E
Santiago fez noventa anos. A vida dele se liga à minha como eu mesmo, talvez,
jamais imaginasse. Ele esteve presente na minha infância e juventude e seus
filhos se ligaram a mim por toda a vida. Éramos vizinhos, morávamos em um pátio
isolado dentro de uma subestação de distribuição de energia elétrica, sem muito
contato cotidiano com a vizinhança, que era pouca, e nos víamos todos os dias.
Aquelas coisas de vizinhos, encontrar na rua, brincar junto, brigar uns com os
outros mas correr uns para perto dos outros em qualquer pequeno contratempo.
Mas Santiago, vinte e sete anos mais velho que eu, adora futebol. Como eu. E, à
medida que os pequenos iam crescendo, íamos formando nosso time de pelada. Era
ele para um lado, eu para o outro. Porque éramos os mais velhos, tínhamos mais
intimidade com a redonda e éramos donos da “caixa de ferramentas”. Depois tinha
Marcinho e Júlio, os mais novos, nos dois gols e os demais eram distribuição
conforme o dia e as presenças. Edilson, Eduardo e Guilherme, os mais técnicos,
de maior domínio das jogadas, mais dribladores, e armadores de boas jogadas.
Zezé, Edison e José Roberto mais durões, mais raçudos e necessários em qualquer
time. Se tínhamos seis em campo já dava uma boa disputa. Às vezes contávamos
com alguns meninos da vizinhança, mas nem sempre. E todos os dias, mais tarde
ou mais cedo conforme a estação, nos reuníamos no pátio para uma pelada. Até
escurecer.
Crescemos,
mudamos, nossas casas foram demolidas, cada um foi para um canto da vida, mas a
reunião esporádica nos enche de alegria e emoção. Nunca vi turma mais emotiva e
chorona. Homens e mulheres. Não tem como encontrar um deles e não derramarmos
algumas lágrimas. Dizem que amizade se mede com esses indicadores objetivos:
quanta comida comemos juntos, quantas lágrimas derramamos juntos e quantas
risadas demos juntos. Temos todas essas medidas no limite máximo.
Hoje
foi um desses dias, Santiago fez noventa anos, uma boa desculpa para nos
encontrarmos. E comemos juntos, e choramos juntos e rimos juntos. E hoje
dançamos juntos também. Todos dançamos. Dancei com as matriarcas, Alzerina e
Jandira, dancei com os amigos de infância, dancei junto e dancei sozinho.
Santiago se lembra de uns e não se lembra de outros, normal para a idade.
Alzerina está feliz como uma menina, forte e lutadora como uma jaguatirica. E o
time de pelada se reuniu completo, mais uma vez. Ninguém aguenta mais correr
atrás da bola, corremos atrás das alegrias e corremos para manter longe, bem
atrás de nós, nossas tristezas. Mas estávamos lá. Só faltou o Zezé Rodrigues,
com sua alegria e sua porra-louquice doce de sempre. Mais uma vez comemos,
rimos e choramos. E dançamos. Meus irmãos de sangue e de vida, eu vos amo.
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