quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A PESSOA IDOSA E OS JOGOS DE AZAR

 


Vivendo e aprendendo a jogar

Nem sempre ganhando

Nem sempre perdendo

Mas aprendendo a jogar.

(Guilherme Arantes)

Estive no Correio de minha cidade para usar sua prestação de serviços de transporte de mercadorias. Sou frequentador assíduo, felizmente, pois por ali viajam meus livros para os queridos leitores. De repente, o funcionário me oferece um tipo de jogo, registrado e patrocinado pela Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Eu respondo: como posso fazer uma militância política em prol de uma melhor distribuição de renda e apostar em um sistema que tira dinheiro de muitos e entrega a uns poucos? E quem ganha são exatamente aqueles que podem apostar muito.

Desculpe-me, Sr. Arantes, apesar do sucesso de sua música, que teve como uma de suas intérpretes a fabulosa Elis Regina, nem sempre se aprende a jogar. Na maioria dos casos vicia-se em jogar. Em tempos de má distribuição de renda e de uma grande faixa da população na pobreza, o jogo vira uma epidemia. Melhor dizendo, uma pandemia, pois o vício se espalha pelo mundo. E, mais uma vez, pessoas idosas são vítimas, vulneráveis.

Sete anos depois da decretação de legalidade das apostas online no Brasil, a quantidade de casas de apostas aumentou consideravelmente e o Brasil já é o segundo país do mundo em número de apostadores e de volume de dinheiro consumido em apostas. Imagino que muitos de nós conhecemos pessoas que estão se perdendo no vício de apostas. Irei relatar um caso que muito me chocou.

Dona Geralda (nome fictício por razões óbvias) é uma pessoa de minha vizinhança, dona de um belo sorriso e muita alegria. Ou melhor, era. Perdeu a alegria e o sorriso em consequência. Pessoa idosa, com uns sessenta e cinco anos, vivia em uma casa pequena na periferia da cidade. Moradora de uma daquelas três ou quatro casas construídas em um mesmo lote. Os filhos, já maduros, não eram visitas frequentes. Tinha um grupo de amigas, colegas das rezas e novenas, vivendo, portanto, em uma bolha de contatos.

Seu salário de aposentada era bem controlado, apenas o suficiente para sobreviver, sendo impossível se regalar com passeios, roupas melhores, jantar fora de casa, entre outros regalos. Vivia em sua bolha de grupos de WhatsApp, vítima das falsas notícias e das publicidades televisivas que contribuem para a degeneração mental dos telespectadores.

Foi no intervalo da novela que ela assistiu vários ídolos dos esportes e aquele famoso locutor anunciar: profetiza, mas com moderação. Ela não se conteve: quem sabe estava ali a saída de sua vida miserável? Quem sabe ela não poderia fazer parte daquele grupo de pessoas felizes e sorridentes que a televisão mostra nos enredos das novelas e nos intervalos para publicidade?

Pegou seu aparelho de telefone, usou o leitor do código que aparecia na tela e entrou naquele universo fantástico dos jogos. Bastavam uns cliques em seu aparelho de telefone, uma de suas amigas, “entendida” em internet a ajudou nos primeiros acessos e logo, logo, estava participando dos jogos. Era também uma bela maneira de se conectar com seu time de futebol de coração. E como ganhou um bom dinheiro da primeira vez, continuou jogando.

Os jogos de futebol são mais espaçados, mas a plataforma apresentava outras possibilidades. De repente, ela tinha uma Las Vegas inteira em seu pequeno aparelho celular. A vida vai melhorar, ah como vai!

E Dona Geralda se acostumou, se apaixonou, se viciou. Como compensar as perdas acumuladas? “Nem sempre ganhando”, quase sempre perdendo, não aprendeu a jogar. Mas a adrenalina do jogo, aquela sensação de poder ganhar, “agora vai”, ela nunca teve em sua vida de empregada de serviços gerais nas empresas em que trabalhou.

Aos poucos foi se endividando, aos poucos foi vendendo o pouco que tinha, de repente perdeu a casa, de repente quase perdeu a vida. A dose de veneno de rato que ingeriu não foi suficiente para suprimir sua a vida, mas a deixou em péssimas condições de saúde. Os filhos não tiveram condições de socorrê-la, mas conseguiram, com uma ação judicial, que Dona Geralda fosse recolhida por uma ILPI onde, pelo menos, estava acolhida por profissionais.

Infelizmente, esse é o jogo, aquele que apaga a luz dos olhos das pessoas, algumas nem tanto idosas, antes da hora. A vida pode ser também cenário para os Jogos Mortais. Neste caso ela é cruel, pois não se conhece as regras. Em jogos de “vale tudo” não se aprende a jogar. No entanto, é uma questão de escolha. Façamos a escolha certa: não jogar. 

 "O envelhecer é uma maratona dura. Requer foco, disciplina, amor próprio, treino mental, treino físico e espiritual. Mesmo sabendo que na reta final ninguém vai subir ao pódio, temos que dar o nosso melhor, porque a velhice é sobre o processo e não sobre o findar a jornada" (Cláudia S Franco).

 


segunda-feira, 12 de agosto de 2024

MEU CORPO, MEU PATRIMÔNIO

Na escola primária (nome antigo do Ensino Fundamental I) aprendíamos que o corpo humano tem três partes: cabeça, tronco e membros. Por mais didática que seja essa divisão, espero que as crianças de hoje aprendam de forma diferente, pois o corpo não tem partes, é uno: corpo humano. Enquanto vivos estamos, esta entidade à qual podemos dar o nome de sujeito, ser humano, ou outro, conforme informações culturais e espirituais de cada povo, usamos esse corpo como agente de conexão com o universo.

Entre o corpo e o universo, coisas, artefatos, objetos,
energia, técnica, tecnologia, ciência, cultura, outros corpos.
Corpo-sujeito, corpo-artefato.

 

Depois de nossa morte, esse corpo se degenera e o que permanece é fruto de especulação desde que o homem existe e não temos, até hoje, uma resposta categórica do legado de nossa existência. Cada povo, cada cultura, cada comunidade tem suas teorias e crenças. Mas o que sabemos mesmo é que, desde que nascemos, esse corpo se modifica: cresce, encolhe, se fortalece, se enfraquece, se enruga, e desaparece.

Então, o que temos, à primeira vista, é nosso corpo. Nosso corpo, feio ou bonito, é nosso maior patrimônio. É ele que nos conduz por esta vida lapidada, ao longo dela, por nossos pensamentos, aprendizados e atitudes. Por isso, todo cuidado e atenção com ele é pouco.

Os profissionais que trabalham, estudam e pesquisam o envelhecimento são maioria, talvez unânime, em afirmar que se o corpo para a mente também declina. Darei um exemplo, de pessoa de meus relacionamentos, que corrobora a informação.

Jordelina era uma atriz, muito ativa, que foi envelhecendo junto com os colegas de seu grupo de teatro. Apesar da idade, eles ensaiavam e atuavam em teatros, escolas, hospitais e até em presídios. Jordelina foi ficando surda e mesmo assim não perdia as cenas nem seus momentos de nelas entrar.

Com o tempo o grupo foi diminuindo porque vários dos atores e atrizes foram saindo de cena, até que a instituição financiadora desistiu e extinguiu o grupo. Jordelina entrou em depressão e, beirando os noventa anos, quietou-se em casa. Perdeu a motivação.

A morte do marido e a pandemia de covid-19 a paralisaram de vez. Foi obrigada a ficar quieta em casa e sem a presença constante de filhos e netos. A artrose tomou conta de suas articulações e ela caminha muito pouco e devagar, com a ajuda de um andador. A cabeça, evidentemente, também parou no tempo. Não reconhece as pessoas, suas intermináveis histórias deixaram de ser contadas.

O que aconteceu com ela confirma as previsões, confirma uma frase que ela mesma, Jordelina, sempre dizia a suas amigas de mesma idade:

“Velho que não anda, desanda.”

(Jordelina)

 

Diante do que venho presenciando em todos esses anos de convivência com Jordelina, comecei a estudar um pouco mais a relação entre corpo são e mente saudável. Sempre fui adepto e praticante de atividade física e de alguns esportes em particular. Joguei futebol durante mais de quarenta anos, pratiquei remo em canoe individual, durante alguns anos, corrida de rua e, claro, pedalei desde bem moço. Minha maior aventura na bicicleta foi pedalar de Londres a Paris em sete dias.

Viver é como andar de bicicleta,

se você para se desequilibra.

(Paulo C. S. Ventura)

 

Diante das evidências científicas e dos relatos dos profissionais do envelhecimento, continuo com minhas caminhadas, pequenas corridas, musculação. Já que pernas fortes e músculos rijos são requisitos para uma longevidade plena de memórias, pratico todos os dias, seguindo o lema: “força na panturrilha” e “quanto mais serotonina, menos Neosaldina.”

Além disso, as caminhadas são ótimas para a prática da meditação ativa, em que a gente se conscientiza das dores do corpo e da alma e trabalha para eliminá-las. Tudo acontece nos movimentos, mas a gente mesmo tem que ser a força motriz do movimento.

A sabedoria está em saber o que se faz com a dura realidade: abrigar-se de temporais, modificar o curso das coisas, lidar bem com os maus resultados e com o inesperado. E a chave é saber olhar adiante, como o enxadrista que pensa no movimento imediato em função daqueles que se seguirão.

Tempo que se eterniza no movimento,

que se sincroniza,
e se desmancha nesse corpo que dança.

(Paulo C. S. Ventura)

 Estão presentes nesses últimos parágrafos duas ótimas sugestões: dançar e jogar xadrez. Vamos?

  


segunda-feira, 15 de julho de 2024

O PASSADO E SEUS ECOS

 


“Não perca tempo correndo atrás daquilo que perdeu no passado. Enquanto isso você pode estar perdendo coisas importantes no presente” (Irmãos Cohen).  

Essa frase é dita em um filme dirigido pelos ótimos irmãos Cohen. E faz pensar. Ela tem múltiplas interpretações como todas as frases filosóficas, como todos os aforismos, desde Sêneca. Cada um faz uma leitura. Dependendo de sua posição e daquilo que pleiteia.  Que interpretação dar quando aquilo que procura está no presente, influenciará seu futuro, e tem raízes no passado? As coisas não são todas assim? Todo o presente tem raízes no passado. E o passado pode não ser muito bonito. Mas passou. Não volta. Apenas seus ecos ficam. Alguns ecos podem ser desagradáveis, mas não ocupam espaço.

Em se tratando de presente, todos os fatos, que são fatos, portanto inegáveis, têm sempre mais de uma interpretação possível, e todas as interpretações tem suas lógicas. As moedas tem duas faces, a lua tem um lado visível e outro sempre escondido, cada um que vê uma cena a conta de seu jeito, cada um que vive uma história tem seu olhar diferente para a mesma.

As histórias que conhecemos hoje foram escritas por alguém que tinha uma razão, particular ou coletiva, para que se registrasse desse jeito. O papel dos historiadores é, em parte, pesquisar o tamanho da verdade da história como ela chegou até nós.

Um dos acontecimentos difíceis de se levar a sério é reviver o mesmo problema anos depois e perceber que a moral das pessoas envolvidas não mudou: vítimas ontem, vítimas hoje. Fui recuperar algo que deixei no passado por bobeira, imaturidade e sentimento de culpa, esbarrei nas mesmas pessoas com as mesmas interpretações lineares e, mais uma vez, perdi pessoas queridas e amadas. Pensando como os irmãos Cohen, o que será que perdi, de importante hoje, indo reviver algo do passado? Eles têm razão.

Para envelhecer com maturidade a gente precisa, ao longo da vida, desapegar do passado, mudar de perspectiva, e se transformar em nova pessoa.

Transformação é uma espécie de mote para o futuro. Significa adeus ao ponto de partida. Sem retorno. (Paulo C. S. Ventura).

 

Transformar-se é tornar-se outra pessoa, viver em outro mundo, com outras possibilidades. Outras escolhas. Viver é isso: transformar-se continuamente, já que o passado não volta.

Contamos apenas com a possível capacidade das pessoas de olharem através das fendas da história, de perceberem as nuances dos fatos e saírem de suas linhas retas, sem fazer julgamentos.

Mas, como é difícil para as pessoas não fazerem julgamentos! Como é difícil não condenar o sujeito simplesmente porque não concordam com seus atos! Não julgamento é uma bela atitude que aprendi a duras penas. Minha função de hoje o exige para que seja bem sucedida. Quanto a recuperar as pessoas queridas, não estou otimista. Elas já fizeram seus julgamentos. Não creio que me aprovem, já que sou outro ser. Talvez meio pássaro.

Em noite de mudança de lua

viro bicho que na terra pousa

orbitando como mariposa

na pálida luz da rua.

Ou mariposa.

 


terça-feira, 4 de junho de 2024

CAIXA PREFERENCIAL

Era uma segunda-feira pela manhã, início de mês, os supermercados estão geralmente cheios nesta hora preferencial das pessoas idosas fazerem suas compras. Parecia a fila da aposentadoria. Claro, eu também estava lá, faço parte desse time.

Esta é, também, a hora da reposição de produtos nas prateleiras. Logo, os clientes trombam, nos corredores, com funcionários agachados junto às gôndolas e com caixas e carrinhos de produtos.

Por esse contexto, é também hora das reclamações. Pessoa idosa adora reclamar. Para alguns é o passatempo favorito e com certa dose de saudosismo e nostalgia: — ... “naqueles tempos, tudo era melhor” ...

O mais inusitado e interessante acontece depois das compras, na enorme fila do caixa preferencial, o preferido e selecionado pelas pessoas idosas, mesmo que outras filas estejam menores. É uma questão de posse, chamam até de fila dos grisalhos, onde se encontram para conversar sobre coisas aleatórias.

Coisas aleatórias? Que nada! Ajustei meu aparelho escutador, estiquei as orelhas como cão perdigueiro e fiquei a ouvir as histórias. Logo à minha frente, três senhoras conversavam sobre suas doenças.

— Eu tomo remédio para controle de pressão. Sem eles minha pressão fica muito alta.

— Ontem, minha mãe estava com a pressão a 20 x 15. Tive que levá-la, urgente, à UPA.

— Ah, meu problema é a glicemia. Varia rápido de 90 a 500, depois volta sem mais nem menos.

— A sua glicemia ainda volta. A minha fica sempre alta. Faço regime e ela não abaixa. Aliás, não consigo nem emagrecer.

— E minha arritmia? Você nem imagina! Tem hora que meu coração bate mais rápido que pandeiro de escola de samba.

Eu escuto, observo, e não consigo esconder meu riso. Parecem que elas ficam felizes com suas doenças. Mas falar de nossos males nos aproxima, nos encaixa em nossos grupos de pertencimento.

 

Tempo marca seus rastros no caminho
por onde atravessamos: toma suas distâncias.
Chamam esses seus traços de envelhecimento.

(Paulo Cezar S. Ventura)

Um amigo meu, também colega de trabalho, teve câncer de próstata, fez uma cirurgia e voltou ao trabalho. Ficou bem, mas detestava responder às perguntas dos colegas. Certo dia me disse: — Não aguento mais responder as pessoas que me perguntam se estou bem. Decidi, então, não explicar mais nada. Ninguém entende mesmo o que eu passei, e não gosto de suas caras de pena. Agora só converso com quem já passou por isso.

Foi descobrindo outras pessoas que tiveram câncer de próstata e montaram um grupo de relacionamento. E se encontram semanalmente para comentar sobre suas próstatas e tomar uma taça de vinho.

Lembrei-me de uma outra amiga que tem grandes crises de depressão. Ela fica mais deprimida ainda quando percebe que você está feliz e ela não.

— O que você tem de melhor que eu que parece nem ter problemas?

Sabendo disso, ao conversarmos sempre respondo a seu “como vai você” com uma frase que lhe seja conveniente:

— Ah, hoje não estou bem não. Estou com dores e sensações estranhas (o que nem é falso, pois dores e sensações estranhas, em nossa idade, é bem comum).

— O que você tem?

— Penso que tomei um jeito na coluna. Parece até hérnia de disco.

É o suficiente para ela sorrir. Agora ela fala pra todo mundo que tenho hérnia de disco e pensa que estou tão infeliz quanto ela.

Voltando à fila do caixa preferencial (assim está escrito na placa, mas os preferenciais somos nós), tive a impressão que a alegria das pessoas também se fundamenta na percepção que todas eram infelizes (ou felizes, não sei bem) igualmente em suas doenças. Até que uma percebe meu sorriso e me pergunta:

— E você, não tem nada não? Nem uma dorzinha?

— Ah, minha senhora. Minha pressão e glicemia estão bem. Mas as artroses das juntas até ardem de tão fortes (entrei no jogo).

A receita veio rápida, com um enorme sorriso.

— Açafrão da terra. Coloque uma porção na banana com aveia para comer pela manhã que é tiro e queda. Se fizer isso todo dia verá como melhora. Se não melhorar a junta, ajunta tudo e joga fora.

— ...


Todos deveriam contar sua história:

modo de contar

depende de um único olhar.

(Paulo Cezar S. Ventura)

 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

CARTA PARA EU CRIANÇA



 

Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter menos de dois anos. Não consigo nem mesmo imaginar onde ela foi tirada. Meu pai trabalhava em uma empresa que construía estradas e ele trabalhou entre Belo Horizonte e Teófilo Otoni durante um período de quatro anos, desde meu nascimento em Timóteo, no Vale do Aço, passando por Sabará, onde nasceu essa menina, e Teófilo Otoni, no norte de Minas, onde nasceu meu irmão, o terceiro. Nós três nascemos na estrada.

Então, escrevo para esse garoto da foto, esse aí dos olhos com uma curva que parece estar triste, um olhar imponente, no entanto. Parece que já gostava de mirar no fundo dos olhos das pessoas, pois aqui na foto olha direto na lente da máquina. Pois assim será sempre, meu querido Paulo pequeno. Você irá sempre olhar no fundo dos olhos das pessoas, apertar as mãos delas com força, abraçá-las com carinho verdadeiro, e dizer-lhes palavras sérias, algumas ferinas. Só bem mais tarde na vida vai contemporizar nos dizeres, pois aprenderá que franqueza nem sempre é uma boa qualidade, tanto quanto a dissimulação. Há verdades que não dizemos nem para o mentor, o padre, o pai, o cônjuge. A gente guarda no fundo do coração e a usamos apenas se necessário. Em vez disso, você aprenderá a fazer questionamentos cujas respostas ajudam a você e as pessoas a encontrarem suas verdades nas respostas. Perguntas socráticas, como você lerá no livro Sócrates Café, de Christopher Phillips.

São as perguntas que te farão crescer, não as respostas. Terá que vencer a timidez que o mantém encolhido diante das pessoas; terá que vencer a arrogância, pois se achava mais inteligente que muitos outros. Terá que vencer o medo de se relacionar, e descobrirá um dia que o beijo na boca é uma delícia (não precisa exagerar também, né cara?). Voltando às perguntas, aprenderá que muitas delas não terão respostas. No entanto, são as perguntas que farão de você um cientista das coisas materiais, físico para ser preciso; são as perguntas que o transformarão em professor, cientista das relações humanas. Aí você juntará tudo e começará a refazer suas perguntas, mas em forma de poesia e crônicas.

Se você já imaginasse o tamanho da trajetória que deverá percorrer na vida, provavelmente já faria um ar cansado na foto. Mas está sereno. A serenidade te acompanhará a vida toda, Paulinho. A paciência e a resiliência serão os motes que usará para seguir em frente quando os caminhos parecerem fechados com cercas elétricas. Afinal de contas, você quase nasceu em uma boleia de caminhão, ou de um trator, teve irmãos demais, dinheiro de menos, dificuldades atropeladoras, etc., mas pense bem, meu menino. Você estudará nas duas melhores universidades do Brasil (UFMG e USP), fará um curso na Sorbonne, em Paris, e doutorar-se-á em Dijon, França, na sala e na mesa de trabalho de Gaston Bachelard, ganhará seu título com louvor, subirá até o alto do Mont Blanc a quase cinco mil metros de altitude, escalará El Mirante del Condor, no Chile, orientará mais de mil projetos de alunos e interpretará o Grande Sertão: Veredas em forma de haicais. Por isso eu perdoo este olhar de “EU SOU PHODA” que você já mostra na foto.

Nem tudo será flores, meu caro. A caminhada será dura, cheia de tropeços, idas e vindas, altos e baixos. Terá mulheres e elas irão embora, pois te acharão chato. Terá filhos e alguns deles também sairão de sua vida, porque dirão que você os abandonará ao sair de casa. Você sabe que não será verdade, você daria a vida por eles. Mas você sabe, né? Filhos geralmente acompanham as mães e elas não irão querer você por perto. Mas, insista e eles voltarão a querer você na mesa deles falando de suas aventuras.

Anos depois, já com tantas vivências, tantos erros e fracassos acumulados, e algumas vitórias bem curtidas, você poderá olhar para essa foto e dizer bem alto: Ô VIDA QUE VALE A PENA, POIS MINHA ALMA NUNCA É PEQUENA”.

sábado, 9 de março de 2024

SER FELIZ DEPOIS DOS SETENTA

 

A pergunta que todos fazem, inclusive eu, é: “é possível ser feliz quando a idade já se representa por um número tão grande? Como? É bem provável que não haja uma resposta única, cada pessoa é um livro de muitas páginas, cada um tem uma história de vida e toda vida é plena de amores e de dores. Então, o que podemos fazer para chegarmos o mais próximo possível da felicidade? Tenho convicção de que a felicidade é constituída de fragmentos, e instantes. E instante feliz, segundo o Professor Clóvis de Barros, é aquele que a gente não quer que acabe. Mas ele acaba. Podemos mudar a pergunta, já que perguntar não ofende. O que podemos fazer para diminuirmos nossos momentos infelizes, aqueles que gostaríamos que acabasse logo?

 

Não sou um Leonardo Orr, nem mesmo sou psicólogo, sou apenas um impertinente aprendiz metido a escritor, mas tenho também minha lista de possibilidades para realizar nosso propósito, segundo o Dalai Lama, de buscar a felicidade. Quem sabe, chegar até ela, mesmo que por uns momentos que não gostaríamos que acabasse. Ou, pelo menos, que eu possa dizer, parodiando o Chaves, “sou feliz por querer querendo”. Esse personagem adorado pelos meus filhos em seus tempos de criança ajudou-me a construir meu mantra: “sou feliz por opção, sou bem humorado por precisão”. Assim me preparo para viver mais um dia.

Na verdade, apesar de querer ser feliz ser uma ótima opção, uma opção fugaz como a chama de uma vela, é bom termos outros propósitos combinados, aqueles que, além de nos ajudar a ser felizes, permite que deixemos um legado mais duradouro. E o meu é escrever, publicar e vender minhas histórias. Ou pelo menos ter alguém que as leia ou as ouça. É por isso que levanto disposto todos os dias. E sigo a minha cartilha, aquela que construí para me ajudar a realizar a opção de ser feliz. Vamos a ela.

1.     Faça as pazes com suas origens

Talvez a sua concepção não tenha sido aquele momento de amor romântico entre seu pai e sua mãe; talvez o seu nascimento não tenha sido aquela alegria. É possível que tenha sofrido. Todos nós sofremos ao nascer, alguns mais que outros, por variadas razões. Talvez sua infância não tenha sido feliz como todas as infâncias deveriam ser; talvez os seus pais não tenham tido muito tempo para acarinhar você. A minha infância foi assim, bem cuidada, mas muito pouco acarinhada. Mas, e daí, cara? Você está vivo! Seus pais fizeram o melhor que puderam. E não poderiam dar o que talvez não tenham tido. Então, supere e ressignifique. Dê um abraço neles e agradeça a eles por lhe darem a vida. A vida é o bem mais precioso, e você faz parte dela. Dê um desconto, ame-os e ame os seus familiares e seus amigos.

2.     Pare de pensar e de falar desgraças

Lá pelos anos oitenta, não me lembro exatamente quando, assisti uma mesa redonda em um congresso sobre poesia e ouvi o conhecido letrista José Carlos Capinam falar que enquanto ele escrevia letras tristes e melancólicas, sua vida era um desastre. Um belo dia decidiu mudar o tom de suas letras. Passou a escrever sobre a alegria de viver e sobre o amor. Sua vida mudou de água a vinho. Ele se tornou outra pessoa. Depois daquele dia tomei a mesma atitude. Foi quando optei por ser feliz por querer. Nós somos o que pensamos e falamos. Se pensarmos em coisas boas, coisas boas acontecerão. Então, pare de pensar e de falar em desgraças e veja você mesmo!

3.     Mude para continuar

Há pessoas que fazem todos os dias as mesmas coisas. A rotina tem suas vantagens, lógico. Uma delas é que você passa a fazer tudo no piloto automático. Ao se levantar seus sapatos estão exatamente onde os deixou. A mesma coisa com os óculos e com sua xícara favorita para o café da manhã. O problema surge quando algum desavisado troca suas coisas de lugar. Aí vem o pânico, acompanhado da tristeza por pensar que alguém está lhe boicotando. É preciso saber mudar para continuar seguindo em frente. Mude os hábitos, mude os caminhos por onde passa, mude as rotinas de vez em quando. Ligue as antenas do cérebro e sorria quando não encontrar alguma coisa. Coisas não mudam de lugar sozinhas. Não as encontrar é uma ótima oportunidade de fazer diferente.

4.     Aprenda coisas novas

Tenho amigos, até mais jovem que eu, que costumam dizer que a essa altura de suas vidas não querem aprender mais nada. Que desperdício! Alguém que pensa assim, acredita também que não tem mais nenhuma contribuição a dar às pessoas de seu entorno e ao mundo. Está a um passo curto da decrepitude e da demência. E, em consequência, da infelicidade. Pois saiba que aprender coisas novas, seja uma arte ou uma técnica, trás você de volta ao plano da utilidade. Pois é tão bom ser útil de alguma forma! Então, aprenda a plantar flores, aprenda a escrever trovas, aprenda a fazer carrinhos de rolimã, aprenda a fazer arte com produtos recicláveis. Aprenda a falar espanhol e pense em visitar os países vizinhos. Por que não?

5.     Escreva um diário

É isso mesmo. Arranje um caderno com a capa bonita e, todos os dias, ao se levantar, escreva umas páginas com suas lembranças do dia anterior e seus sonhos à noite. Esta prática é excelente para a memória, é excelente para exorcizar seus medos e suas angústias e ainda o ajuda a melhorar sua escrita e sua oratória. A escrita o ensina a procurar palavras novas para seu vocabulário e o torna uma pessoa interessante em uma roda de conversa. O diário não é para as pessoas lerem, ele é altamente confidencial. O meu diário fica na estante e está escrito na capa, em letras grandes: “se quer saber algo de mim, pergunte-me em vez de ler meu diário”.

6.     Fique longe do Alzheimer

Muitas pessoas que, geneticamente, são propensas a terem Alzheimer, conseguem ficar longe dele com práticas cotidianas bem simples. Uma delas é a leitura que, além de melhorar seu vocabulário e ajudá-lo na escrita e na oratória, ajuda também a manter a memória ativa. Outra atividade incrível para o cérebro é, acreditem, a musculação, a ginástica para os músculos, principalmente das pernas. Pesquisas recentes nas universidades mostram que o exercício muscular ajuda a liberar nutrientes que fortalecem o cérebro. Então, vamos malhar?

7.     Faça algo que nunca fez

Cada um tem dentro de si uma vontade de fazer algo que deixou para trás, como conhecer um lugar onde nunca foi, comer em um restaurante caro uma comida que sempre quis comer, nadar pelado em uma cachoeira escondida, rever uma pessoa que conheceu há muitos anos e nunca mais viu. Que tal, então, fazer algo que sempre teve vontade, nunca fez, e lhe daria um enorme prazer em fazê-lo? Eu sempre quis escalar uma montanha bem alta e só havia escalado montanhas menores. Um belo dia, em uma estrada no Chile, alguém me disse que do alto de certa montanha, de dois mil metros, se avistava uma bela paisagem. Não tive dúvidas. Parei o carro e a escalei. Quatro horas depois, desceu o cara mais feliz do mundo: eu.

8.     Respire de forma consciente

Parece brincadeira, de tão fácil. Mas tem gente que não consegue parar e respirar profunda e tranquilamente. Respirar não é apenas o que nos mantém vivos. Respirar com consciência pode melhorar nossa saúde física e mental. Porque ela nos conecta com o presente, com o agora. Tira de nossa mente pensamentos inadequados. E basta sentar confortavelmente e respirar testemunhando o ar entrando e saindo de suas narinas. Se quiser se aperfeiçoar em técnicas de respiração, há várias na literatura que nos ensina como respirar para nos melhorar em situações diferentes.

9.     Abandone sua ignorância

Ignorância é ausência de conhecimento. Todos somos ignorantes em muitas coisas as quais desconhecemos. Abandonar a ignorância é estar sempre em busca de novos conhecimentos. Mas pode ser um pouco mais que isso. Além de abandonar a ignorância você pode também cultivar sua sabedoria, que é usar o conhecimento adquirido para fazer bem ao outro e à sociedade. Nada mais portador de felicidade que ser útil. Sempre digo às pessoas tristes para sair e ajudar alguém. Faz um bem danado.

10. Agradeça

Agradeça o que tem em mãos e esqueça a grama e o cônjuge do(a) vizinho(a). Eles podem ser mais bonitos que os que tem em casa, mas culpa é sua. Por que não cuida de sua vida e embeleza o que tem? Agradecer é atrair o melhor do mundo para dentro de você.

Já estava para terminar esse texto quando entrei no sítio internet de um dicionário bem útil (https://www.dicio.com.br). No fim da primeira página tem uma indicação da palavra do dia. Faço isso para aprender palavras novas e usá-las principalmente em microcontos que escrevo diariamente. É um excelente exercício para desenvolvimento da escrita. E qual a palavra do dia de hoje?

INFAUSTO: desafortunado, azarento.

Aquele que expressa ou carrega a infelicidade.

 

O que escolhe ser, a partir de hoje? Um ser humano fausto ou infausto?

 


terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

E SE O FIM FOR AMANHÃ?

  

— Pai, você está pronto para morrer?

— Sim, estou pronto. Minha vida foi rica, gostei de tudo que eu fiz. Quando minha hora chegar, irei feliz.

— Então, nem irei chorar quando você morrer.

Por incrível que pareça, o diálogo acima aconteceu. Meu pai havia se recuperado de uma cirurgia para a retirada de um tumor no intestino e se preparava para uma segunda cirurgia, pois um segundo tumor havia surgido. Era domingo e, como muitas vezes aconteceu nos anos finais de sua vida, eu fui almoçar com ele. Estávamos sentados em torno de uma mesa no quintal, próximo à janela da cozinha através da qual minha mãe nos passava alguns tira-gostos, porque ele não dispensava sua cachacinha “para abrir o apetite” nos almoços dominicais. Só nós três em casa, então o diálogo sobre a morte foi surgindo devagarinho. Como ele não se furtava a responder o que eu perguntava, o diálogo foi crescendo.

Não chorei em sua morte, mas a partir desse diálogo teve início minha jornada de preparação interna para o seu dia final, que aconteceu meses depois da tal segunda cirurgia. Essa preparação interna me permitiu cuidar dele em seu estado terminal e estar presente em seu último suspiro, com o dedo em seu pescoço sentindo a última pulsação de sua artéria. Era um trinta e um de dezembro e, nesse dia, quando perguntado sobre o que eu faria naquela noite festiva, eu disse à minha companheira:

— Irei ficar com meu pai, pois ele morre hoje.

— Como você sabe?

— Eu sei, ele me disse.

Sim, meu pai havia se preparado para sua própria morte em vários detalhes. Nos oito meses de agonia e dor entre o fracasso da segunda cirurgia, em abril, até o dia de seu falecimento, em dezembro, ele teve uma palavra de aconselhamento e de alegria para cada pessoa que o visitou, principalmente para seus nove filhos. Sua preparação se estendeu até aos detalhes práticos do sepultamento. Caixão, carro funerário, cerimonial com livro de presença e uma moça bonita cuidando de tudo no velório. Tudo previamente pago.

Em minha jornada de preparação para a morte e a morte de meu pai vivi várias experiências diferentes. Todas elas com o mesmo foco, o de querer entender a morte e não sofrer com ela. Li vários livros sobre a morte (entre eles A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver, de Ana Claudia Quintana Arantes; As Intermitências da Morte, de José Saramago; e Pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião), frequentei Centros Espíritas e Terreiros de Umbanda, tive uma conversa séria com o Preto Velho, que durou mais de uma hora, para desespero dos presentes. Mas foi em um banho de mar que tive a resposta procurada.

Trôpego no fundo do mar entrei.
Na dança com golfinhos solicitei
à vida, em ciclos, que ele viva
sua morte que chega, ativa.

A partir desse mergulho eu tive serenidade para escutar sua voz que sumia, falar palavras de aconchego, narrar histórias que o conduziam a algumas viagens imaginárias a lugares desconhecidos, ou conhecidos, e estar presente nos momentos de cuidado.

E quanto à minha morte? Ela vem, cada dia que passa mais se aproxima. Já vivi experiências de risco, como um ônibus, na contramão, surgindo em minha frente em uma curva e eu tive poucos segundos para reagir e sair de sua frente e assistir, pelo retrovisor, sua colisão com o veículo de trás. Ou quando um barranco, em tempos de chuva, caiu atrás de meu carro, um segundo após minha passagem. Ou quando um caminhão sem freio em uma descida forte veio em minha direção e o motorista, ao me ver a pé na estrada, o jogou no barranco bem a meu lado. Estes sustos sempre nos deixam em alerta e nos fazem pensar em viver dias melhores.

Hoje, consultando meus arquivos, verifiquei que já escrevi muito sobre a morte, mas a morte como passagem, pois ela não é oposição à vida. A morte é apenas uma mudança de ciclo, ou uma mudança de fase dos jogos de vídeo game. Ela vem, sim, mas em forma de poesia.

 

A poesia existe
para nos fazer eternos:
enfrentar o mistério da morte
compreender o trágico da vida.
Registros de humanidades.

 

Mas, fica sempre a pergunta: e se o fim for amanhã? O meu fim, especificamente?

Um fandango nem sempre pensa na morte
nem espera sentado por ela.
Ele sonha com a vida, curte suas incertezas
para se lembrar da certeza do fim!

 

A PESSOA IDOSA E OS JOGOS DE AZAR

  Vivendo e aprendendo a jogar Nem sempre ganhando Nem sempre perdendo Mas aprendendo a jogar. (Guilherme Arantes) Estive no Corre...