sábado, 11 de abril de 2015

EM 1968


11 de abril de 2015

Em 1968 eu tinha 15 anos e estudava no primeiro ano científico do Colégio Estadual Augusto de Lima, em Nova Lima, e tinha um cargo, hoje penso que  pitoresco, de tesoureiro da União Novalimense de Estudantes Secundários, a UNES (não a UNE). Minha carreira política durou só alguns meses, com o AI-5 os grêmios estudantis foram desfeitos, clandestinizados, enfim, desaparecidos arbitrariamente. Sendo menor de idade salvei-me de qualquer expurgo mais grave.

Eu já tinha noção dos acontecimentos políticos, meu pai era politizado, fã de João Goulart e de Leonel Brizola, frequentava sindicatos e a casa de Dazinho, já deputado, sempre aos domingos quando em família íamos à missa na Igreja de Santo Antônio, no Retiro. Morando nas Cabeceiras a caminhada diária à escola e à missa aos domingos era bem comprida. E eu rodava toda a cidade vendendo verduras até o ano anterior a esse.

Aos 15 anos eu fui também trabalhar como contínuo na agência do Banco Mercantil da cidade (será por isso me convidaram para tesoureiro?). Um dos meus trabalhos era entregar promissórias e avisos de cobrança aos devedores do banco. Moleque de 15 anos, andava por toda a cidade, entrava em todos os becos para avisar as pessoas as datas de vencimentos de suas dívidas. A maioria me recebia muito bem. Um deles, no entanto, dono de uma funerária, sempre me xingava. Eu dava um sorriso para ele, dizia que não era minha culpa, apenas entregava a cobrança, às vezes ele ria também, às vezes me olhava sério atrás de sua proeminente barriga, e ficava por isso mesmo.

Eu gostava mesmo era de entregar cobrança na casa de Maria Leite, dona do bordel da cidade, a quem chamávamos de Mary Milk, pessoa muito amável. Eu era sempre bem recebido e ainda me deparava com mulheres com roupas miúdas, à vontade, com as pernas de fora, já se aprontando para o trabalho da próxima noite. Elas não se incomodavam com minha presença. Apesar de ter apenas 15 anos eu era aceito ali porque, na verdade, eu representava o banco. Certa vez cheguei na hora do lanche da tarde e tive o prazer de ser convidado à mesa e muito ri com os casos que elas contavam.

Nessa idade também iniciei minha vida amorosa. Eu não tinha a menor ideia de como me aproximar de uma garota, como iniciar uma conversação que pudesse terminar em um abraço ou um beijo até que, certa noite, no intervalo das aulas, uma colega se aproximou e perguntou se eu aceitaria namorar com a Soninha, uma amiga dela, para quem ela fazia o pedido. O meu primeiro namoro não foi por iniciativa minha, uma garota pede a outra para pedir a minha mão em namoro. Tinha que ser diferente. E eu mal conhecia a Soninha, apenas que era amiga e vizinha da minha colega, e tinha 13 anos. A família dela não queria saber de namoro, óbvio, ela era muito nova, mas as amigas davam um jeito de saírem juntas e assim, podíamos nos encontrar na praça Bernardino de Lima, local de muitos encontros e muitos namoros.

Esse namoro não durou muito, lógico, mas foi o pontapé inicial de uma vida amorosa bem pródiga, naquela cidade de mulheres interessantes, onde eu cresci e virei gente.

Depois que deixei o banco, no mesmo ano de 1968, nunca mais voltei à casa de Maria Leite. Eu não buscava nada lá, apenas entregava cobranças de dívidas do banco. Fiquei só com a imagem daquelas mulheres no café da tarde, andando de camisolas pela casa durante o dia, conversando banalidades e rindo. Felizes? Era o que parecia.

Enquanto isso, a ditadura militar fazia seus estragos e suas atrocidades, prendia pessoas sob argumentos de subversão da ordem, eu nem sabia direito o que significava. Coisa boa não podia ser, dados os xingamentos de meu pai e o sumiço de alguns amigos.


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