domingo, 20 de julho de 2025

O SILÊNCIO DAS PESSOAS IDOSAS

 


— Quantos anos eu tenho?

— Noventa e nove anos, mãe. Ano que vem será uma centenária.

— Nossa! Pra que viver tanto? Eu sempre fui tão ativa e hoje não dou conta de fazer mais nada.

— Tem problema não, mãe. Você já fez muito. Hoje tem muita gente que possa fazer por você. E ainda vai viver um tempo, você não tem nada! Mais forte que um carvalho velho!

— Pois é, quantas pessoas de minha idade têm a saúde que eu tenho?

O que é verdade. Seus indicadores de saúde são ótimos. Os medicamentos que toma são apenas dois: um contra a osteoporose pela manhã, um ansiolítico à noite para combater sua ansiedade e dormir melhor. Anda com ajuda de um andador por causa das artroses e está quase completamente surda. Temos que falar alto e bem perto dela e ter a sua atenção para que nos ouça. Ainda se alimenta com suas próprias mãos e detesta tomar banho. Já acostumamos com a costumeira reclamação: hora do maldito banho. Alguns amigos dizem o mesmo de seus pais idosos — por que não gostam de tomar banho?

Até mais de oitenta anos atuava como atriz em um grupo de teatro amador do SESC-BH. Ficava empolgada com o teatro e com sua própria atuação e de seus colegas, quase todos e todas pessoas idosas. E apresentavam em teatros, escolas, hospitais e presídios. Quando a direção do SESC encerrou as atividades do grupo, por redução de despesas, veio a depressão.

Foi quando assistimos aquela mulher falante, ativa, inteligente e dinâmica ir declinando pouco a pouco: a depressão, a morte do marido, o isolamento por causa da pandemia, a surdez, a solidão. Claro, nunca está sozinha, tem sempre alguém da família com ela, vinte e quatro horas por dia. Mas isso não aplaca a solidão, que está dentro e não no entorno. Onde estão os amigos e amigas, os parentes de mesma geração, as vizinhas que vinham lhe visitar e pedir conselhos?  (Sim, ela dava até conselhos matrimoniais: — a gente tem que fingir que não viu e que não escutou.) Restaram alguns poucos, muito poucos, ninguém tão idoso quanto ela, mas que já se retiraram à suas solidões acompanhadas.

Em alguns momentos, à mesa do café da manhã, conta algumas histórias:

— Quando eu era moça e trabalhava em Belo Horizonte, no Bairro Santa Efigênia, eu era muito conhecida, porque eu ajudava todo mundo que me pedia. E quando teve a inauguração do Edifício Acaiaca eu estava lá para assistir. Foi quando o Jucelino Kubitschek, que era o prefeito, me reconheceu e me chamou para cortar a fita com ele. (Até onde é verdade, até onde é invenção?)

— Que chique, hein mãe? Amiga do JK!

Ainda lê o jornal todas as manhãs, sem óculos depois da cirurgia de catarata, mas não lembra mais do que leu, minutos depois.

— As notícias são as mesmas de ontem. Não muda nada.

Nesta semana ela estava à janela e percebeu a chegada de alguém no portão. De sua posição não reconheceu quem chegava e me chamou:

— Tem um mendigo na porta, vai ver o que ele quer. Acho que ele quer café.

— Mãe, é J. Um de seus muitos filhos (tem cinco filhos e quatro filhas).

Ela ri, recebe o filho com alegria, e depois volta ao silêncio, em sua cadeira preferida à beira da janela.

Ao silêncio! Ensurdecedor! Só posso ficar em silêncio também. A seu lado, segurando sua mão. De vez em quando ela me olha, E sorri.


O SILÊNCIO DAS PESSOAS IDOSAS

  — Quantos anos eu tenho? — Noventa e nove anos, mãe. Ano que vem será uma centenária. — Nossa! Pra que viver tanto? Eu sempre fui tão ...