornal da USP, que “O Brasil é negro, mas o envelhecimento é branco”, situação piorada nos períodos de sindemia que estamos vivendo.

No domingo, 13 de novembro de 2022, assistimos a um concerto de despedida da pessoa idosa negra Milton Nascimento, 80 anos. Um gênio da música brasileira reverenciado no mundo inteiro. E qual a origem deste gênio? Milton é filho de uma mãe negra e solteira, que morreu muito jovem, e de pai desconhecido, ficando aos cuidados da avó materna. Sua avó, não tendo condições de criá-lo o entrega a uma família para a qual ela trabalhava como empregada doméstica. Sua mãe adotiva, que tocava piano, foi quem o iniciou na música e na carreira musical, culminando na criação de todas as maravilhosas músicas que registram tão bem a alma do povo, principalmente o mineiro. 

A democracia é definida como a forma de governo que trata as pessoas diferentes de formas diferentes, permitindo que todos tenhamos oportunidades iguais. E as pessoas, jovens e idosas, brancas, negras, amarelas e indígenas, tendo oportunidades iguais, conseguem construir riquezas. 

Precisamos, portanto, não apenas no mês de novembro por causa da celebração do Dia da Consciência Negra, resgatar nossa ancestralidade e o respeito e admiração às pessoas idosas negras tão enaltecidas em nossa cultura. Esta cultura afro-brasileira não pode ser perdida em uma sociedade onde impera o capitalismo selvagem e com riscos de virada ao fascismo. 

(*) Eu, Paulo Cezar Santos Ventura, escritor e professor, Licenciado e Mestre em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e Informação pela Université de Bourgogne, França, hoje uma pessoa idosa negra, estou a escrever esse texto porque tive oportunidades e soube aproveitar muitas delas. Peço respeito às Pessoas Idosas Negras. Nossas vidas também importam. E-mail:  pcventura@gmail.com. Instagram: @paulocezarsventura

O FUTURO DO VOVÔ

 

Envelhecer bem é saber conviver com o aumento de nossa ignorância.

— Ainda pensa no futuro, vovô?

— Quando ele chegar, eu pensarei.

— Vovô, você não tem mais tanto futuro, então por que não pensar em ter um amanhã melhor?

— Meu neto querido, eu posso estar morto amanhã. Por isso, tenho que viver o hoje, pensar o hoje, curtir o hoje e agradecer por ainda existir hoje.

Um diálogo como esse sempre acontece envolvendo os mais velhos. Nós que trabalhamos muitos anos de nossa vida, até a chegada da mísera aposentadoria que não paga o nosso tempo de ocupação, mas geralmente é o que nos sobra para a sobrevivência, não temos que responder a perguntas sobre o futuro. Se antes não sabíamos o que responder que não fosse especulação, o que sabemos hoje? Envelhecer bem é saber conviver com o aumento de nossa ignorância.

Temos futuro? Sim, embora ele fique cada vez mais curto. Precisamos colocar o pensamento nele em nossas prioridades? A isso os psicólogos denominam de ansiedade. Então, cuidado. Preservar nossos amanhãs é cuidar bem de nosso hoje. A situação-problema de nosso projeto de futuro reside neste ponto: o que realizar hoje para termos um belo amanhã. Entre os objetivos deste projeto devem entrar nossas ainda presentes ambições e os ganhos que ainda queremos ter. Fácil? Não. Factível? Sim.

— Que ambições você ainda tem, vovô?

— Você pensa que pessoas idosas não têm ambições, meu neto? Claro que tem. Só que, hoje, não temos mais ambições pelo poder que o dinheiro nos concede. Se não ficamos ricos até hoje, as chances que temos de enriquecer são pequenas. Nossas ambições, as minhas, por exemplo, são de manter a qualidade de vida pelo tempo que nos resta. Nossa principal fonte de poder é a memória. A maior ambição da pessoa idosa é manter o acesso a seu conhecimento, através da memória, e ter a chance de difundi-lo aos demais. Então, são duas ambições: manter a chama da memória acesa e ter uma plateia para ouvi-lo, que seja uma plateia de uma pessoa.

— E os ganhos, vovô? Quais são os ganhos que ainda espera ter?

— O que queremos é perder o mínimo possível. E ganhar o que for possível. Mas os principais ganhos pretendidos não são necessariamente materiais. São ganhos de respeito, de atenção a nossos direitos de ser o que somos e como somos, de cuidados quando for necessário. Além de alguns outros mais específicos de cada um.

— Vovô, eu tenho tudo isso que você diz que quer ter. Você quer ser criança de novo?

— Claro que não, meu neto. Aliás, ser tratado como uma criança é o pior desrespeito que uma pessoa idosa possa receber. Queremos receber o amor e o carinho que uma criança recebe, mas com o devido respeito às nossas rugas. Respeito principalmente às aventuras que tivemos para adquiri-las. Respeito à nossa história. Enquanto vocês, crianças, precisam ter a mente aberta para aprender e receber conhecimentos, nós precisamos ter a mente aberta para doar o que sabemos. Não temos e nunca teremos os conhecimentos que as mentes jovens conseguem ter, com as tecnologias a que têm acesso. O mundo muda todos os dias. Mas sabemos muito bem como enfrentar as armadilhas que os caminhos nos armam. E conhecemos muito bem as pessoas, tanto as amorosas quanto as maldosas. Esses são nossos diferenciais.

— Quem quiser nos ouvir, meu neto, só terá ganhos, tenho certeza.

  

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

AS SAUDADES DE UM SEPTUAGENÁRIO

São muitas as saudades que tenho, hoje, de tempos que não voltam mais. Não voltam não apenas pela impossibilidade da marcha a ré do tempo, mas pelas variações dos impedimentos impostos pela vida social, da maneira que ela se organizou ao longo das viradas dos relógios.

A primeira saudade é das caminhadas nas trilhas das matas e montanhas no entorno de minha cidade. Claro que dou conta da caminhada. Sou uma pessoa idosa, mas não sou velho e acabada. Cuido de minha saúde e preparo físico. O problema é que as trilhas por onde eu caminhava estão fechadas ou pelas mineradoras, ou pelas portarias dos condomínios. Caminhadas, hoje, só são possíveis em locais públicos e cheios de gente. Ou então é necessário viajar horas para se chegar às trilhas dos parques nacionais e estaduais. Como a caminhada que fiz nas pegadas do Riobaldo e Diadorim, personagens de Guimarães Rosa, no norte de Minas. A sacanagem capitalista é pior que a saudade.

A segunda saudade é dos campos de pelada ludopédica. Aí problema é a idade mesmo. Não dá para jogar futebol com os jovens. Eles não entenderiam minha vagareza. Mas sentir a bola escorrendo em seu tórax até as coxas para aquele chute de trivela, isso não tem imagem de reposição que seque nossos olhos. Por isso ainda tenho comigo uma boa de futebol para realizar, solitário, minhas embaixadas. Isso ainda dou conta.

A terceira saudade é dos bailes nos clubes com música de dançar colado na parceira. Nas cidades as discotecas barulhentas tomaram conta do interesse dos jovens. As músicas não são as mesmas de nossa geração, um conflito musical se instaura em nossas mentes. Não há nada de errado com a juventude, eles vivem em outros tempos, apenas. Nós, as pessoas idosas, é que nos tornamos inadequados às modernidades culturais. Acompanhei meus filhos em uma balada, anos atrás. Até curti o ambiente, era bem animado e saudável, mas a inadequação ao ambiente era total.

A quarta saudade é das reuniões dos pais e outros idosos no portão de nossa casa. Não havia televisão, então os casos, ou melhor, os causos, eram contados e saboreados um a um. Alguém com a palavra, os demais na escuta e nos sorrisos que se abriam em gargalhadas. Havia também a hora dos causos das crianças, cada um com uma história acontecida ou inventada. Isso acontece raramente, em outros ambientes. Nas portas das casas, com os vizinhos interagindo entre si, não mais.

A quinta saudade é dos banhos de rio. Nos fundos da casa de meu avô, no interior de Minas, descia o rio, uns cinco metros de largura, profundidade variável, com algumas praias formadas por bancos de areia nas curvas do mesmo. Às tardinhas lá íamos nós, com roupa de banho (o mesmo calção com o qual a gente andava o dia inteiro) e vara de pescar e minhoca catada no pomar. E por que não fazemos mais isso? Simples, camarada. Os rios estão poluídos. As mineradoras neles jogam seus lixos de metal pesado e sobra das barragens. Adeus, banhos de rio.

A sexta saudade é da viagem de trem. A gente pegava o trem em Sabará, à noite, e descia em Rio Piracicaba, casa de meu avô, de madrugada. O mais interessante é que a gente pedia o maquinista para parar o trem em frente a porteira de meu avô e ele parava. Olha só! A gente pulava do trem no meio do caminho, com mala e tudo, e chegava a tempo de buscar as vacas no pasto para tirar o leite da manhã. Outra viagem interessante, essa ainda dá para fazer, era pegar o trem em Belo Horizonte e chegar em Vitória para um banho de mar.

E por falar em banho de mar, a sétima saudade é de pegar um ônibus à meia-noite para tomar um banho de mar em Copacabana, ou outra praia do Rio de Janeiro, nas manhãs de sábado. Aliás, banho de mar o dia todo e, à noite, pegar o ônibus de volta para BH. Para esta viagem, a prudência nos informa que é melhor ficar na saudade mesmo, saudade boa para contar histórias. As sete décadas vividas nos deixam um peso nas costas, desses difíceis de jogar fora para aventuras como essa. E como muitas outras aventuras vividas na juventude e impossíveis de refazer.

E ainda faltaram os acampamentos em beira de rio, mar ou lago. Faltou contar também das viagens de mochila pegando caronas com caminhoneiros. Do namoro escondido porque o sogro não queria nem saber de você namorando a querida filha dele. Dos longos passeios de bicicleta, passeios que duravam quatro a cinco dias pelas estradas de terra e dormindo onde desse. E nem contei das escaladas que fazíamos em montanhas por esta Minas Gerais afora. Penso que tenho muita história para contar, gostaria de ter plateia também cheia de saudades para trocar. Troco uma saudade minha por duas suas. Um bom negócio?

 @paulocezarsventura (Instagram)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

SER FELIZ AOS SETENTA

Como ser feliz, agora que estou ficando velho? Existe ainda, a esta altura da vida, a possibilidade de ser feliz? Aquela felicidade que não consegui quando jovem, chegaria agora, quando passei dos sessenta? Então deixa eu lhe responder diretamente, letra no olho. O que felicidade e idade têm em comum é que a palavra “felicidade” engloba, incorpora, contém a palavra “idade”. E só. Isso pode significar que a felicidade pode acontecer em qualquer idade.

Mas, o que é a felicidade? Sou adepto das definições operacionais porque elas nos ajudam a entender o conceito em si, objeto da definição, e nos fornecem meios de mensurar aquilo que se define. Psicólogos das Universidades de Oxford e de Havard criaram questionários para medir, por vários métodos e instrumentos, o nível de felicidade das pessoas. Eles acreditam que, para medir a felicidade, é necessário avaliar fatores físicos e psicológicos, renda, idade, preferências religiosas, políticas, estado civil, etc. Existiria, então, um padrão humano de pessoa feliz? É preciso investigar, claro.

Pode-se dizer, entre várias outras afirmações possíveis, que a felicidade é um momento durável de satisfação, onde o indivíduo se sente plenamente realizado, um momento onde não haja nenhum tipo de sofrimento.

Há duas afirmações interessantes nesse conceito. A felicidade é um momento durável, não sendo infinita, momento este sem nenhum registro de sofrimento. Há como medir este momento onde há ausência de sofrimento? O Dalai Lama, líder espiritual do budismo, coloca a busca da felicidade como nosso projeto de vida em essência. Segundo ele,

“O propósito de nossa existência é buscar a felicidade” (Dalai Lama).

Vejam só: a felicidade está presente naqueles momentos de ausência de sofrimentos, e que buscá-los deve ser nosso propósito de vida, nossa busca incessante. E como nos livrarmos do sofrimento? Recorremos novamente às palavras do Dalai Lama:

“O primeiro passo para nos livrarmos do sofrimento é investigar uma de suas causas principais: a resistência à mudança” (Dalai Lama).

Segundo essa afirmação, o primeiro passo para se livrar do sofrimento é aceitar as mudanças. Porque elas sempre vêm. E se as mudanças trazem sofrimento, então a saída é aceitar o sofrimento. Aceitar que ele existe. O que não significa se entregar ao sofrimento. A aceitação não é um ato masoquista. É entender o que acontece, é viver o presente. Não é fácil, lógico. O sofrimento existe com várias caras diferentes: a não compreensão e aceitação do passado é uma delas; a colocação dos desejos em patamares muito altos é outra; a inveja, a ansiedade, a raiva, são ainda outras caras do sofrimento. E as dores físicas, claro, proveniente de doenças.

Para bem viver o presente e eliminação das dores não físicas o autoconhecimento é peça fundamental. E ele vai além do conhecimento de onde venho e para onde vou. Mais importante que os pontos de partida e de chegada está a trajetória, os caminhos por onde seguimos e pelo total entendimento dos nossos passos. E os caminhos por onde podemos seguir nos levam a outro conceito anterior ao de felicidade, mais facilmente mensurável, que é o conceito de bem-estar.

O bem-estar é um construto e possui cinco elementos mensuráveis importantes:

1.      Ter e procurar te emoções positivas é o primeiro elemento mensurável do bem-estar;

2.      Engajar-se nos projetos e atividades em curso faz com que não se veja o tempo passar, tão importante é o projeto;

3.      Procurar sempre por relacionamentos positivos, começa em eliminar relacionamentos tóxicos com pessoas que apenas retiram sua energia, ao mesmo tempo em que sinta empatia pelas pessoas;

4.      Colocar sentido e propósito nas coisas nas quais se empenhe e se engaje;

5.       Realizar, terminar aquilo que se começou e alegre-se com o resultado e com o sucesso do empreendimento.

Resumindo, é possível ser feliz em qualquer idade, inclusive na maturidade. A felicidade aparece em momentos em que se consegue aceitar o sofrimento e eliminá-los por meio de mudanças significativas na vida, mudanças buscadas por projetos com propósitos bem definidos. Mesmo a felicidade não sendo facilmente mensurável, pode-se chegar ao bem-estar com projetos onde se coloca pleno de emoções positivas, engajamento no processo, relacionamentos com pessoas agregadoras, projetos que têm sentido em sua vida e que você os realize até o ponto final.

Ou seja, não há um passo a passo, mas é possível fazer escolhas que nos conduzam a uma vida saudável, com pouco sofrimento e onde os desejos não sejam colocados em patamares inatingíveis. Para os budistas a felicidade está na supressão do desejo e no viver o presente como proposta. Não é fácil, mas é possível.

Felicidade:
ficção do futuro
escrita hoje.

(Paulo Cezar S. Ventura)


sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

DETALHES DO DIA DE HOJE

Detalhes, cara, detalhes. Está lá no título. O que aconteceu hoje que pode ser importante amanhã? Pois é esse o mote. O amanhã só existe porque existe o hoje. O amanhã sempre é hoje. Só existe na agenda. Como eu não sou muito de seguir agenda, então, amanhã é só um número no calendário.

Muitas coisas que aconteceram hoje não têm importância. A seleção portuguesa de futebol perdeu para a Coreia do Sul: irrelevante. Os uruguaios afirmam que perderam só para desclassificá-los. Irrelevante também. A seleção brasileira de futebol também perdeu hoje, para Camarões. Irrelevante. O futebol mexe com a cabeça e o bolso de milhões de pessoas, mas é totalmente irrelevante. Não me empolga nada.

Fui ao mercado comprar verduras para o almoço e as prateleiras estavam vazias. Já é a segunda vez em poucos dias que isso acontece. Isso não é irrelevante, mesmo que seja coincidência, conceito no qual não acredito tanto. Pode ser pelo excesso de chuvas, mas pode ser por desabastecimento geral mesmo. Problemas do ciclo de produção. Detalhe que precisa ser observado mais de perto. Coisas de hoje que podem mudar nosso amanhã, quando ele virar hoje.

Tivemos costelinha de porco no almoço e arroz integral com pequi e saladas. O pequi começou a aparecer no mercado. Eram os primeiros da safra e estavam pequenos. Saborosos, no entanto. Parece que o pequi não escasseia em tempos chuvosos. Ou sim? Algo a observar.

Agora vamos ao mais importante. Começa com uma pergunta, mas antes preciso contextualizá-la. Sou escritor. As pessoas que me leem gostam das coisas que escrevo. Vendas que é bom, por colocar grana em minha conta bancária, não acontece. Conclusão: sou irrelevante. Ainda. Li uma longa discussão no Facebook, entre músicos dos quais gosto, sobre a irrelevância de muitos músicos geniais, que a nova geração não conhece. E eles chegaram à idosidade, estão morrendo ou morrerão logo, e não deixarão herdeiros para ocuparem seus lugares. Culpa de nosso sistema educacional, que nos ensina a gostar de porcarias culturais? É uma hipótese.

Tive também uma conversa longa com um amigo escritor sobre isso. Uma reunião na Internet, no Youtube, sobre a importância da literatura brasileira na lusofonia, contava com a presença de cinco escritores de vários países lusofônicos, entre eles Mia Couto, Agualusa e Djamila. Caralho, essas pessoas são PHODAS, com PH. E havia pouco mais de setenta pessoas assistindo. Nós também fazemos nossas reuniões virtuais sobre nossas escritas e geralmente temos dez a vinte pessoas na plateia, ao vivo. Irrelevância total.

Exatamente em meio a esse turbilhão de acontecimentos que me conduzem a pensamentos diferenciados, comecei a assistir e prestar atenção em um programa nas redes sociais sobre a arte contemporânea. E daí? O apresentador afirmava que o conhecimento adquirido através do estudo da Arte Contemporânea pode nos tornar pessoas mais relevantes. Usou a mesma palavra, relevância.

Então fazer o quê para me tornar uma pessoa relevante, embora idosa? Coloquei em meus pensamentos que não há idade para isso. O tempo não existe. É apenas um número nos relógios digitais. Ou na tela de meu aparelho de telefone tipo smartphone. Dei início, então, sem mais perda de tempo, em traçar planos para me tornar uma pessoa relevante. Que escreve livros que vendam, que tem ideias que vendam. Que a arte contemporânea salve minha vida.

E agora, PC Ventura?  Que fazer para tornar-se relevante? Esmiuçarei mais meus planos nos próximos dias e os colocarei em prática. Tem por princípio fazer diferente, escrever diferente, expor diferente, contar diferente. Sair do lugar-comum. Para isso preciso sentir diferente. E ser diferente.

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

QUE TAL SUA FAMÍLIA, MEU VELHO

Primeiro, preciso definir o que é família para mim. Não uma definição de dicionário, mas uma que seja operacional, prática, funcional, que me atenda em minhas necessidades de pessoa idosa. Ou, qual é a minha família? A quem devo me dedicar, colocar meus esforços para que ela progrida. Primeiro, eu tenho uma mãe com noventa e seis anos (no momento em que escrevo) que requer cuidado, e oito irmãos e irmãs com seus respectivos cônjuges, filhos e netos. Cada um desses irmãos tem um núcleo familiar e meu laço com eles são laços consanguíneos. Temos, com isso, uma parceria, mas não fazem parte de minhas preocupações iniciais. Se me procuram para ajudá-los em alguma coisa estou aí. Logo, não os defino como família, apenas como parentes próximos. Alguns deles ou delas são bem amigos. Todos são queridos.

Por meu lado, eu me casei três vezes. Tive dois filhos biológicos no primeiro casamento: uma filha com seu marido e dois filhos (meus netos) constituindo um novo núcleo familiar. Uma vez perguntei à minha filha quem era sua família e ela não me incluiu em sua lista. Mas ela faz parte da minha. E tive também um filho que não me procura, mal responde minhas palavras. Também lhe perguntei quem era sua família e ele, também, não me incluiu. No entanto, eles são filhos de sangue e eu me sinto tentado a procurá-los sempre e lhes dar afeto e amor. Mesmo que não queiram. No segundo casamento criei um filho e uma filha, enteados. Adotei-os como filhos. Ajudei-os a crescer, dei-lhes carinho e afeto. Ao me separar de minha segunda esposa, mãe deles, eles me isolaram completamente de suas vidas. Principalmente o filho. A filha dialoga comigo via redes sociais e quando vem ao Brasil, me procura. Opção deles, eu respeito. Apesar de todo amor que tenho a eles, devo manter distância.

Agora casei de novo. Tenho uma esposa e mais uma filha adotiva, de trinta e dois anos, adulta, madura (sic), que mora com seu companheiro. No entanto ela tem demonstrado muita consideração à minha pessoa. Ela é meio desorientada e sinto que posso ajudá-la, se ela aceitar. Então, minha família: esposa e sua filha, meus dois filhos e meus dois netos. Ponto. Família pequena, apenas seis pessoas e eu.

Eles são minha família, isso não significa que eu seja família deles, como me disseram minha filha e meu filho biológicos. Como descrevê-los em três palavras? Só posso fazê-lo considerando meus sentimentos, porque eles são tão diferentes e reagem de formas tão diferentes em relação a mim. Então: afeto, cuidado, amor. Unidirecional, meu para eles, mesmo que a recíproca não seja verdadeira. Mas a vida não é um teorema matemático. Ponto.

 

OS SAPATOS FAVORITOS DO VOVÔ PAULO

Não tenho muitos sapatos, mas tenho os necessários para várias situações cotidianas e até mesmo diferentes. Tenho um tênis para caminhadas curtas e ginásticas, uma botina de lona para caminhadas longas, uma outra botina de couro para saídas em dias mais frios. Tenho sandálias havaianas para ficar em casa e sandálias de couro para sair nos dias quentes. Tenho sapatilhas para dirigir automóvel, bem confortáveis para a situação e tenho sapatos pretos para saídas mais formais e sapatos para usar em festas, junto com ternos, principalmente se houver a possibilidade de dançar. Quais os de minha preferência? As sandálias havaianas e as sandálias de couro, sem dúvida.

A esta altura da vida, quando não tenho mais tantos compromissos formais, posso me dar ao luxo até de andar descalço. Faço isso comumente. O problema de andar descalço são as ruas asfaltadas e/ou cimentadas. No verão o chão ferve. Para isso, chinelas tipo havaianas e sandálias estão sempre de plantão ao alcance de meus pés. Já estou adotando as sandálias de couro para situações onde a formalidade não é questão de honra.

Um viva à informalidade da vida das pessoas idosas!

 

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...