Estou com o ego quebrado. Meu ego atlético sucumbiu ontem.
Sempre me colocava no time das pessoas que não tem nenhum problema físico
importante, com os indicadores de saúde em alta devido a diversos fatores,
genético entre eles, ampliados pela escolha de uma vida saudável. De repente,
isso muda durante um evento simples, desses que me dá muito prazer exatamente
por ser uma afirmação objetiva dessa condição e alimentador do ego. Fui correr
minha quilometragem do dia. Com uma diferença: estou em Palmas – TO, vim
visitar filhos e netos, passar um fim de semana tranquilo. Chovia (chove nesta
época do ano), temperatura vinte e três graus, muito bom para a cidade que bate
os quarenta graus nos dias quentes sem chuva. Fui correr assim que a chuva
parou. Da casa de minha filha até o Parque Cesamar (https://www.tripadvisor.com.br/Attraction_Review-g668997-d2414458-Reviews-Cesamar_Park-Palmas_State_of_Tocantins.html)
são uns dois mil e quinhentos metros, no parque tem uma pista de corrida e
caminhada de dois mil e seiscentos metros, então, ida e volta corresponde a um
pouco menos de oito quilômetros, algo dentro de minha performance. Estou um
pouco fora de forma, herança do braço direito engessado por causa de uma
fratura idiota no dedo mindinho da mão direita, mas eu me controlo para que não
passe dos limites. E como sei controlar o fôlego através da respiração, eu me
sentia muito bem nesse exercício.
Ainda não sei se aí que mora o perigo ou se esses
acontecimentos são frutos simplesmente do cisne negro que passou à minha frente
naquele momento (in)oportuno. Devia ter corrido aquele tanto sem estar em boas
condições físicas? Meu instinto para perceber situações de risco está afinado
com os acontecimentos, com a minha percepção? Devo acreditar em minha leitura
dos sinais que meu corpo emite sobre minhas condições momentâneas? Hoje estou
cheio de perguntas, de dúvidas que não tinha ontem.
O que aconteceu exatamente? Ainda não tenho essa resposta,
nem sei se terei. Durante minha corrida eu me senti muito bem, o corpo
respondia satisfatoriamente ao ritmo imprimido desde o início. Na volta para
casa, faltando um quilômetro para chegar a meu destino tive uma forte vertigem
e comecei a me sentir muito mal, repentinamente. Parei de correr e caminhei
lentamente o último quilômetro. Chegando à casa de minha filha eu me sentei e a
funcionária da casa, que já trabalhou como assistente de enfermagem, tentou
medir minha pressão e meu batimento cardíaco e não conseguiu. Chegou então
minha filha, médica, também tentou medir minha pressão e não conseguiu. Ligou
para um cardiologista conhecido dela, colega médico de trabalho, disse-lhe o
quadro, e ele mandou que me levasse ao Hospital Geral de Palmas imediatamente,
ele estava de plantão lá, que me atenderia. Foi assim que dei entrada no
hospital, sentado em uma cadeira de rodas pela primeira vez em minha vida e
foram logo me deitando em uma maca na sala de hemodinâmica, colocando vários
eletrodos em meu peito e tentando medir meus sinais.
Pelo número de enfermeiros que surgiram para ajudar percebi
que a coisa era feia. A pressão arterial estava em duzentos e trinta por cento
e cinquenta e o batimento cardíaco em duzentos e dez. Puta merda. E não
conseguiam furar minha veia para introduzir o medicamento. As linhas do
eletrocardiograma eram totalmente irregulares e o médico diagnosticou uma taquicardia supraventricular com repercussões hemodinâmicas. Furaram-me em vários
lugares onde passava a artéria visivelmente, inclusive na jugular, não havia
fluxo sanguíneo para puxar o soro colocado. O médico já se preparava para fazer
um corte em minha virilha para se chegar à artéria quando um enfermeiro avisa
que conseguiu chegar à minha veia do pé esquerdo e o medicamento começou a
fluir.
O curioso vem em seguida. Com a introdução do medicamento em
minhas veias, a pressão sanguínea baixou para cento e dez por oitenta e os
batimentos cardíacos desceram para setenta bpm. Como uma mágica. E eu voltei a
meu estado natural. Qual a explicação para isso? Segundo o médico há em meu
coração uma via anômala. O sinal eletro-cardíaco passou por essa via anômala em
vez de passar pelo nó sinusal, que controla os batimentos cardíacos
colocando-os nos níveis normais. Isso fez subir meus sinais. Parece que essa
via anômala é algo congênito, tenho-o e não sabia, e ele nunca antes se
manifestou. Só agora, aos meus sessenta e dois anos e onze meses de vida.
Porque aconteceu agora? Que relação com a corrida? Que risco corri? Segundo os
médicos presentes eu permaneci, durante uma hora e meia, mais ou menos, com
batimentos e pressão em níveis altíssimos e não morri, nem tive um AVC, por
causa de minha condição atlética. Ou
seja, eu vi a vó pela greta e nem percebi. Eu estava tranquilo, sem entender
porque tanta gente em minha volta, porque os olhares assustados de minha filha
e meu genro.
E aí vem o fator acaso que nos faz tanto pensar. Por acaso
foi a primeira vez que senti isso, por acaso eu estava em férias na casa de
minha filha e ela é médica e percebeu a gravidade da situação, o que eu não
perceberia se estivesse em minha casa ou em meu escritório, por acaso eu estava
em uma cidade pequena a poucos quarteirões do hospital, por acaso o médico de
plantão naquele hospital é um dos melhores cardiologista hemodinamicistas da
cidade, por acaso tinha um leito vago na enfermaria da hemodinâmica, por acaso
o atendimento local foi super eficiente, por acaso eu sou muito saudável para a
minha idade. Muitos acasos simultâneos e eu sou um cara de uma puta sorte.
Saí do hospital no mesmo dia, depois de três horas de
observação, os sinais voltaram todos ao normal, e eu me senti como se tivesse
corrido uma maratona. O que, de fato, representa uma hora e meia com batimentos
a duzentos e dez e pressão a duzentos e trinta por cento e cinquenta. Mais até
que uma maratona. E agora José? Caso ou compro uma bicicleta? Tenho que
consultar um cardiologista, fazer um cateterismo que irá até a tal via anômala
e cauterizá-la. Simples? É o que dizem.