quarta-feira, 24 de maio de 2023

O QUE VOCÊ TEM A PERDER, VELHO(A) CAMARADA?

  

Esta é uma boa pergunta. Afinal, o que nós, pessoas idosas por definição (mais de sessenta anos), temos a perder a esta altura de nossa vida, além de nos perdermos de nós mesmos? Posso responder a essa pergunta, não por todos, mas por mim, partindo de variados aspectos de minha vida, de ontem e de hoje.

Primeiro, comentemos sobre o tempo: sou um homem muito saudável, não tenho e nunca tive doenças complicadas, nem tomo medicamentos, só algumas vitaminas. Tenho uma mãe de noventa e seis anos que também não toma medicamentos. Está velha, em alguns dias levanta-se com dores nas pernas, mas creio ser apenas uma leve depressão, normal para a idade, ou uma artrose própria da velhice. Nesses dias ela gosta de ficar na cama um pouco mais. E só a esta altura de sua vida começa a perder a memória.

Significa que, do ponto de vista do tempo, eu ainda posso ter uns vinte e cinco a trinta anos de vida pela frente. Se eu continuar me cuidando e, seguindo as práticas saudáveis para o bom envelhecimento, eu posso chegar lá. Quero cuidar desse tempo que ainda tenho pela frente. Quero ganhar mais tempo. Não devo nada a ninguém, então uso meu tempo como quiser. E quero usar o tempo a meu favor.

 

Perder tempo, a esta altura da vida,

é fazer o que não queremos e não gostamos.

 

Em segundo lugar, eu gosto de escrever e desde adolescente eu sonhava em ser escritor. A vida me levou para outros caminhos, precisava trabalhar em algo que me garantisse a sobrevivência logo. Aos dezoito anos meu pai me deu um “se vira malandro”, ou seja, a partir dali eu estava por minha conta. Logo fui chamado para ser professor e segui essa carreira por mais de quarenta anos. Comecei a lecionar aos dezoito e parei aos sessenta e um. Foi um belo trabalho, eu sei, não o faço mais. Agora conto histórias de outras formas: principalmente escrevendo. Se terei público eu não sei, mas quero continuar contando histórias enquanto eu for vivo. Quero manter e aumentar estas oportunidades. Essa motivação eu a manterei a todo custo. Contar histórias através da escrita e de outras formas é meu projeto de vida.

E você, velho(a) camarada,

o que te motiva a viver uma vida longa e rica?

Qual o seu projeto de vida?

 

Terceiro, eu tenho muitos afetos. A dar e a receber. Tive dois casamentos que fracassaram por inabilidade minha, embora não exclusivamente. Já perdi o afeto de muitas pessoas em minha vida, por distanciamento ou por incompatibilidades mesmo. Hoje tenho uma companheira, dois filhos, três enteados, dois netos, ainda uma mãe, vários irmãos, sobrinhos e muitos bons amigos. Gostaria de tê-los a meu lado. Todos. Quero ter todos os afetos comigo. E por perto, se possível. Se estiverem longe fisicamente, que estejam perto, em minha mente.

O que fazer para ter os afetos por perto e não mais perdê-los sem perder nossa autonomia intelectual, identidade e dignidade?

Quarto, eu não tenho muito dinheiro. Tenho uma aposentadoria que me garante a sobrevivência com dignidade, mas deixei para trás, com minhas ex mulheres e filhos, meu pequeno patrimônio. Desapeguei-me deles. Não me importo muito com bens, meu maior bem é minha vida. No entanto, eu poderia estar muito melhor financeiramente se soubesse e me dedicasse a cuidar mais de minha vida financeira, ou, como dizem hoje, de minha saúde financeira.

Não fiz isso. Hoje as chances são ainda menores de criar novo patrimônio. Só tenho como bens, poucas coisas, que cabem no baú de um caminhão de mudanças. Só isso. Penso até em comprar um caminhão e morar nele, tantas mudanças eu já fiz e ainda farei. Então, quero manter minha saúde financeira atual, por mais débil que ela seja. Eu ainda quero ganhar dinheiro, ainda quero ter um patrimônio mais sólido. Minha profissão é contar causos e histórias, mas não é só pelo dinheiro que continuo a trabalhar.

 

O que você faz para manter sua vida financeira

equilibrada e saudável?

 

Quinto, eu sou um homem muito tranquilo e de bom humor. Consigo sair de situações complicadas da vida com elegância e sabedoria. Já me afundei muitas vezes e, até hoje, consegui me levantar de novo. E consegui manter minha calma, consegui manter meu olhar na busca da profundidade das coisas. E minha alegria. Minha alegria, minha calma, minha inteligência são meus maiores patrimônios. Eu resumiria isso definindo-me como um homem sábio. Isso quero manter, sempre. Minha sabedoria, essa ninguém me tira. E quero manter minha lucidez, para manter minha sabedoria ativa.

 

Como cultivar e manter a sabedoria,

esse patrimônio intelectual e espiritual

muito poderoso em nossa idade?

 

Resumindo, temos cinco patrimônios, imateriais, que devemos manter sempre conosco e nos lembrarmos sempre de nunca esquecer de nos lembrar o quanto são importantes para nosso envelhecimento saudável:

1. o tempo e a vida que ainda temos pela frente, com saúde;

2. a motivação para desenvolver nosso projeto de vida, seja ele qual for (no meu caso, contar histórias, principalmente através da escrita, mas também em vários outros suportes que a tecnologia nos permite);

3. os afetos, guardar conosco todos os afetos, até mesmo recuperar os afetos perdidos;

4. a saúde financeira, para não sermos dependentes dos outros e podermos usar nosso tempo como quisermos;

5. a sabedoria, com alegria e bom humor, que sabemos hoje ser uma forte aliada contra a demência.

Simples? Sim, simples assim. Difícil assim. Não é fácil ser simples, no entanto, o melhor caminho está na simplicidade. Podemos ter, nesses caminhos que a vida nos oferece, ricas experiências em nossa maturidade e velhice. Afinal, queremos viver, não é? Nosso objetivo é ter uma vida longa e saudável e poder contar, com nossa própria voz, nossas histórias para que todos nos ouçam e nos respeitem. E fazer muito barulho para mantermos nossa visibilidade neste mundo que nos quer invisíveis e calados esperando o final, a transformação, a morte. Claro que temos muito a perder, mas nossa sabedoria nos ensina a aprender com as perdas para ganhar uma vida longa e saudável. Perdas e ganhos, não é isso, velho(a) camarada?

O que não podemos perder, de fato, é a nossa generosidade e nossa gratidão. Sem elas não manteremos nem mesmo nossos patrimônios imateriais acima.

 

 

 

terça-feira, 23 de maio de 2023

O PARAÍSO DAS RÃS NÃO EXISTE MAIS

O Paraíso das Rãs da Ilha de Chatou, onde Pierre Augusto e Oscar Cláudio passaram um verão pintando suas telas impressionistas, não existe mais. Uma barragem construída no rio para facilitar a navegação fluvial a inundou totalmente anos depois da passagem dos dois amigos com suas telas, pinceis e tintas. Pelo menos eles não estavam mais neste mundo para lamentar a triste invasão industrial. Apesar disso, registramos aqui nossa impressão, em uma narrativa provavelmente nada impressionista, sobre aquele momento.

Pierre Augusto e Oscar Cláudio já eram pintores mais ou menos conhecidos em Paris. Já haviam montado uma exposição com outros dois amigos que conheceram nas aulas de pintura do professor Carlos. A exposição foi um fracasso total, mas marcou, no entanto, a entrada em cena de um tipo de pintura que detonava com os princípios básicos da arte defendidos pela academia. Isso os colocou em cena, não o suficiente, no entanto, para manter a sobrevivência se não fosse os apoios financeiros dos amigos e os retratos de algumas pessoas ricas que achavam interessante ter um retrato diferente em suas paredes.

No verão daquele ano do século dezenove, os dois amigos juntaram suas telas em branco e demais apetrechos do ofício e se mandaram para a Ilha de Chatou, com o único propósito de pintar o que vissem, de registrar a impressão, de cada um dos dois, daquele cenário de muito sol, calor, dias longos e alegria.

A paisagem era o alvo. O máximo de interferência era uma pessoa, uma modelo, colocada na paisagem para ser adicionada ao quadro. Para Pierre Augusto essa modelo era ninguém menos que sua namorada, Aline, mais tarde sua esposa e mãe de seus filhos. O local, conhecido como Paraíso das Rãs, local marcado pelo coaxar dos anfíbios anuros.

Os dois amigos passavam o dia pintando. Às vezes pintavam o mesmo lugar duas vezes, com as linhas tênues e desfocadas, marca registrada das impressões que faziam. Pintavam em dois horários diferentes, só para registrarem as diferentes nuances da iluminação. Às vezes pintavam um quadro ao lado do outro, ao mesmo tempo. E assim inventaram a impressão panorâmica, bem antes da fotografia.

O almoço era sempre no mesmo restaurante. Ficaram amigos do proprietário e dos frequentadores contumazes naquela época do ano. A diversão no balneário era o banho de rio e o remo, por isso o restaurante ficou conhecido também como Bistrô dos Remadores.

Para deixar o registro ao mundo, a impressão daquele momento com os amigos, Pierre Augusto retratou a mesa do almoço, com a presença de Aline e seu cãozinho, do dono do restaurante em sua pose clássica de observador do local, com seu chapéu amarelo, além de outros amigos. Oscar Cláudio, pintando em outro local e registrando outro ponto de vista, não aparece na cena. Ao fundo se vê os barcos a vela, naquele Paraíso das Rãs, que o futuro lançamento do esgoto do norte e noroeste parisiense, mais a inundação provocada pela barragem, fizeram desaparecer totalmente da paisagem.

Mas, o registro do momento, da paisagem, do modo de vida de todos à época, ficou nos quadros pintados tanto por Pierre Augusto como por Oscar Cláudio. Em especial, o Almoço em La Grenouillère, ou Almoço dos Barqueiros se encontra em Whashinton, USA, no museu conhecido como “The Phillips Collection”. Pierre Augusto, que começou como pintor de pratos de porcelanas e em seguida imitador de obras vistas naquele museu perto de sua casa, o Louvre, deixou sua obra em grandes museus do mundo. Morreu pobre, como muitos artistas, mas mudou a história da arte no planeta Terra.

 

OBS: Quem quiser saber mais sobre as obras de Pierre-Auguste Renoir e Oscar-Claude Monet a Internet tem páginas, sítios e portais totalmente dedicados aos dois. Já Claude Monet conseguiu deixar grande parte de sua obra em um espaço-museu com seu nome em Giverny, a Fundação Claude Monet.

 

Pierre Auguste

Impressiona o mundo

No paraíso das rãs. 

 

 

 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

CONVERSA COM O PRETO VELHO

Vô Ventura estava se sentido entre desanimado e chateado com a vida girando fora do eixo, ciscando como galinha-choca. Então, tomou a decisão:

— Farei uma visita ao Preto Velho, creio que só ele pode dar um jeito nessa moleza que sinto.

E lá se foi ao terreiro de umbanda com o firme propósito de tomar aconselhamento com o Velho. Vestiu uma roupa bonita, aprumou o rosto para não parecer muito cabisbaixo, chamou um carro de aplicativo e se mandou. Chegou no terreiro na hora certa e se postou na fila de entrada. Incrível como havia gente por lá!

Fez a inscrição para a consulta, se aconchegou na cadeira e esperou. Sabia que demoraria pelo tanto de gente no interior do terreiro. Além disso, o Preto Velho seria a terceira entidade a atender os presentes. Esperou pacientemente. Ele e uma quantidade enorme de pessoas enchiam o salão do santuário de umbanda.

Mais de duas horas depois o Preto Velho o chama e inicia-se um diálogo, em princípio sobre as desventuras do Vô Ventura, sobre as quais ele preferiu tomar consultoria especializada com aquela entidade.

E quais eram essas desventuras? Segundo o que Vô Ventura me contou, todas elas se relacionavam com seus impasses relacionais com a pessoa com a qual ele dividia os cobertores. Os dois se davam bem, eram bons amigos, mas tinham um descompasso com relação aos interesses mais cotidianos. E como é o cotidiano o que mais impacta nas relações humanas, aquele relacionamento específico corria sérios riscos.

— O que fazer, Preto Velho, para a companheira sorrir de novo?

Preto Velho fez algumas perguntas para se inteirar melhor dos problemas e sugeriu certa oração todos as noites, banho de ervas conforme a receita, também todas as noites, acompanhando a reza. Pediu uma oferenda a ser colocada em um altar no santuário, naquele momento mesmo.

A consulta ao Preto Velho durou uma hora e vinte minutos, o que deixou os presentes impacientes e assustados. Qual o tamanho do problema daquele senhor a exigir tanto tempo de consulta para se chegar a um acordo?

Perguntado ao final, o Vô Ventura respondeu, solenemente:

— Foi apenas uma conversa entre dois Pretos Velhos, meu amigo.

 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

AS AVENTURAS DO VÔ VENTURA — RUÍDOS DA VISIBILIDADE

             Há duas maneiras de se tornar invisível. Uma, a Física nos ensina: Basta reduzir o índice de refração do objeto até igualar o índice de refração do ar. Isso nos mostra a impossibilidade da existência do Homem Invisível para além da ficção cinematográfica.

A outra maneira é mais simples, embora também tenha suas bases científicas dentro daquilo no qual o estudo do desenvolvimento humano agrega de ciência: basta tornar-se completamente inútil aos olhos dos demais seres humanos.

Aí temos várias sub possibilidades. Você pode ser invisível para certas camadas sociais. Por exemplo, pessoas pobres são invisíveis para a maioria das pessoas ricas. Esse tipo de invisibilidade tem até nome: aporofobia, ou fobia aos pobres e à pobreza.

Algumas dessas pessoas pobres nem têm documentos e vivem à margem do trânsito social. São totalmente invisíveis. Moradores de rua só são visíveis se resolvem viver em nossa rua. São visíveis, mas ninguém quer vê-los. Preferem que continuem invisíveis, ou visíveis em outras ruas.

Por fim, envelhecer. Quer se tornar invisível? Então envelheça, aposente-se, pare de frequentar os lugares de antes, mude de endereço e permaneça saudável. Pessoa idosa saudável é invisível para o sistema de saúde. Apenas uma vez por ano ganha visibilidade, ao se apresentar ao sistema previdenciário e demonstrar sua existência. Chama-se dar prova de vida. Viva a burocracia, por nos permitir a visibilidade, anualmente.

Quando chegam os netos e netas, você retoma a visibilidade. Mas se não é aquele vô simpático, bonachão, brincalhão, sempre disposto a se servir de cavalinho para eles e elas, seu cancelamento, como se diz hoje em dia, acontece rapidamente.

Até que um dia a doença te pega, meu velho, a morte te rodeia com um olhar gélido e você sai da invisibilidade. Porque começa a dar trabalho aos cuidadores, familiares ou não.

Conversando com o Vô Ventura, ele, saudável e forte como um poste, daqueles que só caem em trombadas com caminhão, e ele saiu com essa:

— Parodiando o Zagalo, vocês terão que me engolir. Se a visibilidade depende da intensidade sonora, farei muito barulho.

 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

OS MOTIVOS PARA SORRIR, MEU VELHO

Tem coisas que a gente devia aprender na escola e não aprende. Uma das mais importantes é como lidar com o dinheiro. Em todas as circunstâncias: como ganhar dinheiro, como gastar bem, como economizar, como aplicar no mercado financeiro, como entender o mercado, esse ser esotérico, metafórico, colérico, que nos parece meio mágico.

Segundo conta o Vô Ventura, o dinheiro que ele ganhava na infância vendendo verduras nas ruas, ele entregava para seu pai. A família tinha poucas posses e aquele dinheiro ajudava bastante no cotidiano da família. Ele não ficava nem com uma comissão de suas próprias vendas. Esse foi o grande erro do bisavô. Porque o Vô trabalhava pra caramba naquela horta, plantando couves e tomates, alfaces e inhames. Deu um duro danado, mas não aprendeu a lidar com o dinheiro. Sua vida poderia ser bem diferente se aprendesse sobre finanças, além das hortaliças. Sobre como usar o dinheiro ganho com a venda das hortaliças que ele plantava.

Hoje ele escreve livros, suas novas hortaliças. Ele não come seus livros, nem mesmo metaforicamente. Porque aprendeu a escrevê-los, não a vendê-los. Precisa urgente, a esta altura de sua vida, aprender a vender. Trabalhou como empregado, ganhando um salário mensal que, sabemos, é sempre bem menor que o real valor do trabalho entregue.

É assim o mundo dos negócios, o mundo do trabalho. As organizações e empresas pagam apenas a sobrevivência de seus empregados, nunca os seus sonhos, nunca o que suas competências valem.

As pessoas envelhecem. Depois de algum tempo não conseguem mais viver do trabalho, apenas daquilo que a sociedade, os governantes e os patrões dizem que ele vale. O que é sempre bem menos que o valor real da vida, do suor, das dificuldades, dos aprendizados, das competências e saberes de cada um.

Às pessoas idosas sobram as histórias, as memórias, coisas que não enchem suas cansadas e esfomeadas barrigas. A fome aqui não é só das perdidas hortaliças. É a fome da tranquilidade, da realização, da valorização do legado deixado. Tudo aquilo que importa à pessoa idosa, que vai muito além do dinheiro e do que ele pode comprar. E o dinheiro não compra o sorriso do rosto. Este vem de graça, desde que haja motivos para sorrir. 

quarta-feira, 3 de maio de 2023

A ARTE DE CRIAR TORNADOS

Que Vô Ventura é um artista não tenho dúvidas. Artista incompreendido, talvez, de arte desconhecida, é possível, um artista, a meu ver, no entanto. Busquei várias explicações no dicionário para o verbete “arte”, para explicar um pouco das artes de Vô Ventura, e justificar minha atribuição e para a descrição de uma de suas artes: a de criar tonados. Vejamos, então: 

1. Aptidão inata para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na demonstração de uma ideia, um pensamento; pode se referir também ao resultado dessa demonstração: no caso em questão, o tornado. Aí vem outra necessária explicação: o que é um tornado? De volta ao dicionário encontramos várias definições. A que nos interessa aqui é o redemoinho intenso e violento em forma de cone invertido que, girando de modo muito veloz, destrói quase tudo por onde passa. 

2. Arte pode ser também a aptidão natural para realizar algo, perícia, talento ou habilidade para fazer algo. Aqui iremos nos referir ao talento para criar tornados. 

3.  Arte pode também se referir à criatividade humana que, sem intenções práticas, representa as experiências individuais ou coletivas, por meio de uma interpretação ou impressão sensorial, emocional, afetiva, estética etc.. Criar tornados é uma arte que se enquadra nessa definição, não há intensões práticas no ato e pode-se chegar a interpretações emocionais.

Essas notas são suficientes para referenciar a arte de criar tornados, então vamos logo a algumas ações que podem ser realizadas, segundo o manual proposto pelo Vô Ventura. Vamos às ações sugeridas: 

1.      Para se iniciar nesta arte é preciso abrir espaços em sua mente para pensamentos incertos e ações inesperadas: quanto mais inesperados e imprevisíveis, melhor. A imprevisibilidade é a alma do negócio, ou melhor, da arte. 

2.      É preciso parar o tempo: tornados só aparecem depois de calmarias, naqueles momentos em que se esquece o instante anterior aos acontecimentos. Dominar o tempo é um dos requisitos dessa arte milenar. Os povos antigos eram mestres nela.  

3.      Não veja televisão se deseja criar tornados, esses não acontecem quando você está paralisado assistindo aqueles programas tediosos da TV. Os canais de televisão são os principais manipuladores da mente dos candidatos à arte de criar tornados. 

4.      Estimule o frio na barriga, esse é um ótimo indicador de possibilidades de surgimento de novos tornados. 

5.      Cante no chuveiro, ou em qualquer outro lugar, sempre que tiver vontade. Se você canta bem ou canta mal, não tem importância. A música cantada com reais sentimentos irão criar tornados em algum lugar. 

6.      Se for do sexo feminino, sempre saia de casa bonita: de salto bem alto e roupas que lhe vestem bem, sentindo-se a rainha da bala chita. Pode ser que escute assobios. Mas assobios e bater de asas de borboletas provocam tornados em algum lugar do planeta, segundo a teoria do caos. 

7.      Se for do sexo masculino, assobie quando vir uma mulher com ar de felicidade caminhando na rua. Mas não a incomode, assédio não produz tornados. O assédio produz ondas gigantes capazes de naufragar navios. 

8.      Seja incondicionalmente feliz: a felicidade provoca alterações orgânicas em algumas pessoas de nossa vizinhança, alterações essas que aumentam a probabilidade de surgimento de tornados exatamente por serem imprevisíveis (seja feliz por querer). Pessoas felizes são completamente imprevisíveis, fundamental para a arte de criar tornados. 

9.      Ponha um gosto de amor na tua boca, nas tuas mãos, em teus gestos. O amor é essencial para a criação de tornados, pois ele faz surgir a quela tempestade boa dentro da gente. 

10.  Se caminha com fé em si mesmo, bons tornados serão criados.

Você pode até pensar que tornados são destruidores. Sim, mas sempre acabam e sempre é possível reconstruir. Mas aí já é outra arte, a arte do recomeço, da reconstrução. Depois do tornado, sempre seremos outra pessoa, em geral bem melhor que a anterior. Portanto, segundo Vô Ventura, é melhor se esmerar na arte de criar tornados.


CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...