Eu não tive uma vida de estudante muito movimentada,
como outros estudantes contemporâneos. Meu tempo era muito curto para tudo que
eu tinha vontade de fazer. Eu era um caboclo de interior, protegido pela
família que, de repente, se vê largado no mundo. Além de frequentar a
universidade, estudar o mínimo para obter boas notas, eu tinha que trabalhar.
Não tinha mesada, pelo menos não me era cobrada ajuda financeira em casa. Eu
não teria dado conta. Eu gostava do curso, Física, mas não era daqueles ratos
de laboratório, nem de biblioteca. Fazia o mínimo. Dava aulas em colégios de
ensino médio, tinham outro nome na época, mas como escrevo hoje para leitores
de hoje, fica nominado assim mesmo: ensino médio. Comecei em duas escolas
estaduais em Rio Acima (MG), e uma escola estadual em Nova Lima (MG). Dava
aulas de Física, Matemática e Desenho Geométrico. Depois comecei em uma escola
do Sindicato dos Hidrelétricos, o sindicado dos funcionários da Cemig, empresa
em que meu pai trabalhava. Aliás, foi ele quem me arrumou esse trabalho. Gostei
de lá. Tinha uma amiga legal lá, professora de Português, cujo nome era Maria
da Luz (creio), apelidada Malu. Mais velha que eu, mas nos dávamos muito bem.
Ela me acompanhava pela cidade de BH, poderíamos ter namorado, mas eu tinha uma
namorada que me ocupava todos os fins de semana. Era ingênuo, só bem mais tarde
caiu a ficha de que a Malu se interessava por mim. Nunca mais a vi. Incrível
como isso acontece tantas vezes em nossa vida. Pessoas que um dia amamos e que
desaparecem sem deixar vestígio. Confesso que a culpa é minha. Creio que eu as
abandono.
Depois comecei a dar aulas em um colégio no bairro
Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, no Colégio Padre Machado e no Izabela
Hendrix. Nesses dois últimos tive experiências marcantes. Um tanto negativa no
primeiro e muito positiva no segundo. No Izabela Hendrix vivi histórias
interessantes. Namorei duas alunas e uma professora. Quase ao mesmo tempo. Com
a professora, de Física, tive um relacionamento muito interessante. Nos dávamos
muito bem, éramos muito amigos e procurávamos estar sempre juntos. Descobrimos
que éramos melhor amigos que namorados e passamos a ser apenas amigos. E durou.
Até quando fui para a França, muitos anos depois. Escrevíamos cartas bem
alegres e engraçadas, mostrando nosso lado bem humorado. Depois as cartas
sumiram. Totalmente. Quando voltei eu a procurei. Não encontrei. Algum tempo
depois fiquei sabendo que tinha falecido. De câncer. Fiquei muito bravo com
ela. Morreu e não me avisou. Eu não conhecia sua família, então não houve,
certamente, como me avisar. Sua família não me conhecia, sequer sabia de minha
existência. E amigos em comum também não tínhamos. Mais uma perdida na
passarela do tempo.
Eu sempre jantava no restaurante escola de
Engenharia. Era perto de minha moradia. Lá conheci várias pessoas, fiz muitos
amigos. Alguns eram militantes políticos. Lembrem-se, era ditadura militar e a
vigilância aos estudantes era muito pesada. Tive amigos e colegas que foram presos,
outros morreram. Eu não participava muito, estudava, trabalhava e tinha uma
namorada em Rio Acima, onde passava os fins de semana. Esta era, é ainda, uma
cidade pequena, com belos lugares para passear, com pessoas amigas e também
conversadeiras sobre a vida alheia. Era uma vidinha descansada, às vezes boa,
às vezes monótona. Vivi bons momentos lá, casei-me com essa namorada assim que
me formei, um dos meus equívocos grandiosos. Tive uma filha e um filho. Amo os
dois. A ex-mulher é mais uma que sumiu de minha vida, hoje a vejo de vez em
quando porque somos avós dos mesmo netos. Nos tempos de estudante eu a via nos
fins de semana, no meio de semana estávamos em cidades diferentes, eu
aproveitava sua ausência para curtir outras mulheres.
O que eu mais gostava de fazer nesses tempos era ir
ao cinema, mais de uma vez por semana. Eu conhecia filmes, atores, diretores,
diretores de fotografia, roteiristas, tudo que dizia respeito a meus filmes
favoritos. Alguns nome me vem à cabeça: Caubói da Meia Noite, Easy Rider,
Alice’s Restaurant, A Hora e a Vez de Augusto Matraga (assisti esse várias
vezes), Deus e o Diabo na Terra do Sol e outros filmes de Glauber Rocha. Claro,
tinha também as chanchadas brasileiras, onde vimos as primeiras cenas de nudez
no cinema brasileiro. Éramos cabeças
inteligentes mas assistíamos tudo. O fato de morar no centro de BH, na Rua dos
Caetés número cem, me facilitava a vida. Era perto de tudo que eu fazia, não
perdia tempo em transporte (baita saudade), restaurantes do centro funcionavam
vinte e quatro horas, alguns deles, a vida cultural acontecia ao lado, as
notícias desencontradas de desaparecidos políticos chegavam até nós.
Mas eu queria mesmo era namorar. A memória me traz as
visagens dessas moças, mas não me lembro do nome de muitas delas. Perderam-se
no túnel quântico da vida. Algumas eu procuro hoje nas mídias sociais. Fico
surpreso como algumas desapareceram mesmo, viraram fumaça interativa, em outros
lugares. Não sei onde. Quem sabe um dia ainda as encontro? Encontrei tantas
pessoas depois de tanto tempo. Como sabemos, a Internet não trouxe nenhuma
novidade do ponto de vista comunicacional, apenas tecnológico e emocional.
Minha narrativa chegará até lá, espero. Ainda bem que não estou autorizado a
escrevê-la. Escrevo de teimoso. E curioso.
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