Em março de
1998 estive presente no Espaço de Exposições da Porta de Versalhes, em Paris,
porque ali acontecia o Salon du Livre que, naquele ano, homenageava a
literatura brasileira. Tive a oportunidade de conferir o lançamento de obras de
autores como Chico Buarque, Lygia Fagundes Teles e outros que, mesmo não sendo
os meus preferidos, como José Sarney lançando Maribondos de Fogo, e Paulo
Coelho com seu Alquimista, estavam ali representando nossa cultura. Fui assistir à palestra de Lygia Fagundes Teles, que discursava sobre o poder das
palavras e o cuidado que os escritores devem ter ao fazer suas escolhas, quando
os assentos livres a meu lado foram ocupados. Viro a cabeça e quem eu vejo? A
atriz Catherine Deneuve, a Belle de Jour, e uma assessora. Fiquei com ouvidos
em Lygia, nariz em Catherine, para sentir seu perfume, e olhos entre as duas.
Por que
estou a lembrar-me disso? Anos mais tarde, já de volta ao Brasil e residindo em
Belo Horizonte, fui chamado a correr até a casa de minha irmã, 2 km próximos,
porque seu filho havia tentado se matar. Não corri, voei até lá e ajudei-a a
conduzi-lo até a Unidade de Pronto Atendimento, por sorte bem perto. Ele se
tratava de uma forte depressão e engoliu todos os medicamentos prescritos de
uma vez. Uma lavagem estomacal deu conta de trazê-lo de volta à vida.
Comecei,
então, a dedicar-lhe os poemas que passei a escrever sobre a importância dos
pequenos prazeres. Cada um que escrevia eu lhe enviava e todos eles terminavam
com uma reverência à vida e à importância de manter-se vivo. Em um deles eu
comentava a respeito daquele famoso encontro entre Lygia, Catherine e eu.
Brindemos
nossas musas, Cecéu,
pela eternidade delas através de nosso testemunho.
Viver nelas (como escreveu Yoko Ono)
é uma dádiva e uma necessidade.
Cecéu tinha menos
de vinte anos, sobreviveu, formou-se em Psicologia e hoje cuida de pacientes
mentais em situação de risco em uma cidade do interior de Minas Gerais. Mas, os
suicídios continuam um grande problema. Enquanto os jovens suicidas são bem
sucedidos no ato em 1 a cada 200 tentativas, as pessoas idosas suicidas têm
sucesso em sua própria morte em 1 a cada 4 tentativas. Porque eles planejam
melhor a própria morte e, em geral, vivem solitários. Quando são encontrados já
estão mortos.
O que mais
nos chama a atenção é o grande número de pessoas idosas que se matam: uma média
de 1200 suicídios de pessoas idosas, por ano, no Brasil. O caso mais próximo a
mim, foi a de um conhecido conterrâneo, ex-vereador e ex-secretário de cultura
da cidade, que se matou recentemente, causando comoção. Em princípio, a família
negou o suicídio, alegou infarto fulminante, o que foi desmentido pelo laudo
médico. Esconder o fato apenas leva a subnotificações e esconde, na verdade, o
grande problema.
Causas
reais? O padrão, depressão. Outras causas são também o alcoolismo (o que
justifica um número maior de suicídios entre pessoas idosas do sexo masculino,
segundo professores do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da
UFMG), as dores crônicas e o diagnóstico de demência. As mortes autoinfligidas
de pessoas famosas como os atores Flávio Migliaccio (aos 85 anos) e Walmor
Chagas (aos 82 anos) trouxeram o assunto à discussão, mas nada mudou, porque
mudanças exigem ações mais contundentes, as quais não conseguimos
realizar, ainda.
É possível
reduzir, até mesmo evitar, a morte por suicídio de pessoas idosas? Entre os
profissionais de cuidados, não apenas de pessoas idosas, há até um slogan
conhecido que mostra um provável caminho - proteger as pessoas contra os 4 D:
desespero; desesperança; desamparo; três fatores que levam ao quarto, a
depressão. E a depressão, por sua vez, pode conduzir ao suicídio. Os primeiros
sintomas visíveis desses 4 D são a tristeza, a falta de vontade de fazer as
coisas de sempre e a falta de prazer no cotidiano.
Assisti
recentemente um documentário sobre cinco lugares no mundo onde há um grande e
incomum número de pessoas centenárias, os denominados Zonas Azuis. Esses
lugares são: Okinawa, no Japão; Sardenha, na Itália; Nicoya, na Costa Rica;
Loma Linda, na Califórnia; e Ikaria, na Grécia. Em cada um desses lugares
fatores culturais e ambientais ajudam a promover a longevidade saudável, cada
um deles com suas características especiais. Os documentaristas, no entanto,
resumiram as regularidades dos casos em cinco, que descrevo aqui dando a minha
interpretação.
O primeiro
deles é o movimento. De novo, encabeçando a lista, a atividade física
regular, leve, de todo dia. Aquela caminhada despretensiosa, o agacha-levanta
das atividades comuns que, além de tudo, ajudam no sono regenerador das
energias.
A visão do vale
depois de subir a montanha
ao pôr-do-sol que se
apresentava
valeu alguns anos de minha
existência.
O segundo é
a presença de jardins e quintais. Eles têm múltiplos benefícios, pois ajudam na movimentação necessária e no cuidado com a alimentação. A boa
alimentação é sempre o segundo fator de todas as listas de ajuda ao
envelhecimento saudável.
Jeito mineiro de viver
perigosamente:
comer couve longe de seu
quintal,
roubar muda de flores em
jardins alheios.
O terceiro tem
a ver com os trabalhos manuais, quem diria? Fazer as coisas com as mãos
é terapêutico, pode provocar movimentos, treina a concentração e ajuda a
melhorar a saúde mental. Trabalhar com as mãos não é negar a tecnologia, mas
pode ser também usar a tecnologia a favor de novas artes. Escrever, que é o meu
caso, também se encaixa neste quesito.
Escrevo meus versos para
aprender
a encontrar a inspiração
para melhor escrever.
O quarto é
viver com menos estresse. Todos os itens anteriores ajudam a se
estressar o menos possível. Fazer uma boa gestão da ansiedade e do estresse
exige uma mudança de paradigma no modo de vida que é, principalmente, fazer uma
boa gestão do tempo e da energia necessária para todas as atividades. A saúde
mental agradece, óbvio.
Tenho a calma artesanal
de quem fabrica vácuos
e cheira tolerâncias na
atmosfera!
O quinto
item da lista resume, a meu ver, todo este bem viver: fazer da vida um ritual
sagrado. E isso vai muito além dos rituais religiosos. A oração é apenas
uma das possibilidades. Os rituais sagrados incluem a respiração consciente, a
meditação, a dança, a amizade, o cuidado com os outros, os risos, o ritual
alimentar, o amor e a sedução, entre outras possibilidades.
Deuses, escambo mil vidas
por esses momentos mágicos
de convivência, amor e
prazer.
É possível
se tornar centenário sem as mazelas da idade? Sim, é possível, mas não
sozinhos. É uma questão de vida em comum, de sociedade, de poder público, de
cultura, de vida em família, de valorização da vida, de abraçar a causa em
conjunto com a Urbis.
Não nos
deixem sós. Gostamos, e precisamos, de viver com amigos e familiares. Felizes,
enfim.
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