quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A LUA GIROU

A lua girou no céu, foi o Saci Pererê que contou, para alvoroço dos bichos. Eles não acreditaram que a lua pudesse girar. Se ela gira poderia também cair sobre a Terra e isso talvez fosse o fim do mundo. Ninguém quer o fim do mundo.

A grande preocupação, hoje, é o fim da própria floresta. E sem a floresta, aí sim, o mundo acaba. A Terra morre. Nem mesmo o Saci pensa tal coisa.

O que fazer, caros animais e caros vegetais, para a floresta sobreviver? Será que os humanos poderiam ajudar? Ou seria querer demais esperar pela ajuda dos irresponsáveis humanos?

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

OS VELHOS

Os velhos estão indo embora. Meu pai já foi. De seus nove irmãos restam três. Seus primos estão pela metade. Talvez isso seja amadurecer: perceber que os parentes e amigos da geração de seus pais estão partindo um a um. E que os de minha geração se encontram mais em velórios que em festas.

Um deles, no entanto, parece estar ficando para semente. Semente de gente. Já foi flor, deu frutos, agora se curva ao peso da idade, mas permanece. Mais de cem anos. Bem mais. Alguns afirmam que tenha chegado aos cento e vinte. Como ninguém de seu tempo ficou por aqui, não há confirmação de datas. E ele não tem mais documentos. Apenas alguns cuidam dele até mesmo por considerá-lo exótico. E ele fala tão baixo que ninguém lhe escuta.

Dias atrás, no entanto, o velho desapareceu de seu quarto. Ninguém o viu sair. Encontraram suas pegadas na estrada poeirenta da montanha. Ninguém foi atrás dele. Provavelmente subiu a montanha para morrer. O dia estava claro, céu azulado, um bom dia para morrer. Resolvi procurá-lo eu mesmo. Depois de dois dias de caminhada o encontrei no alto da serra conversando com pássaros e alguns animais. Todos pareciam felizes com sua presença.

 

CÍRCULO VICIOSO

Saí da cidade e peguei a estrada de novo. Já era quase noite, as últimas luzes vermelhas se escondiam por trás das montanhas e uma lua cheia surgia devagarinho. Ainda pensava nos últimos acontecimentos que me fizeram decidir por ir embora. Voltaria um dia?

Depois de uma curva do caminho vi uma criança acenando. Parei o carro. Ela me disse que um carro havia se desgovernado e pessoas estavam dentro dele. Desci a ribanceira correndo e vi uma mulher ao volante e uma criança dentro do carro, ambas feridas.

Minha única alternativa foi subir com as duas até o carro e conduzi-las até o hospital da cidade. E a criança na estrada, para onde foi? Elas sobreviveram. Eu que não sabia mais o que fazer. Não voltei para minha antiga casa, mas será que um dia iria embora?

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

GARGALHADA

Cheguei à cidade às duas da tarde. Além do sol quente havia um silêncio de mães tristes quando filhos partem. Era um decreto do prefeito. Todos deveriam permanecer em silêncio por três dias. Quem palavra pronunciasse seria obrigado a se exilar e proibido de voltar à cidade.

O motivo? Sua mulher havia partido com o palhaço do circo. Claro que fui expulso em seguida. Minha visita durou um pouco mais que minha gargalhada.


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

TENS TEMPO PARA A POESIA?


TENS TEMPO PARA A POESIA?



Nesse vídeo em que falo do tempo de envelhecer, leio poemas que escrevi sobre o tempo.

sábado, 6 de novembro de 2021

VOCÊ TEM MEDO DE ENVELHECER?

O comentário de hoje é sobre o medo de envelhecer. Pesquisas recentes mostram que as pessoas 60+ têm 4 medos principais: da solidão, da dependência de terceiros, da demência e da morte. Mas, como todos os medos, esses também têm seus antídotos. Conversaremos sobre esses medos e seus antídotos. #temmedodeque, #conceitodevelho #60+, #sou60+, #sou60, #envelhecersaudável #antidotodomedo @pcventura




quarta-feira, 3 de novembro de 2021

JUCA E O JILÓ DA VIDA - ANIVERSÁRIO

Juca estava só em seu quarto, isolado do mundo. Pior, isolado de pessoas queridas. Passaram-lhe, por um buraco na porta, o bolo, as velas, os talheres e uma caixa de fósforos. Cantaram-lhe os parabéns desde o lado de fora. Em vez de alegrias, lágrimas. Quem mandou aniversariar em plena quarentena e contaminado? Aproveitou os fósforos, esperou que todos saíssem de casa e pôs fogo no quarto. O fogo se alastrou rápido e quando os parentes chegaram os bombeiros já o estavam apagando. Nenhum corpo foi encontrado. E o velho Juca, o contador de causos, o ranzinza, o namorador das velhinhas do bairro? Sumiu da vida de todos. Notícias chegaram, semanas depois, que ele foi avistado em uma praia isolada no litoral baiano.


JUCA E O JILÓ DA VIDA - ALTURA

Juca recebeu, no dia de seu aniversário de sessenta e poucos anos, a seguinte parabenização de sua esposa: 

— ou você muda como pessoa, ou muda de casa. Eu não te aguento mais. 

A esta altura da vida, quase trinta anos depois, ser solteiro de novo? Juca não estava preparado para isto. Fez, no entanto, as duas coisas. Mudou de casa e se esforçou para mudar como pessoa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

JUCA E O JILÓ DA VIDA - AMOR

“Navegar é preciso, morrer de amor, também. Viver? Também é preciso. Quero continuar vivendo”. Não foi o primeiro fora na vida que Juca, nosso herói, ganhou. Na verdade, ele acumula foras, fracassos, nãos. Hoje é um especialista em nãos. E continua vivendo. Quem sabe ainda morre de amor, um dia? 


JUCA E O JILÓ DA VIDA - ANISTIA

Há anistia para os males causados pela alma humana? Depois de seis décadas de existência Juca sempre se pergunta se o somatório de bens e males provocados por suas intervenções na vida dos outros pelo menos se anulam. Não provocar é um aprendizado que só chega com os tempos.


ATIVIDADE FÍSICA MANTÉM A JUVENTUDE?


Algumas respostas encontradas na literatura dizem que sim. Esta é a minha aposta. 


sábado, 30 de outubro de 2021

AO TOQUE DOS SINOS


Ninguém soube dizer de onde, como e quando ele veio. Alguns dizem que ele simplesmente apareceu numa das grandes portas de casarões próximo ao solar dos Neves quase em frente à Funerária Ávila. Seus passos não foram seguidos nas ruas, ninguém sentiu o cheiro de seu perfume e tampouco se escutou bater nenhuma porta de carro. Apenas apareceu.

Lá estava ele. Alto, moreno, barba curta e negra. Cabelos negros e anelados com alguns fios brancos brilhando levemente à luz dos lampiões acesos ao anoitecer. Olhos também negros vigiavam calmamente carros, bicicletas e pessoas. Trajava um bleiser de linho negro sobre uma camisa vermelha, calças bege claro e sapatos marrons. Elegante. De uma elegância que não feria aos olhos, mas também não o deixaria anônimo em meio a uma multidão. Ao cair da noite as pessoas indo e vindo olhavam-no indistintamente. Olhares intrigados e admirados. As mulheres fitavam-no ao menos pelo canto dos olhos. Algumas voltavam pelo mesmo caminho para observá-lo mais uma vez.

Com o cair da noite e o surgimento da lua cheia, o movimento no Largo do Rosário aumentou. Era uma sexta-feira de uma semana de muitas novenas, rezas, procissões, missas festivas tocadas pela orquestra Ribeiro Bastos, toalhas de renda nas janelas, enfeites nas ruas. Os sons dos sinos das igrejas se misturavam a foguetes e corais. Ele continuava em seu posto de observação. Calmo. Nenhum sinal de cansaço em seus olhos. Nenhuma urgência em seus gestos. Apenas observava.

De onde estava via-se todo o movimento do início da rua Santo Antônio, do beco da Romeira e da rua Direita. Escutava-se também o fervoroso murmúrio vindo da Igreja do Pilar, onde se realizava uma festa religiosa, como sempre ocorre na cidade.

De repente, uma das muitas mulheres que o olharam nesta noite chama-lhe a atenção. Era morena clara, olhos verdes indefinidos, cabelos longos e ondulados brilhando à luz da lua cheia e dos lampiões. O corpo bem feito oscilava harmoniosamente aos passos em calçamentos irregulares. Usava um pequeno decote que delineava os seios. A blusa sem gola deixava seu belo pescoço à mostra. Este detalhe e a firmeza do olhar que ela lhe lançou trouxe-o do mundo dos sonhos por onde seu pensamento transitava.

Uma troca de olhares por longos segundos. Daqueles cuja linguagem só seus donos entendem. O corpo da mulher tremeu levemente e ela não soube, por um instante, o que fazer com o véu e o terço em sua mão direita. Apressou os passos e entrou na igreja. Deu uma última e rápida olhada para trás, na escadaria, enquanto cobria desajeitadamente com o véu branco a cabeça. O suficiente para perceber que ele havia saído do lugar onde estava havia algumas horas.

Terminada a cerimônia religiosa, ela foi uma das últimas a sair da igreja. Não queria correr o risco de encontrá-lo de novo. Aquele leve tremor denunciava sua fragilidade diante daquele olhar penetrando-lhe até a alma. Se ele de novo a olhasse ela não teria coragem de negar-lhe seja lá o que seu olhar a pedisse.

Ao descer as escadarias, sentiu-se aliviada por não o ver. Já não havia muita gente na rua. Era tarde, mas os sinos ainda repicavam. Caminhou apressada em direção à rua Santo Antônio. Ao chegar ao beco atrás da igreja do Rosário, de onde se avistam as torres iluminadas da Matriz de São Francisco, um arrepio gelado percorreu sua espinha dorsal, das nádegas à nuca. Virou para os lados e viu uma figura saindo das sombras. Não sabia se corria ou se voltava. Seu corpo tremia. Deixou cair o véu e o terço. Sua boca entreaberta não emitiu nenhum som.

Ele lhe apanhou gentilmente o véu e o terço, sorriu-lhe e sugeriu que seguissem. Ela então começou a caminhar a seu lado. Apesar de todo seu fervor durante as orações viu-se prestes a cometer o que, para seus familiares, era pecado. Para ela nem tanto. Já o cometera outras vezes. Em algumas vezes sentira um misto de paixão e culpa.

Os dois caminharam pela rua Santo Antônio até desaparecerem em suas curvas antigas e envoltas em sombras. No exato instante que os sinos calaram ouviu-se um grito. Logo depois o silêncio das cidades do interior, quebrado apenas por latidos e miados.

Nunca mais viram o desconhecido. Mas a mulher, por alguns dias, andou com um lenço cobrindo o pescoço. Amigas íntimas disseram que era para esconder duas marcas redondas lado a lado, como que desenhadas por lápis violeta. E ninguém conseguiu entender o sorriso sempre presente em seus lábios e a leveza de seu andar de sábado em diante.

 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

JUCA E O JILÓ DA VIDA - ALMA

 

Juca teve um piripipaco e realizou vários exames. Um deles, o ecodopplercardiograma mostra uma sinédoque de sua alma: ela funciona bem, mas não se pode afirmar que está tudo bem. Juca é uma sinédoque de si mesmo ao se compreender pelas metades.

https://www.youtube.com/user/MrPcventura/videos.

JUCA E O JILÓ DA VIDA - ACUSADO

 

Juca carrega poucas mágoas da vida. Na verdade, já se desconectou de todas elas, menos uma. Certa vez, muitos anos atrás, foi acusado de sedução de menores. Logo ele, que considera crianças e adolescentes como filhos e morreria por eles. Seu acusador teve que engolir as palavras. Os próprios jovens o desmentiram. Essa mágoa, no entanto, ainda fere sua alma.

domingo, 3 de outubro de 2021

QUAL FOI O ÚLTIMO FILME RUIM A QUE ASSISTIU?

Hoje a gente escolhe os filmes que quer assistir nas plataformas online de cinema. Eu também faço isso. E escolho no Netflix e YouTube Filmes. Sempre tem filmes bons nessas plataformas. O Netflix é pago e barato pela quantidade de filmes e séries que assisto. No YouTube tem alguns filmes gratuitos e outros pagos. Mas valem a pena. Ir ao cinema é algo que há tempos não faço. Primeiro devido à pandemia. Evito aglomerações. Nesta data de hoje, apesar da vacinação e da abertura gradual dos locais de eventos eu ainda prefiro ficar na minha.

Apesar da facilidade de escolhas, ainda faço escolhas erradas. A propaganda nem sempre condiz com a real qualidade do filme. Pelo menos, nas plataformas posso desistir, sair da sala e escolher outro. Minhas escolhas são os filmes de ação, de ficção científica e alguns reflexivos. As séries de minha preferência são as boas séries policiais e outras que fogem completamente do senso comum. Não farei nenhuma publicidade aqui, não é o caso. Minhas escolhas são minhas e de quem está comigo. E pronto.


sábado, 11 de setembro de 2021

O QUE EU TENHO A PERDER?

Esta é uma boa pergunta. Afinal o que eu ainda tenho a perder a esta altura de minha vida, aos sessenta e tantos anos, além de me perder de mim mesmo? Posso responder a essa pergunta partindo de variados aspectos de minha vida, de ontem e de hoje. Primeiro, comentamos sobre o tempo: sou um homem muito saudável, não tenho e nunca tive doenças complicadas, nem tomo medicamentos, só algumas vitaminas. Tenho uma mãe de noventa e cinco anos que também não toma medicamentos. Está velha, em alguns dias levanta-se com dores nas pernas, mas creio ser apenas uma leve depressão, normal para a idade, ou uma artrose própria da velhice. Nesses dias ela gosta de ficar na cama. E só a esta altura de sua vida começa a perder a memória, não a lucidez. Significa que, do ponto de vista do tempo, eu ainda posso ter uns vinte e cinco a trinta anos de vida pela frente. E se eu continuar me cuidando e, seguindo as práticas saudáveis para o bom envelhecimento, eu posso chegar lá. Quero cuidar desse tempo que ainda tenho pela frente. Quero ganhar mais tempo. E não perder tempo, a esta altura da vida, é não fazer o que não quero. Não devo nada a ninguém, então uso meu tempo como quiser. E quero usar o tempo a meu favor.

Em segundo lugar, eu gosto de escrever e desde adolescente eu sonhava em ser escritor. A vida me levou para outros caminhos, precisava trabalhar em algo que me garantisse a sobrevivência logo. Aos dezoito anos meu pai me deu um

“se vira, malandro”,

ou seja, a partir dali eu estava por minha conta. Logo fui chamado para ser professor e segui essa carreira por mais de quarenta anos. Comecei a lecionar aos dezoito e parei aos sessenta e um anos. Foi um belo trabalho, eu sei, não o faço mais. Agora conto histórias de outras formas: principalmente escrevendo. Se terei público eu não sei, mas quero continuar contando histórias enquanto eu for vivo. Quero manter e aumentar estas oportunidades. Essa motivação eu a manterei a todo custo.

Terceiro, eu tenho muitos afetos. A dar e a receber. Tive dois casamentos que fracassaram por inabilidade minha, por culpa minha, embora não exclusivamente. Já perdi o afeto delas e no caso da segunda esposa, perdi também o afeto dos filhos dela, a quem ajudei a criar, na vida de quem tive uma enorme participação. Hoje tenho dois filhos, dois netos, ainda uma mãe, vários irmãos, sobrinhos e alguns bons amigos. E uma nova companheira e uma nova enteada. Minha nova companheira é uma mulher muito carinhosa, alegre e dedicada. Quero tê-los a meu lado. Todos. Quero ter todos os afetos comigo. Por perto, se possível. E, se estiverem longe fisicamente, que estejam perto, em minha mente.

Quarto, eu não tenho muito dinheiro. Tenho uma aposentadoria que me garante a sobrevivência com dignidade, mas deixei para trás, com minhas ex-mulheres, meu patrimônio construído com muito trabalho. Não me importo muito com bens, meu maior bem é minha vida. No entanto, eu poderia estar muito melhor financeiramente se soubesse e me dedicasse a cuidar mais de minha vida financeira, ou, como dizem hoje, de minha saúde financeira. Não fiz isso. Hoje as chances são ainda menores de criar patrimônio. Só tenho como bens, poucas coisas, que cabem no baú de um caminhão de mudanças. Só isso. Penso até em comprar um caminhão e morar nele, tantas mudanças eu já fiz e ainda vou fazer. Então, quero manter minha saúde financeira atual, por mais débil que ela seja. Eu ainda quero ganhar dinheiro, ainda quero ter um patrimônio mais sólido.

Quinto, eu sou um homem muito tranquilo, inteligente, de bom humor. Consigo sair de situações complicadas da vida com elegância e sabedoria. Já me afundei muitas vezes e, até hoje, consegui me levantar de novo. E consegui manter minha calma, consegui manter meu olhar na busca da profundidade das coisas. E minha alegria. Minha alegria, minha calma, minha inteligência são meus maiores patrimônios. Eu resumiria isso definindo-me como um homem sábio. E isso eu quero manter, sempre. Minha sabedoria. Essa ninguém me tira. E quero manter minha lucidez, para manter minha sabedoria ativa.

Resumindo, tenho cinco pontos, características, patrimônios, que quero manter sempre comigo e me lembrar sempre de nunca me esquecer de me lembrar o quão importante essas coisas são: o tempo e a vida que ainda tenho pela frente, com saúde; as histórias que conto e que ainda tenho para contar, em vários suportes diferentes, com grande motivação; os afetos, todos os afetos que guardo comigo, inclusive recuperar os afetos perdidos; minha saúde financeira, que quero melhorar, sem dúvida; minha sabedoria, alegria e bom humor. Simples? Sim, simples assim.

E o que quero com esta narrativa que se inicia aqui? Quero viver uma experiência de vida na maturidade. Aliás, quero viver. Muito, ainda. Meu objetivo é ter uma vida longa e saudável e contar o que faço para isso, e em que eu aposto. Convido leitores a acompanhar comigo esta experiência. O que devo fazer, ou até mesmo perder, para ganhar uma vida longa e saudável? Perdas e ganhos, não é isso?


  

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

AUTOBIOGRAFIA BREVE

Nasci grande, magrelo e feio, segundo minha própria mãe. Estava todo enrugado e minha pele só se desenrugou depois de uns dias. Já nascemos perdendo e ganhando. Sim, perdendo o calor do útero, perdendo a alimentação fácil, a atenção das pessoas àquela barriga bonita e redonda da mãe. Por isso nascemos chorando e provavelmente assustados? Por outro lado, ganhamos os olhares carinhosos e felizes dos familiares, o amor das pessoas. E eu nasci em um hospital de cidade de interior, bem cuidado. E saí para o mundo, pus os pequenos pés na estrada.

O inquieto do meu pai pediu demissão na empresa onde trabalhava quando eu tinha apenas um mês. Trabalhou em uma construtora de estradas no interior de Minas Gerais. Pé na estrada por aí afora. Em quatro anos eu provavelmente andei alguns milhares de quilômetros. Por onde as máquinas iam, a gente ia atrás. De Belo Horizonte a Teófilo Otoni fomos e voltamos várias vezes. Com algumas paradas em Rio Piracicaba (MG), onde meu avô tinha uma pequena fazenda. Entre uma casa e outra pelos caminhos, parávamos lá por vários dias, semanas, até por meses. Tenho boas memórias dessa época, desde que um pequeno consiga se lembrar. E minha memória vai até os dois anos, quando me lembro de uma casa perto de um aeroporto em Teófilo Otoni. Isso porque, um dia, tivemos que correr da pista onde um pequeno avião pousaria.

Aos quatro anos, quase cinco, chegamos em Nova Lima (Minas Gerais), quando finalmente meu pai parou de viajar. Eu nem havia completado cinco anos, e nascera o quarto filho da família: uma menina. Foi quando moramos em uma casa com quintal grande, por alguns meses, e depois mudamos para outra, onde morei dos cinco aos vinte anos. E assim começa minha vida de perdas e ganhos. Aos cinco anos eu começo a trabalhar. É quando meu pai começa a me ensinar a ler e fazer contas e a cuidar da horta e do jardim de nossa casa.

Esta é uma ótica interessante sobre como encarar sua história de vida: enumerando perdas e ganhos ao longo do tempo. As perdas e os ganhos acontecem todos os dias. Pequenas e grandes perdas e pequenos e grandes ganhos, muitas vezes variando de posição conforme o olhar, dependendo do foco. Algumas perdas se transformam em ganhos dias depois. O contrário também acontece: quantas vezes pensamos que saímos ganhando em alguma empreitada, em algum jogo, para depois percebermos que aquele ganho de ontem se transformou em uma grande perda. Neste jogo da vida tudo acontece.

Aos cinco anos aprendi a ler. Isso me custou algumas horas por dia sem brincar, algum tempo tendo que pousar os olhos naquelas letras cabulosas e decifrar significados naquelas palavras que, naquele momento, podiam não fazer sentido nenhum. “Eu me chamo Lili” era meu martírio. Porém, saber ler tinha algumas vantagens. Quando chegava visitas em casa, meu orgulhoso pai me pedia para ler para as visitas. E isso acabava em afagos das senhoras visitantes. Aprendi a gostar cedo daquele carinho de seios das mulheres roçando meu rosto. Perdas e ganhos.

Quando fiz sete anos e fui para a escola primária, os cartazes da sala que devíamos ler até cansar, traziam as frases: “Eu me chamo Lili”, que meus colegas suavam para soletrar até aprenderem a decorar as palavras. Não sei se aprendiam assim. Novamente, que martírio! Pelo menos a professora percebeu minhas qualidades de leitor e pediu-me que ensinasse os colegas a ler os cartazes. Isso me valeu a admiração das meninas e ganhei uma namorada. De nome Eliane. E que saia de sua posição do outro lado da sala e vinha me dar um beijo quando a professora, por algum motivo, saia da sala. Novos ganhos.

E o trabalho na horta de nosso quintal era outra atividade que me tirava o tempo de brincar. Eu devia me agachar nos canteiros e arrancar com as mãos todos os matinhos que insistiam em nascer ao lado dos pés de couve, alface e outras verduras. E molhava as plantas também uma vez por dia. E se fazia errado ganhava as tradicionais porradas e cascudos que os pais daquela geração insistiam em dizer que eram preventivas e corretivas. Esses cascudos são uma perda total. Perda de afeto, perda de identidade, perda de autoestima, que tem um custo altíssimo em nossas vidas. Só com análise, bem mais tarde, quando a gente descobre o quanto de mal aquilo nos fez. Essa perda não tem recuperação fácil. Ganhei, no entanto, um apego à natureza, um conhecimento do gesto e do ofício de plantar, coisa que sempre fiz na vida. Grandes perdas, grandes ganhos.

A vida, no entanto, me levou a viver as grandes mudanças do século XX e cheguei na infância do século XXI justamente com o advento de minha maturidade. E como eu tive a oportunidade de fazer um curso superior na área de Ciências (graduei-me em Física) eu pude também acompanhar os grandes avanços científicos e tecnológicos dos últimos tempos. Como professor de Física trabalhei em cursos de Engenharia e de formação de professores em várias instituições. E como Doutor em Ciências da Comunicação e Informação participei de inúmeros projetos de pesquisa em cursos de Mestrado em Educação Tecnológica e de Estudos de Linguagem. Coordenei mais de cinquenta projetos de pesquisa na área de Ciências Humanas e mais de mil projetos de produtos tecnológicos em Engenharia. Isso me deu uma experiência enorme na gestão de projetos. Grandes ganhos. Mas a idade avança e um dia a gente resolve mudar de ares. É onde a vida pessoal e profissional se embaralham. Perdas ou ganhos?

Esse relato inicial é só mesmo para falar de perdas e ganhos na vida, que começam logo cedo. Para irmos aprendendo que “viver é muito perigoso”. E a gente precisa ganhar um bom jogo de cintura logo cedo para não sair só perdendo. Cresci assim. “Vivendo e aprendendo a jogar”. Nunca ganhei grandes coisas na vida, em termos materiais, mas ganhei muita experiência, muita sabedoria. E é essa sabedoria que me ajuda a viver hoje.

 

 

Eu sou UM INDIVÍDUO

 

Não pertenço a tribos nem a escolas

não me escondo em trincheiras

não habito em guetos não frequento igrejas

não caibo em panelas

 

Meu mundo cabe em minha mochila

onde tem um livro, um canivete

(todo homem devia ter um canivete

símbolo fálico poderoso

que trazemos desde a infância vivida no interior)

uma chave de fenda uma caneta

um caderno de anotações

(poesia não avisa quando vem)

um par de óculos (presente do portal do tempo)

uma agenda (sou homem de compromissos)

e muitas lembranças.

 

Não sou politicamente correto

sou a favor de cotas para negros, indígenas, pobres

e da distribuição de rendas.

odeio patrulhas não filio a partidos

voto sempre nos contrários.

 

Não sou branco não sou preto não sou índio.

Sou pardo sou mestiço aquele que não é nada

por ser mistura de tudo.

E o mestiço, lá na origem do nome,

muito provavelmente, é um filho bastardo.

 

Preciso aprender sempre

para me desvencilhar de rótulos

das amarras e ter pensamento livre.

Não sei rezar nem orar: sou animista.

Meus animais de estimação: uma onça pintada –

encontro-a regularmente, ensinou-me sutilezas

de observação e convivência;

um casal de saíras – visitantes de meu jardim,

uma família de calangos – predadores de insetos de meu quintal.

 

Não me apego a objetos

não consigo carregá-los

em viagens e mudanças:

não moro três anos no mesmo endereço.

Não sei dar nó em gravata

evito cair em armadilhas reais ou intelectuais.

AMO AS MULHERES!


 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

OS ESPORTES E EU

Que esporte um jovem morador de periferia poderia praticar nos anos mil novecentos e sessenta? Acertou quem disse futebol. Bastava uma bola, um local plano, pedras servindo de trave, e vizinhos da mesma geração. E eu ainda tive o privilégio de residir a quinhentos metros de um campo de futebol de várzea para onde fugia de vez em quando aos fins de tarde. Logo o futebol foi, durante muitos anos, o meu esporte preferido para torcer e, principalmente, jogar.

Foi. Deixou de ser há muito tempo. Ainda gosto do futebol bem jogado, mas aquele torcedor apaixonado pelo clube não existe mais. Desde o dia em que líderes de torcida organizada do time que tinha a minha paixão agrediu e matou jovens na rua. Simplesmente porque eles atravessaram seus caminhos portando uma camisa do time adversário. Não dá mais para gostar de futebol e torcer sabendo que todos, jogadores, jornalistas e torcida são manipulados desde aquele ponto onde se encontra o Calcanhar de Aquiles dos brasileiros: a violência enjaulada nos corações e mentes.

As olimpíadas nos mostraram, como sempre, que há uma forma civilizada de praticar esporte e torcer. Que mesmo dando pancada em seu oponente, nos esportes de luta, é possível, e necessário, abraçá-lo depois do jogo ganhando ou perdendo. E que é possível até mesmo comemorar a vitória de seu adversário como se fosse sua, como fizeram os garotos e garotas do skate. E que respeitar os árbitros é também possível em todos os esportes, menos, é claro, no futebol. E que os jogadores de futebol não respeitam nem mesmo os atletas de outros esportes olímpicos ao se recusarem a vestir o uniforme igual a todos.

Pena que as olimpíadas só acontecem de vez em quando. Mas os esportes continuam, as competições nos campeonatos de cada modalidade voltam a acontecer logo, logo. Há inúmeras outras possibilidades no mundo dos esportes.

domingo, 4 de abril de 2021

DIVERSÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA?

Em tempos de pandemia, a gente se diverte com coisas miúdas, inventadas. Já que fico vinte e quatro horas dentro dos muros da residência, o jeito é inventar. Inventando a gente se reinventa. Sim, eu me diverti hoje. Por quê? Essa pergunta é meio besta, é preciso um por quê para se divertir? Eu me divirto porque estou vivo. É uma boa razão.

A esta altura da trajetória, eu já não diferencio o trabalho da diversão, do prazer. Meu trabalho é simples: leio, escrevo, converso com pessoas (à distância, lógico). E tem o trabalho doméstico de sobrevivência: limpar, lavar, reorganizar a casa e cozinhar, basicamente.

Procuro me divertir com tudo isso. Ler e escrever coisas divertidas, conversar com pessoas divertidas. Cozinhar e comer o que cozinhamos é um desbunde. Limpar a casa ouvindo música e dançando com a vassoura não tem preço. Cuidar do jardim e ver a azaleia que plantou no vaso meses atrás não tem igual. Ouvir a companheira tocar seu violão e cantar é um prazer imensurável. Além disso fazer duas horas de ginástica por dia (sim, agora eu tenho tempo) e ver meu corpo maduro se enrijecendo também e a barriga diminuindo de volume, também não tem pra ninguém.

Mas o sofrimento vem com as notícias que chegam de fora dos muros. Milhares de mortes por covid, hospitais lotados, profissionais de saúde à beira da insanidade, amigos e conhecidos doentes e alguns queridos morrendo, cemitérios sem condições de enterrar a todos, filas de pessoas nos cartórios para registrar os óbitos de familiares, governo genocida se lixando para isso e presidente gastando milhões em férias enquanto o país se deteriora.

Toda a diversão parece perder o sentido. Mas eu preciso estar lúcido. Algumas pessoas precisarão estar lúcidas e em condições de refazer a história depois dessa merda toda. Que, eu espero, vai passar. E o mundo vai precisar de bons contadores de história, bons inventores para reinventar o mundo.

sexta-feira, 26 de março de 2021

QUEM É VOCÊ?

Que pergunta a ser respondida em belo e quente dia, com um sol brilhando de bonito! Eu sei bem quem eu sou: hoje. Porque resolvi deixar o passado para trás, embora ele quem me diz quem eu sou hoje. Mas não estou pensando em revivê-lo, em hipótese nenhuma. Tudo passou. E não quero lembrar as tantas besteiras que fiz. Lamento por elas. Lamento muito por quem se sentiu ofendido com minhas besteiras, quem se sentiu traído, ou algo assim.

É uma pergunta oportuna, me faz pensar em mim mesmo, e hoje. Quem sou eu? Ela me faz pensar no futuro, na verdade. Em quem eu quero ser. Vou aproveitar a questão para imaginar cenários possíveis de amanhã. Hoje vivemos uma pandemia de COVID 19, uma doença provocada por um vírus inimaginável, neste momento, e que mata muita gente e deixa muitas sequelas em alguns que a contraem.

Então, em primeiro lugar, sou um cara que se cuida muito para não pegar este maldito vírus, porque nos próximos anos quero estar vivo e ativo para contar histórias. Sim, eu sou um cara que conta histórias. Gosto de contar histórias, de fazer a plateia se encantar com elas e comigo. Sim, comigo também. Faz parte de minha vaidade, minha bem dosada vaidade, espero, para que ela não tome conta de mim.

E histórias são, na verdade, histórias de nossa vida. Elas precisam ter credibilidade, então precisam ser vividas para serem contadas. E eu já vivi muitas histórias. Fui professor durante mais de quarenta anos, então tenho muitas histórias de trabalho, de professores e de alunos, de colegas, de projetos, de vivências. Hoje pretendo ser escritor. Escrevo minhas histórias para encontrar a melhor maneira de contá-las.

Então, sou escritor, contador de histórias e causos, tenho grande vivência profissional e sou vaidoso, intelectualmente vaidoso. É um bom começo de perfil. E para contar histórias preciso ter plateia. Pretendo costurar minha plateia de duas maneiras: tendo um bom livro de histórias para que me leiam e um auditório, cheio de gente, para que me ouçam. Mesmo que o auditório seja virtual, porque não sei se teremos aglomerações de hoje em diante por causa do vírus.

Eu nunca fui um cara muito persistente e determinado, focado. Sempre contei com minha inteligência e minha capacidade de aproveitar os acasos pertinentes acontecidos. Minhas escolhas foram algumas boas, outras nem tanto, mas acabaram por darem certo, afinal de contas.

Mas agora preciso ser determinado, focado e persistente, porque já tenho uma idade que muitos consideram avançadas e quero ter um final de vida produtivo. E deixar uma história a ser contada por outros que tenham, ou venham a ter, proximidade comigo. E eu já tenho muita gente para falar mal de mim, agora quero encontrar pessoas que venham a falar bem de mim depois de minha morte.

No mais, eu sou um cara gentil, alegre, bem humorado sempre. Sou um cara de bem com a vida. Aprendi com um colega de profissão, certa vez, que “ser feliz é uma opção, ser bem humorado é obrigação”. Por isso sou bem humorado, porque ninguém é obrigado a aguentar o mau humor de ninguém. Estudei muito na vida, considero-me um cara inteligente.

E sou único no mundo em várias análises. Não apenas uma questão de digitais, sabemos que as digitais são únicas, não se repetem de dedo a dedo (informação que carece de comprovação) mas também porque tenho um nome único no mundo.

Vejam bem: meu nome é Paulo Cezar Santos Ventura. E paulo cezar santos existem muitos pelo mundo afora; paulo santos ventura existem muitos mundo afora; paulo cezar ventura existem muitos mundo afora. Incrível, o que me torna único no mundo é exatamente esse sobrenome comum, com milhões de pessoas mundo afora: Santos. Graças ao Santos eu sou a única pessoa no mundo com esse nome. Esse sou eu.


quarta-feira, 24 de março de 2021

VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO MUITO OU QUASE NADA?

Trabalhando muito. Sempre trabalhei muito. Não consigo ficar sem trabalhar. A diferença, hoje, é que trabalho em um ritmo mais lento. Não tenho mais compromisso com a produtividade, não tenho mais compromisso com nenhuma empresa. Só tenho compromisso com a minha consciência, com a minha vontade de deixar um legado. Quero que se lembrem de mim de alguma forma. 

Trabalhei mais de quarenta anos como professor, em várias instituições, e sempre ouvia a pergunta: - professor, você só dá aulas ou trabalha também? – Como se dar aulas não fosse trabalho. 

O conceito de trabalho era bater cartão em uma empresa, assinar o ponto, o que excluía os empreendedores de toda ordem. Hoje o conceito mudou, ampliou-se a ideia de trabalho. 

Ter um negócio é trabalho, escrever um livro é trabalho, varrer a casa é trabalho, e por aí vai. Eu me levanto cedo e vou escrever. Isso é trabalho. Depois vou levar o cachorro para passear e dar uma caminhada: cuidar é trabalho. Depois volto a escrever, continuo a trabalhar. Ao meio dia, vamos para a cozinha preparar o rango, mais trabalho. À tarde, atendo pessoas, resolvo problemas meus e alheios, estudo, converso, vendo livros, etc. 

Tudo isso é trabalho. Só vou dormir depois de vinte e duas horas, quando me desligo e vou me deitar. Ou seja, trabalho o dia todo. E isso porque não tenho compromisso com a produtividade, porque produzo para o mundo, não para uma empresa em particular. Meu compromisso é com o mundo, com meus filhos e netos e com os filhos e netos do mundo. E o que faço é para eles. Trabalho, trabalho, trabalho.


ONDE SE ENCONTRAM AS BOAS IDEIAS?

Nem sempre o que pensamos ser uma boa ideia de fato é. Ideias são ideias. Se são boas, só colocando-as em prática saberemos. Então precisamos colocar nossas boas ideias em prática.

A maioria das fontes de boas ideias são os amigos e interlocutores. Boas ideias sempre vêm ao longo de uma boa conversa. Fui professor por mais de quarenta anos e os alunos sempre foram um repositório de ideias. Tanto para novos possíveis projetos quanto para simples anotações que depois viraram textos, artigos, conclusões, etc. Não podemos nos isolar totalmente das pessoas porque isso limita nossas ideias.

Em tempos de isolamento social temos, ao menos, boas conversas via internet. O que diminui o isolamento em parte, e nos mantem quase em forma na captação de boas ideias, embora não seja a mesma coisa.

Outras fontes inesgotáveis de ideias são os filmes e os livros. Ao assistirmos um filme ou lermos um livro temos contato direto com as fontes de ideias. E como nossas ações são cópias de ações de outros, temos ali outro repositório de ideias. Pois como nos disse um dia, em entrevista, o dramaturgo Dias Gomes, copiamos as boas ideias desde Platão e Aristóteles.

A boa ideia de hoje está sendo refletir sobre qual a origem de minhas boas ideias. Resposta rápida e curta: dos outros.

QUAL FOI A ÚLTMA PESSOA QUE DEIXOU VOCÊ COM RAIVA?

Não me lembro, sério. Tive alguma raiva na adolescência, tive raiva quando jovem. Tive raiva do preconceito que sofri muitas vezes, principalmente na juventude, quando comecei a tomar conhecimento dele, tive raiva de meu preconceito, tive raiva das injustiças do mundo, tive raiva de alguém que queria me prejudicar propositalmente, tive raiva de pessoas mesquinhas que desdenham da inteligência alheia. Mas isso passou. A raiva não é um sentimento a ser guardado. Ela incha dentro da gente e explode, nos explodido junto.

"Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente" (Guimarães Rosa).

Descobri em Grande Sertão: Veredas, na fala do Riobaldo Tatarana, esse aforismo. Sentir raiva de alguém é deixar que essa pessoa comande sua vida. Logo, se quer ter controle de sua vida, controle seus pensamentos e elimine deles a raiva. Porque ela vai te fazer sofrer mais que o sofrimento que aquela pessoa te fez passar.

Afirmo com certeza e pureza de palavras: não me lembro da última pessoa que me fez raiva. Sou livre.

ALGUMA COISA LHE DÓI HOJE?

Alguma coisa me dói hoje, claro. Envelhecer é acumular dores. Alguns conseguem ir um pouco mais longe. Para esses, envelhecer bem é saber lidar com as dores e eliminá-las.

Eliminar dores não é seguir aquela máxima imbecil de que homens não choram. Choram e alguns, como eu, choram muito, por muitas dores, principalmente as dores emocionais. Mas é verdade também que chorar as dores, sentir as dores, te faz mais sereno depois que a dor passa. Não se iludam. As pessoas serenas são aquelas que souberam lidar com suas dores. Sem vínculo direto, claro, não há relação entre dor e serenidade, o certo é que elas coexistem.

Eu costumava dizer que um sujeito experiente era aquele que acumulou muitos fracassos. Portanto, considerava-me experiente. Hoje, avancei um pouco esse aforismo e digo que sujeito experiente é aquele que soube lidar com seus fracassos e tirou proveito deles, aprendeu com eles. E lidar com as dores é que nos ensina a viver e envelhecer bem. Isso eu aprendi também.

O que me dói hoje são meus cotovelos: tendinite. E minhas juntas: artrite. E meu ombro esquerdo: luxação por tombo. São dores que nos lembram do sinal dos tempos, que nosso corpo já não aceita alguns trabalhos e exercícios físicos ou falta deles. Incomodam, e muito. Mas são apenas dores com as quais tenho que lidar e aprender com elas. E que me exigem calma, sossego, pausas, paciência, massagens, alongamentos silenciosos e vagarosos e respiração. A gente descobre que o caminho de tudo, o melhor combate às dores, físicas e emocionais, é a respiração e seus ritmos, é a pausa que esquecemos de dar quando jovens e que agora, na idade do amadurecimento, ou nos associamos a ela ou nada feito.

Portanto, respire, respire. Pare. Lembre-se de se lembrar sempre que você é sua própria doença e sua própria cura. Respire, respire....


DO QUE VOCÊ PRECISA SE LIVRAR?

Eu já me livrei de tantas coisas na vida que já perdi a conta. Entre perdas e ganhos o resultado é uma balança caída no lado dos ganhos. Ganhei mais que perdi. Eu não acredito que perdi pessoas. Perdi coisas, objetos que representam valores, talvez. Eu tive dois casamentos. O primeiro foi precipitado, antes de minha maturidade, com uma mulher que não me entendia, não dava o menor valor para os meus valores, que tinha uma série de crenças de senso comum e me incluía neles. Por exemplo, eu sou formado em Física, amante da Física e das Matemáticas e nunca fui religioso. Então, para ela isso significava ausência de sentimentos, de sujeito materialista e nada subjetivo. Errado. Totalmente errado. E quando o casamento acabou, eu me mandei e deixei os valores concretos, como casa, mobília e outros objetos com ela. Eu, o sujeito sem valores subjetivos, deixei para ela os símbolos dos valores materiais. Perdi a convivência com os filhos, que ela pensava que precisavam se afastar de mim. E eles só voltaram a conviver comigo quando saíram de seus domínios e tornaram-se adultos. Perdi? Ganhei mais que perdi. Recuperei parte de minha essência. Casei-me de novo, ganhei novos afetos, nova família e isso durou até a parceira colocar suas ambições pessoais, individuais, acima dos valores comuns. E eu, inconsequente ainda, procurei outros afetos fora do relacionamento. E não percebi que isso estava criando uma lacuna em nossa vida. Quando dei conta do erro era tarde. O casamento acabou. Perdi? Creio que desta vez perdi mais que ganhei. Mas, de novo, recuperei minha essência. E agora com mais maturidade, mais compreensão do processo. Decidi morar sozinho. Só que não fiquei sozinho muito tempo. Comecei outro relacionamento, mais maduro, com mais vontade de acertar. E com a sólida decisão de não mais perder minha essência. Minha tranquilidade, meu sossego com a vida. E a pandemia que nos trouxe o distanciamento social está sendo fundamental para me manter ligado comigo mesmo, para me deixar aceso ao presente, ao aqui e agora. Estou ganhando de novo.

Tenho ainda coisas às quais devo me livrar? Sim, claro. Mas não são coisas materiais, não são pessoas. A gente não se livra das pessoas. A gente se livre de determinados problemas ligados àquelas pessoas, simbolizados por elas. E de que ainda quero me livrar? Quero me livrar de certas indecisões que ainda tenho; quero me livrar de situações às quais devo dizer não e ainda digo sim; quero me livrar de certas atividades que não gosto de fazer e ainda faço sem necessidade. Quero me livrar de alguns valores, algumas crenças limitantes que me impedem de agir de maneira rápido, decidida e definitiva, porque não quero mais perder tempo fazendo coisas de que não gosto e não quero. Simples assim.

Mas quero muito agradecer por todos os meus ganhos, todas as minhas alegrias, todas os meus aprendizados, todos os momentos em que recuperei mais um pouco de minha essência. Quero agradecer também por todas as minhas perdas. Porque elas me conduziram a meus livramentos e a outros ganhos que não teria se não tivesse perdido alguma coisa.

O QUE É PERFEITO?

O que é perfeito? Por mais perfeccionista que sejamos, a perfeição sempre estará acima daquilo que somos capazes de fazer. Hoje, por exemplo, é domingo. E o que seria um domingo perfeito nas circunstâncias atuais? E quais são as circunstâncias atuais?

Estamos vivendo uma pandemia de corona vírus, quase seis por cento da população brasileira está contaminada e este número só cresce e vai crescer muito. Não há como parar a contaminação sem colocar a população quieta em casa, sem fazer nada, e sem entrar em contato uns com os outros. O vírus circula e passa de uma para outro através da respiração e das gotículas de água que vêm com a respiração de cada um. E passa pelos objetos que são tocados e para as mãos que tocam esses objetos e das mãos para a respiração. É um círculo vicioso. Até que todos sejam vacinados não há outra forma de deter a circulação do vírus sem deter a circulação das pessoas. E para deter a circulação das pessoas é preciso dar a elas condições de viverem sem circularem. Isso deve política e plano de governo. 

Mas, como estou quieto em casa, posso me dar a esse luxo, por enquanto, o que seria um domingo quase perfeito? Seria a minha mulher se levantar e me dar um abraço com seu sorriso largo e seu corpo quente; seria eu terminar de fazer o móvel de madeira que iniciei ontem, seria almoçarmos com uma taça de vinho, seria terminar de ler a parte do livro que preciso ler até amanhã, seria ouvir música, cantar e dançar, seria escrever um capítulo perfeito para um livro qualquer. É a perfeição possível.

E quem sabe, receber uma boa notícia, uma grande notícia que viesse me dar um grande prazer e, melhor ainda, seria a notícia de novas possibilidades para a minha vida. O mais importante no momento é que tenho a mulher que eu quero na cama que eu escolhi, moro em uma casa que eu escolhi entre tantas outras, vivo em um local que eu escolhi, e levo a vida que eu escolhi. Lembrando que as escolhas são sempre dentro de nossos limites de possibilidades, evidentemente. Perfeito, não?

QUAL FOI A ÚLTIMA VEZ QUE FALOU COM SEUS PAIS?

Sempre visito a minha mãe, noventa e quatro anos. Agora menos, por causa da pandemia. Ela foi vacinada, mas eu e os outros que entram em contato com ela, ainda não. E ela mora com um neto, meu sobrinho, que, apesar dos cuidados e do trabalho em casa, sempre precisa sair, para sobreviver. Durante o dia ela tem a companhia de uma cuidadora, uma pessoa gentil que cuida dela e da casa. E à noite seu neto está com ela. E aos finais de semana tem sempre alguém lá, um dos filhos para ser exato. Minha mãe está bem. Apesar da idade, ela está bem lúcida, bem alegre. O bom humor sempre foi uma de suas características. Hoje em dia ela se lembra mais das coisas do passado mais distante, se esquece do que fez minutos atrás, faz parte da idade e também porque não podemos sair de casa. Tem um vírus lá fora matando pessoas e que nos mantém distantes dos parentes e dos amigos e de seus abraços. É este o momento que vivemos.

Eu passei em sua casa e lá fiquei durante meia hora. Ela gostou da visita, riu bastante e ainda contou alguns pequenos casos. O diálogo com ela, hoje em dia, tem sido de conversas curtas, ela não se lembra das coisas, mesmo assim consegue manter uma conversação razoável porque nós sabemos de que ela precisa. Ela precisa de carinho, de afeto. E ela vê isso em nossos olhos. Ela vê isso em meus olhos. Não demorei porque tinha outro compromisso. Como ela escuta pouco, não adianta telefonar para ela. Ela não entende o telefone. De vez em quando eu ligo em vídeo com quem está com ela. Assim ela me vê e a acompanhante traduz para ela o que eu falei. E assim se passam os dias atuais com minha mão. E respondendo à pergunta, eu falei com ela ontem.

Com meu pai eu falei a última vez em trinta e um de dezembro de dois mil e treze às dezenove horas e poucos minutos. Faz um tempo, não é? Eu cheguei em sua casa por volta de dezenove horas, entrei em seu quarto e ele estava deitado em sua cama. Quando me viu entrar sorriu para mim e pronunciou meu nome. Eu fiquei ao lado de sua cama até as vinte e duas horas, sentado a seu lado, olhando sua respiração até ela parar. Foi a última vez que falei com ele. Depois desse dia eu apenas sonhei com ele uma vez. E foi só. No entanto, ele é uma lembrança permanente em minha vida. Seu legado em mim é muito forte.

domingo, 10 de janeiro de 2021

SE VOCÊ FOSSE UM PERSONAGEM DE UM LIVRO, QUEM SERIA?

1.    Para responder essa pergunta eu preciso me lembrar dos livros que já li e dos personagens com os quis eu tenha me identificado. É mais fácil me lembrar dos personagens de filmes, dos heróis, a gente se identifica mais facilmente com eles porque, geralmente, a imagem visual é mais forte, é mais impressionante, para aqueles que são mais visuais. Então vou criar essas duas categorias: o personagem do filme e o personagem do livro.

O personagem de filme, que geralmente veem de um livro também, que mais me chama a atenção, é o Homem-Aranha. Eu já o marcara como meu personagem ainda jovem, nas histórias em quadrinhos. Porque já o identificava como alguém próximo, por causa do preço que ele pagava na vida para ser um herói, para ajudar a massa. Pelas suas perdas. Ele tudo perde: seu tutor e tio, o pai da namorada e até sua namorada. A gente torce para que, ao final, ele saia ganhando, mas a única coisa que ele ganha é sua vitória, mesmo que parcial, contra o bandido a quem ele persegue. Alguma justiça é feita, mesmo que para isso ele tenha que se virar emocionalmente com a solidão que vem depois, quando a vida se volta ao normal.

O personagem de livro, eu geralmente me identifico com aquele do livro que estou lendo. Neste caso seria o Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Ele também tem um enorme histórico de perdas ao longo de suas batalhas internas e externas. Já começa perdendo a mãe, ainda menino. Ganha amigos e amores, para perdê-los ao longo de sua travessia, inclusive seu amigo-amor Diadorim, que morre ao final, quando ele fica sabendo que Diadorim é uma mulher e não um jagunço homem. Essa é sua grande perda. Pelo menos ele reconstrói sua vida ao lado de uma outra mulher a quem ele conhecera no caminho, herda as fazendas do seu pai, que o assume como filho apenas na hora de lhe passar a herança. 


QUAL FOI A ÚLTIMA VEZ QUE FALOU COM SEUS PAIS?

Ontem eu estive em Nova Lima, bairro Cabeceiras, Rua Pio XII, 59. Visitei a minha mãe. Ela tem noventa e três anos e mora com um neto, meu sobrinho. Durante o dia ela tem a companhia de uma cuidadora, uma pessoa gentil que cuida dela e da casa. E aos finais de semana tem sempre alguém com ela, na maioria das vezes uma de minhas irmãs. Minha mãe está bem. Apesar da idade, ela está bem lúcida, bem alegre. O bom humor sempre foi uma de suas características. Hoje em dia ela se lembra mais das coisas do passado mais distante, se esquece do que fez minutos atrás, faz parte da idade e também porque não podemos sair de casa. Tem um vírus lá fora matando pessoas e que nos mantém distantes dos parentes e dos amigos e de seus abraços. É este o momento que vivemos.

Eu passei em sua casa e lá fiquei durante meia hora. Ela gostou da visita, riu bastante e ainda contou alguns pequenos casos. O diálogo com ela, hoje em dia, tem sido de conversas curtas, ela não se lembra das coisas, mesmo assim consegue manter uma conversação razoável porque nós sabemos de que ela precisa. Ela precisa de carinho, de afeto. E ela vê isso em nossos olhos. Ela vê isso em meus olhos. Não demoramos, minha mulher e eu, porque tínhamos outro compromisso. Como ela escuta pouco, não adianta telefonar para ela. Ela não entende o telefone. De vez em quando eu ligo em vídeo com quem está com ela. Assim ela me vê e a acompanhante traduz para ela o que eu falei. E assim se passam os dias atuais com minha mão. E respondendo à pergunta, eu falei com ela ontem.

Com meu pai eu falei a última vez em trinta e um de dezembro de dois mil e treze às dezenove horas e poucos minutos. Faz um tempo, não é? Eu cheguei em sua casa por volta de dezenove horas, entrei em seu quarto e ele estava deitado em sua cama. Quando me viu entrar sorriu para mim e pronunciou meu nome. Eu fiquei ao lado de sua cama até as vinte e duas horas, sentado a seu lado, olhando sua respiração. Foi a última vez que falei com ele. Depois desse dia eu apenas sonhei com ele uma vez. E foi só. No entanto, ele é uma lembrança permanente em minha vida. Seu legado em mim é muito forte.


QUAL É O PRÓXIMO LIVRO QUE VOCÊ QUER LER?

Exatamente ontem comecei a ler “Los cazadores de la unificación perdida” de H. F. Ranea Sandoval, Ediciones Colihue, Argentina. Um livro que fala de Ciências para os que se sentem jovens, ou seja, para mim. É um livro escrito por um físico argentino e que provavelmente vai contar uma história de uma parte importante da Física, justamente a que argumenta sobre as teorias de unificação das leis físicas.

E porque ler isso? Tenho duas razões para tal empreitada: primeiro, eu sou um físico de formação e adoro livros de divulgação científica sobre a Física, principalmente. Aprendi que as leis físicas nos ensinam muito sobe a vida. Se as pessoas tivessem paciência em estudar ciência, aprenderiam que a Física argumenta em torno dos fenômenos da natureza e os fenômenos da natureza têm muito a ver com a nossa vida pois somos partes dessa mesma natureza. Segundo, porque está escrito em espanhol e eu tenho um encontro marcado em menos de um mês com escritores de língua espanhola, pela internet, e preciso estar com a língua espanhola na ponta da língua, para me comunicar com estes escritores.

Sobre o livro em si, o título sugere uma busca, e parodia o filme “Os caçadores da arca perdida” que tem o Indiana Jones como protagonista. A busca em questão é a busca dos físicos teóricos em unificar as teorias da relatividade e da eletrodinâmica quântica, unificação que vem sendo tentada, sem sucesso, desde Albert Einstein. E que, provavelmente, dará fama mundial a seu autor. Imagino que o livro que continuarei a ler hoje se refere a alguns desses cientistas que buscam esta unificação.


O BLOCO DO SUJO E EU

Desde minha juventude saía no famoso Bloco do Sujo, de Nova Lima. Naqueles tempos era só aos domingos pela manhã. Eu, morador das Cabeceiras, não me fazia de rogado. Vestia roupas de minhas irmãs, que cuidavam também da maquiagem, e descia sozinho desde a subestação da Cemig, onde minha família residia de fato, até ... chegar na estrada, hoje Avenida Presidente Kenedy. Porque haviam outros do bairro que tinham a mesma sanha, a mesma vontade de se divertir de maneira diferente. Podem falar qualquer coisa de cunho psicológico, mas vestir-se de mulher no bloco do sujo era uma façanha.

A primeira parada para encontro de colegas travestidos era nos Três Coqueiros. Sim, haviam três coqueiros no local, em fila indiana, esse era o nome daquela encruzilhada. Mais tarde um coqueiro caiu de velho, ficaram dois, mudaram o nome do lugar com o tempo. Hoje não há nenhum coqueiro, o nome Dois Coqueiros se estabeleceu. A partir dos Dois (Três) Coqueiros a turma ia aumentando até chegar próximo ao Bicame onde a Banda do Zé Fuzil começava sua anualmente esperada opereta.

Era onde eu encontrava vários amigos, um bando deles sempre fantasiado de forma diferente e irreverente, um ano de enfermeiras, outro de colegiais, outro de professoras. Muitos desses amigos de juventude ainda estão por aí, muitos eu perdi de vista, um deles foi embora antes da hora, alguns ainda estão em minha mira. Muitos de nós fomos para a faculdade, formamo-nos e fomos trabalhar em outras cidades, cada um em uma localidade diferente, o que permaneceu foi o fato de nos encontrarmos todos os anos no Bloco do Sujo. Eu vestido com roupas não mais de minhas irmãs, mas de minha esposa na época, que também cuidava da maquiagem. Eles continuavam se apresentando de forma organizada. Meu objetivo também era o mesmo, encontrar aquela turma animada para brincar o carnaval.

Anos se passaram e a história se repetia. Encontrávamo-nos no Bloco do Sujo que em dado momento acrescentou os malditos trios elétricos. Herança do axé que de objetos sagrados dos orixás passou a dar nome a um estilo de música baiana difundida inicialmente (pelo menos ao que minha memória me informa) por Luís Caldas e pelos trios de Dodô e Armandinho. Coisa boa da Bahia, mas que aqui nos enchia de impaciência por não ter nada a ver com nossa cultura. Para nossa felicidade tempos depois os trios foram banidos do Bloco do Sujo.

Continuando minha narrativa, alguns de nós, residentes fora de Nova Lima e fieis frequentadores do Bloco do Sujo, continuamos nos encontrando anualmente, nos divertindo muito e contando muitos causos da vida em meios aos batuques da Banda. Eu mesmo residia na cidade de Viçosa e um desses meus amigos em Ipatinga. Porque eu o cito? Porque em um belo domingo de carnaval, eu me dirijo a ele e digo, com cara de espanto: Sabe de uma coisa, meu camarada? Há mais de dez anos que eu só te vejo vestido de mulher! E ele responde: Ora, e por acaso alguma vez nesses dez anos eu te vi vestido de homem?

E duro era voltar para as Cabeceiras depois de muito samba no pé (parece que não era só no pé pois o corpo todo doía), umas cervejinhas na cabeça e o sol das duas da tarde derretendo a maquiagem e o cérebro. E chegar em casa e ainda escutar da mulher: porque demorou tanto? Esqueceu o caminho de casa? Como dizia aquele bichinho, personagem de desenhos animados: Oh céus, oh vida!

 

SER FELIZ DEPOIS DOS SETENTA

  A pergunta que todos fazem, inclusive eu, é: “é possível ser feliz quando a idade já se representa por um número tão grande? Como? É bem p...