quinta-feira, 7 de setembro de 2023

O SETEMBRO AMARELO DA PESSOA IDOSA

 

Em março de 1998 estive presente no Espaço de Exposições da Porta de Versalhes, em Paris, porque ali acontecia o Salon du Livre que, naquele ano, homenageava a literatura brasileira. Tive a oportunidade de conferir o lançamento de obras de autores como Chico Buarque, Lygia Fagundes Teles e outros que, mesmo não sendo os meus preferidos, como José Sarney lançando Maribondos de Fogo, e Paulo Coelho com seu Alquimista, estavam ali representando nossa cultura. Fui assistir à palestra de Lygia Fagundes Teles, que discursava sobre o poder das palavras e o cuidado que os escritores devem ter ao fazer suas escolhas, quando os assentos livres a meu lado foram ocupados. Viro a cabeça e quem eu vejo? A atriz Catherine Deneuve, a Belle de Jour, e uma assessora. Fiquei com ouvidos em Lygia, nariz em Catherine, para sentir seu perfume, e olhos entre as duas.

Por que estou a lembrar-me disso? Anos mais tarde, já de volta ao Brasil e residindo em Belo Horizonte, fui chamado a correr até a casa de minha irmã, 2 km próximos, porque seu filho havia tentado se matar. Não corri, voei até lá e ajudei-a a conduzi-lo até a Unidade de Pronto Atendimento, por sorte bem perto. Ele se tratava de uma forte depressão e engoliu todos os medicamentos prescritos de uma vez. Uma lavagem estomacal deu conta de trazê-lo de volta à vida.

Comecei, então, a dedicar-lhe os poemas que passei a escrever sobre a importância dos pequenos prazeres. Cada um que escrevia eu lhe enviava e todos eles terminavam com uma reverência à vida e à importância de manter-se vivo. Em um deles eu comentava a respeito daquele famoso encontro entre Lygia, Catherine e eu.

 

Brindemos nossas musas, Cecéu,
pela eternidade delas através de nosso testemunho.
Viver nelas (como escreveu Yoko Ono)
é uma dádiva e uma necessidade.

 

Cecéu tinha menos de vinte anos, sobreviveu, formou-se em Psicologia e hoje cuida de pacientes mentais em situação de risco em uma cidade do interior de Minas Gerais. Mas, os suicídios continuam um grande problema. Enquanto os jovens suicidas são bem sucedidos no ato em 1 a cada 200 tentativas, as pessoas idosas suicidas têm sucesso em sua própria morte em 1 a cada 4 tentativas. Porque eles planejam melhor a própria morte e, em geral, vivem solitários. Quando são encontrados já estão mortos.

O que mais nos chama a atenção é o grande número de pessoas idosas que se matam: uma média de 1200 suicídios de pessoas idosas, por ano, no Brasil. O caso mais próximo a mim, foi a de um conhecido conterrâneo, ex-vereador e ex-secretário de cultura da cidade, que se matou recentemente, causando comoção. Em princípio, a família negou o suicídio, alegou infarto fulminante, o que foi desmentido pelo laudo médico. Esconder o fato apenas leva a subnotificações e esconde, na verdade, o grande problema.

Causas reais? O padrão, depressão. Outras causas são também o alcoolismo (o que justifica um número maior de suicídios entre pessoas idosas do sexo masculino, segundo professores do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG), as dores crônicas e o diagnóstico de demência. As mortes autoinfligidas de pessoas famosas como os atores Flávio Migliaccio (aos 85 anos) e Walmor Chagas (aos 82 anos) trouxeram o assunto à discussão, mas nada mudou, porque mudanças exigem ações mais contundentes, as quais não conseguimos realizar, ainda.

É possível reduzir, até mesmo evitar, a morte por suicídio de pessoas idosas? Entre os profissionais de cuidados, não apenas de pessoas idosas, há até um slogan conhecido que mostra um provável caminho - proteger as pessoas contra os 4 D: desespero; desesperança; desamparo; três fatores que levam ao quarto, a depressão. E a depressão, por sua vez, pode conduzir ao suicídio. Os primeiros sintomas visíveis desses 4 D são a tristeza, a falta de vontade de fazer as coisas de sempre e a falta de prazer no cotidiano.

Assisti recentemente um documentário sobre cinco lugares no mundo onde há um grande e incomum número de pessoas centenárias, os denominados Zonas Azuis. Esses lugares são: Okinawa, no Japão; Sardenha, na Itália; Nicoya, na Costa Rica; Loma Linda, na Califórnia; e Ikaria, na Grécia. Em cada um desses lugares fatores culturais e ambientais ajudam a promover a longevidade saudável, cada um deles com suas características especiais. Os documentaristas, no entanto, resumiram as regularidades dos casos em cinco, que descrevo aqui dando a minha interpretação.

O primeiro deles é o movimento. De novo, encabeçando a lista, a atividade física regular, leve, de todo dia. Aquela caminhada despretensiosa, o agacha-levanta das atividades comuns que, além de tudo, ajudam no sono regenerador das energias.

A visão do vale

depois de subir a montanha

ao pôr-do-sol que se apresentava

valeu alguns anos de minha existência.

 

O segundo é a presença de jardins e quintais. Eles têm múltiplos benefícios, pois ajudam na movimentação necessária e no cuidado com a alimentação. A boa alimentação é sempre o segundo fator de todas as listas de ajuda ao envelhecimento saudável.

 

Jeito mineiro de viver perigosamente:

comer couve longe de seu quintal,

roubar muda de flores em jardins alheios.

 

O terceiro tem a ver com os trabalhos manuais, quem diria? Fazer as coisas com as mãos é terapêutico, pode provocar movimentos, treina a concentração e ajuda a melhorar a saúde mental. Trabalhar com as mãos não é negar a tecnologia, mas pode ser também usar a tecnologia a favor de novas artes. Escrever, que é o meu caso, também se encaixa neste quesito.

Escrevo meus versos para aprender

a encontrar a inspiração para melhor escrever.

 

O quarto é viver com menos estresse. Todos os itens anteriores ajudam a se estressar o menos possível. Fazer uma boa gestão da ansiedade e do estresse exige uma mudança de paradigma no modo de vida que é, principalmente, fazer uma boa gestão do tempo e da energia necessária para todas as atividades. A saúde mental agradece, óbvio.

Tenho a calma artesanal
de quem fabrica vácuos
e cheira tolerâncias na atmosfera!

 

O quinto item da lista resume, a meu ver, todo este bem viver: fazer da vida um ritual sagrado. E isso vai muito além dos rituais religiosos. A oração é apenas uma das possibilidades. Os rituais sagrados incluem a respiração consciente, a meditação, a dança, a amizade, o cuidado com os outros, os risos, o ritual alimentar, o amor e a sedução, entre outras possibilidades.

 

Deuses, escambo mil vidas

por esses momentos mágicos

de convivência, amor e prazer.

 

É possível se tornar centenário sem as mazelas da idade? Sim, é possível, mas não sozinhos. É uma questão de vida em comum, de sociedade, de poder público, de cultura, de vida em família, de valorização da vida, de abraçar a causa em conjunto com a Urbis.

Não nos deixem sós. Gostamos, e precisamos, de viver com amigos e familiares. Felizes, enfim.

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