17/04/2015
Como um jovem dos anos 1970, quase 18 anos, morando em uma
cidade do interior vizinha à capital, vive e enxerga sua vida no contexto
daquele momento? Revisitar o passado para rever sua própria história, com os
olhos de hoje, é interessante porque podemos trazer a história que queremos que
seja contada. Recriar o passado. Talvez por isso as memórias sejam
interessantes. Podemos transformar nossa pacata vida de jovem, ou de adulto, em
uma aventura agradável.
Pois bem, naqueles anos de 1970 vivíamos os momentos mais
duros da ditadura militar e isso nos afetava, sim, de muitas maneiras. Como já
afirmei antes, meu pai era politizado, frequentava reuniões de sindicatos,
inconformava-se com os destemperos governamentais e isso se percebia em seus
humores e criava uma consciência política nas pessoas da família. Eu, como
filho mais velho, de certo modo sentia isso através de seus resmungos. Ao mesmo
tempo ele se preocupava com a segurança da família e não nos encorajava a arroubos,
mesmo juvenis.
Ele queria nos ver na faculdade e sabia que qualquer
problema com a polícia política da época sujaria nossa “Folha Corrida”. Sim,
para matricular-se na universidade pública era necessário apresentar a tal “Folha
Corrida”, documento tirado na delegacia de polícia que atestava nossos “bons
antecedentes”. E em Nova Lima haviam os dois lados das correntes políticas: os “subversivos”,
mesmo que não o fossem, e os “delatores”, mais conhecidos como “alcaguetes” e “dedos-duros”,
ou ainda portadores de carteirinha de “pica-grossa”, que sempre deduravam de
fato e criavam subversivos para mostrarem serviços ao poder policialesco
instalado na época. Ou seja, qualquer frase mal dita, em má hora, em um mal
lugar, poderia se transformar em ato subversivo (in)digno de ser delatado.
Bom, passei no vestibular, tirei a tal “Folha Corrida” sem
mancha na coluna de maus antecedentes e pude me matricular sem problema. Aí
começa outra história porque, ao mesmo tempo eu completei os 18 anos, sou
nascido em fevereiro, e ganhei de presente um “se vira malandro”. Quer dizer,
além de estudar em uma universidade exigente e mais adequada para filhos de
pessoas de classe média, eu deveria, dessa data em diante, trabalhar para
garantir o rango, a moradia em Belo Horizonte, as roupas, os livros e as
passagens de ônibus. E claro, tinha que sobrar algum para namorar no fim de
semana, uma vez que minha carreira amorosa estava em pleno vapor e crescendo.