terça-feira, 14 de abril de 2015

ENTRE 1968 E 1970, NA ESCOLA


13/042015

Entre 1968 e 1970 eu cursava o terceiro ano científico, o ensino médio na nomenclatura de hoje. Não éramos muitos. O ensino médio público e gratuito era recente, a minha turma foi uma das primeiras daquela escola. Tinha muito espaço, salas de aula razoáveis, um pátio grande e um ginásio de esportes. E tinha um vigilante, chamado de disciplinário, cuja função era evitar gazeta durante o horário de aulas, impedir que os alunos entrassem depois da hora sem uma razão justificada e assinada por quem fosse responsável, e impedir também que os alunos fossem embora mais cedo, antes que a aula terminasse. Nisso ele fracassava porque nosso esporte favorito era vigiá-lo para fugirmos pelos fundos da escola, passando atrás da quadra de esportes e saltando o muro. O muro dava para um matagal à beira do Rego Grande (nome do córrego canalizado). Nós já tínhamos limpado os caminhos nesse matagal para passarmos sem problemas. Os professores eram bons em sua maioria, alguns com boa formação, outros muito esforçados.

A minha turma de primeiro ano era bem grande, na verdade eram duas turmas que às vezes tinham aulas em conjunto, às vezes se dividiam. Uma turma tinha um reforço em Biologia, outra tinha um reforço em Matemática. A escola, teoricamente, nos preparava para os exames vestibulares de áreas de ciências biológicas e saúde, uma turma, e de ciências exatas e engenharias, a outra. Quando cursávamos a metade do segundo ano a UFMG instituiu o vestibular unificado e tivemos que estudar de tudo, com atraso em Biologia, mas uma professora se dispôs a nos ajudar e compensar o atraso.

Minha turma de terceiro ano, em 1970, tinha apenas 17 alunos, 10 rapazes e 7 moças. Fazíamos muitas festas e a professora de Biologia nos acompanhava nas festas. Eu sempre dançava com ela, conversávamos muito e começamos a namorar. Foi um caso sério. Ela era cinco anos mais velha que eu, minha professora, filha do vice-prefeito da cidade, morava em bairro de classe média alta, e tinha um fusquinha verde. Eu? Um monstrinho da periferia: sem dinheiro, cabeça grande e magrelo, só tinha dois pares de roupa, um no corpo outro entre o cesto de roupa suja e o varal, escutava Beatles, Milton, Chico e Vandré e não torci para a seleção brasileira de futebol, por motivos políticos, até ela entrar em campo.

Namorar, para mim, era uma farra. Eu era muito irresponsável com isso e fui muito irresponsável com aquela mulher, delicada e educada, poderia ter sido uma grande companheira. No ano seguinte, já na faculdade, outras mulheres me interessaram e eu a deixei, sem mais nem menos. Eu só fui pensar no fato anos mais tarde, quando percebi que minhas escolhas da ocasião não foram as melhores, mas foram minhas escolhas e eu não podia lamentar isso. Porque não se volta no tempo, só em algumas ficções em que o enredo sempre acaba mal. O tempo sempre coloca uma penumbra intransponível na história.


Eu só a reencontrei uns trinta anos mais tarde e ela tinha o mesmo sorriso. Conversamos animadamente como se tivéssemos nos visto na semana anterior. Mas, de novo, não nos vimos mais. Talvez mais trinta anos. 

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