Na escola primária (nome antigo do Ensino Fundamental I)
aprendíamos que o corpo humano tem três partes: cabeça, tronco e membros. Por
mais didática que seja essa divisão, espero que as crianças de hoje aprendam de
forma diferente, pois o corpo não tem partes, é uno: corpo humano. Enquanto
vivos estamos, esta entidade à qual podemos dar o nome de sujeito, ser humano,
ou outro, conforme informações culturais e espirituais de cada povo, usamos
esse corpo como agente de conexão com o universo.
Entre o corpo e o universo, coisas,
artefatos, objetos,
energia, técnica, tecnologia, ciência, cultura, outros corpos.
Corpo-sujeito, corpo-artefato.
Depois de nossa morte, esse corpo se degenera e o que
permanece é fruto de especulação desde que o homem existe e não temos, até
hoje, uma resposta categórica do legado de nossa existência. Cada povo, cada
cultura, cada comunidade tem suas teorias e crenças. Mas o que sabemos mesmo é que,
desde que nascemos, esse corpo se modifica: cresce, encolhe, se fortalece, se
enfraquece, se enruga, e desaparece.
Então, o que temos, à primeira vista, é nosso corpo. Nosso
corpo, feio ou bonito, é nosso maior patrimônio. É ele que nos conduz por esta
vida lapidada, ao longo dela, por nossos pensamentos, aprendizados e atitudes.
Por isso, todo cuidado e atenção com ele é pouco.
Os profissionais que trabalham, estudam e pesquisam o envelhecimento
são maioria, talvez unânime, em afirmar que se o corpo para a mente também
declina. Darei um exemplo, de pessoa de meus relacionamentos, que corrobora a
informação.
Jordelina era uma atriz, muito ativa, que foi envelhecendo
junto com os colegas de seu grupo de teatro. Apesar da idade, eles ensaiavam e
atuavam em teatros, escolas, hospitais e até em presídios. Jordelina foi
ficando surda e mesmo assim não perdia as cenas nem seus momentos de nelas
entrar.
Com o tempo o grupo foi diminuindo porque vários dos atores
e atrizes foram saindo de cena, até que a instituição financiadora desistiu e
extinguiu o grupo. Jordelina entrou em depressão e, beirando os noventa anos,
quietou-se em casa. Perdeu a motivação.
A morte do marido e a pandemia de covid-19 a paralisaram de
vez. Foi obrigada a ficar quieta em casa e sem a presença constante de filhos e
netos. A artrose tomou conta de suas articulações e ela caminha muito pouco e
devagar, com a ajuda de um andador. A cabeça, evidentemente, também parou no
tempo. Não reconhece as pessoas, suas intermináveis histórias deixaram de ser
contadas.
O que aconteceu com ela confirma as previsões, confirma uma
frase que ela mesma, Jordelina, sempre dizia a suas amigas de mesma idade:
“Velho que não anda, desanda.”
(Jordelina)
Diante do que venho presenciando em todos esses anos de
convivência com Jordelina, comecei a estudar um pouco mais a relação entre
corpo são e mente saudável. Sempre fui adepto e praticante de atividade física
e de alguns esportes em particular. Joguei futebol durante mais de quarenta
anos, pratiquei remo em canoe individual, durante alguns anos, corrida de rua
e, claro, pedalei desde bem moço. Minha maior aventura na bicicleta foi pedalar
de Londres a Paris em sete dias.
Viver é como andar de bicicleta,
se você para se desequilibra.
(Paulo C. S. Ventura)
Diante das evidências científicas e dos relatos dos
profissionais do envelhecimento, continuo com minhas caminhadas, pequenas
corridas, musculação. Já que pernas fortes e músculos rijos são requisitos para
uma longevidade plena de memórias, pratico todos os dias, seguindo o lema:
“força na panturrilha” e “quanto mais serotonina, menos Neosaldina.”
Além disso, as caminhadas são ótimas para a prática da
meditação ativa, em que a gente se conscientiza das dores do corpo e da alma e
trabalha para eliminá-las. Tudo acontece nos movimentos, mas a gente mesmo tem
que ser a força motriz do movimento.
A sabedoria está em saber o que se faz com a dura realidade:
abrigar-se de temporais, modificar o curso das coisas, lidar bem com os
maus resultados e com o inesperado. E a chave é saber olhar adiante, como o
enxadrista que pensa no movimento imediato em função daqueles que se seguirão.
Tempo que se eterniza no movimento,
que se sincroniza,
e se desmancha nesse corpo que dança.
(Paulo C. S. Ventura)
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