Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo
Mas aprendendo a jogar.
(Guilherme Arantes)
Estive no Correio de minha cidade para usar sua prestação de serviços de transporte de mercadorias. Sou frequentador assíduo, felizmente, pois por ali viajam meus livros para os queridos leitores. De repente, o funcionário me oferece um tipo de jogo, registrado e patrocinado pela Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Eu respondo: como posso fazer uma militância política em prol de uma melhor distribuição de renda e apostar em um sistema que tira dinheiro de muitos e entrega a uns poucos? E quem ganha são exatamente aqueles que podem apostar muito.
Desculpe-me, Sr.
Arantes, apesar do sucesso de sua música, que teve como uma de suas intérpretes
a fabulosa Elis Regina, nem sempre se aprende a jogar. Na maioria dos casos
vicia-se em jogar. Em tempos de má distribuição de renda e de uma grande faixa
da população na pobreza, o jogo vira uma epidemia. Melhor dizendo, uma
pandemia, pois o vício se espalha pelo mundo. E, mais uma vez, pessoas idosas
são vítimas, vulneráveis.
Sete anos depois
da decretação de legalidade das apostas online no Brasil, a quantidade de casas
de apostas aumentou consideravelmente e o Brasil já é o segundo país do mundo
em número de apostadores e de volume de dinheiro consumido em apostas. Imagino
que muitos de nós conhecemos pessoas que estão se perdendo no vício de apostas.
Irei relatar um caso que muito me chocou.
Dona Geralda
(nome fictício por razões óbvias) é uma pessoa de minha vizinhança, dona de um
belo sorriso e muita alegria. Ou melhor, era. Perdeu a alegria e o sorriso em
consequência. Pessoa idosa, com uns sessenta e cinco anos, vivia em uma casa
pequena na periferia da cidade. Moradora de uma daquelas três ou quatro casas
construídas em um mesmo lote. Os filhos, já maduros, não eram visitas
frequentes. Tinha um grupo de amigas, colegas das rezas e novenas, vivendo,
portanto, em uma bolha de contatos.
Seu salário de
aposentada era bem controlado, apenas o suficiente para sobreviver, sendo
impossível se regalar com passeios, roupas melhores, jantar fora de casa, entre
outros regalos. Vivia em sua bolha de grupos de WhatsApp, vítima das falsas
notícias e das publicidades televisivas que contribuem para a degeneração
mental dos telespectadores.
Foi no intervalo
da novela que ela assistiu vários ídolos dos esportes e aquele famoso locutor
anunciar: profetiza, mas com moderação. Ela não se conteve: quem sabe estava
ali a saída de sua vida miserável? Quem sabe ela não poderia fazer parte
daquele grupo de pessoas felizes e sorridentes que a televisão mostra nos
enredos das novelas e nos intervalos para publicidade?
Pegou seu
aparelho de telefone, usou o leitor do código que aparecia na tela e entrou
naquele universo fantástico dos jogos. Bastavam uns cliques em seu aparelho de
telefone, uma de suas amigas, “entendida” em internet a ajudou nos primeiros
acessos e logo, logo, estava participando dos jogos. Era também uma bela
maneira de se conectar com seu time de futebol de coração. E como ganhou um bom
dinheiro da primeira vez, continuou jogando.
Os jogos de
futebol são mais espaçados, mas a plataforma apresentava outras possibilidades.
De repente, ela tinha uma Las Vegas inteira em seu pequeno aparelho celular. A
vida vai melhorar, ah como vai!
E Dona Geralda se
acostumou, se apaixonou, se viciou. Como compensar as perdas acumuladas? “Nem
sempre ganhando”, quase sempre perdendo, não aprendeu a jogar. Mas a adrenalina
do jogo, aquela sensação de poder ganhar, “agora vai”, ela nunca teve em sua
vida de empregada de serviços gerais nas empresas em que trabalhou.
Aos poucos foi se
endividando, aos poucos foi vendendo o pouco que tinha, de repente perdeu a
casa, de repente quase perdeu a vida. A dose de veneno de rato que ingeriu não
foi suficiente para suprimir sua a vida, mas a deixou em péssimas condições de
saúde. Os filhos não tiveram condições de socorrê-la, mas conseguiram, com uma
ação judicial, que Dona Geralda fosse recolhida por uma ILPI onde, pelo menos,
estava acolhida por profissionais.
Infelizmente, esse é o jogo, aquele que apaga a luz dos olhos das pessoas, algumas nem tanto idosas, antes da hora. A vida pode ser também cenário para os Jogos Mortais. Neste caso ela é cruel, pois não se conhece as regras. Em jogos de “vale tudo” não se aprende a jogar. No entanto, é uma questão de escolha. Façamos a escolha certa: não jogar.
"O envelhecer é uma maratona dura. Requer
foco, disciplina, amor próprio, treino mental, treino físico e espiritual.
Mesmo sabendo que na reta final ninguém vai subir ao pódio, temos que dar o
nosso melhor, porque a velhice é sobre o processo e não sobre o findar a
jornada" (Cláudia S Franco).