sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

AUTO IMAGEM


Comecei a ler o BAÚ DO RAUL e parei para trocar a tampa do vaso sanitário. Tudo são mundanas filosofias, aquela filosofia que borrifa água na cara da gente. Quem gosta de rock'n roll gosta, pelo menos um pouco, de Raul Seixas. Continuarei a ler depois. Estou indignado porque achei esse livro no lixo da Rua Santa Cruz, Vila Mariana, São Paulo, junto com outras raridades, entre elas Rousseau, Engels e Nietzsche. Acho que temos um ex socialista naquele endereço. Jogou fora sua sociedade alternativa. 

Não quero ser guru. A única coisa que prego é, de fato, pregos em madeira. Também bato três vezes na madeira para espantar pensamentos malquerentes. Nasci em 1953, pouco antes de Raul começar a cantar a Sociedade Alternativa. Nesse momento, no entanto, Elvis Presley começava a aparecer com seu rock-country-blues, os Beatles ainda ensaiavam os primeiros acordes e a tal da bossa-nova se preparava para se lançar com tal. 

Aos onze anos de idade veio a maldita ditadura militar que mudou os rumos de muita gente boa, de muitos amigos chegados a nossa família e nossa casa vivia sob constante vigilância. Alguns amigos mudaram de rumo, outros ficaram sem rumo. Nenhum rumo. Foram para debaixo de uma terra que nem era a terra deles.

Nasci no interior de Minas, meu pai era andarilho no princípio, depois parou em certo lugar, do qual nunca mais saiu. Lá ficou cinquenta e cinco anos, até partir em definitivo. O espírito andarilho dos primeiros anos de vida grudou em mim. Em sessenta anos tive vinte e cinco endereços fixos e mais alguns temporários. Nada mal para uma pessoa sossegada.

Gosto de estudar, de ler, de escrever, de resolver problemas de lógica que me ajudam a pensar. Não tenho grandes habilidades manuais embora saiba usar o serrote e bater pregos em madeira. Podar o jardim também é uma habilidade. E subir em árvores e em montanhas. Jogos de cartas, dados e xadrez não é comigo não. Jogos de movimentos sim. Quando criança eram as cantigas de roda e outras brincadeiras mais perigosas como correr atrás de vaca no pasto e escalar a caixa d'água de quarenta metros de altura, no local onde morávamos. E fugia para a mata do Jambreiro para mostrar coragem, porque lá tinha animais perigosos. Nadar, correr e pedalar são os esportes de hoje, os que a idade permite: antes eu jogava futebol e peteca.

Graduei-me em Física e doutorei-me em Sociologia das Ciências. Em universidade francesa. Em Dijon, onde também aprendi a apreciar vinhos e queijos. Bebo, pouco, porque gosto. Gosto também de cozinhar e de comer bem. Fui professor quarenta anos. Adorava a profissão mas desapeguei-me dela. Hoje, inicio a carreira de coach. Em meio a tantos jovens coaches sinto-me responsável, jovem embora maduro pela mochila pesada que às vezes carrego. Nas sessões de desapego pelas quais tenho passado, descarrego a mochila. Leveza é tudo. Tudo que pretendo é ser leve e transparente. Minha bagagem precisa sempre ter menos de dez quilogramas para não precisar ficar parado na esteira dos aeroportos esperando malas.

Sempre gostei de meus cachos. Hoje eles estão brancos e os mantenho curtos. Mas quem tem cachos na cabeça pensa diferente. Os cachos e a cor morena da pele ajudam a definir identidades, mais que definir imagens. Um moreno de cachos na cabeça não é negro nem branco. Hoje nos definem como pardos. Pardo é essa cor indefinida, descorada. Eu prefiro os tempos, lá na roça, em que diziam que eu tinha cor "de burro fugido". "De burro fugido" pelo menos é cor. Mas, enfim, sou pardo. E honro minha parda "cor". No fim da história todos serão pardos. É para lá que caminha a humanidade.

Alguns parentes e amigos (principalmente parentes) se incomodam com minha alta autoestima. Afirmam, com desdém, que me acho o máximo. Estão errados, eu não me acho o máximo. Eu sou o máximo. E não gasto dinheiro com psicanalista para aumentar a minha autoestima. E dou o melhor de mim para os outros. Aqueles que estão perto e aqueles que se aventuram a me conhecer são bem vindos.

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