sábado, 10 de outubro de 2015

AUTOBIOGRAFIA DESAUTORIZADA IX


Não me lembro de meu aniversário de quinze anos. A data de meu aniversário é fevereiro, as aulas começavam sempre em março naquele tempo. Logo cheguei ao primeiro ano do curso científico turno da noite (só havia no turno da noite) já com quinze anos completos e mesmo assim era dos mais jovens, talvez o mais jovem da turma. Cara de neném, cheia de espinhas, aguentava todo tipo de gozações. A maior delas era que as espinhas eram produtos de muita masturbação. Como eram muitas e se espalhavam pelo meu rosto significava que a punhetagem era muita também. Brigar não adiantava, só aumentaria a gozação.

Em março começaram as aulas. Novos colegas, novos professores, novas responsabilidades. Disciplinas diferentes: Física, Química e Biologia no lugar das Ciências dos tempos de Ginásio. As demais eram as mesmas. Como eram tempos de ditadura havia também uma disciplina com o nome de Organização Social e Política Brasileira – OSPB, que só servia para adestrar cabeças ocas. Como eu já era politizado achava aquilo um saco. No entanto a qualidade da disciplina dependia da qualidade do professor. Tive bons professores dessa disciplina, que minimizavam seu caráter adestrador e traziam boas discussões para a classe e eu, como bom aluno que era, estudava e me saía bem, mas era dureza.

Em março comecei também a trabalhar. Passei em um concurso para ser contínuo do Banco Mercantil e uma nova aventura começou. Trabalhava todos os dias de oito à dezessete horas. O trabalho era maçante, mas aprendi muito. Principalmente a fumar e beber. São as armadilhas onde caem muitos jovens. A vigilância paterna era grande e impediu minha degenerescência. E o tempo era pouco. Trabalhar o dia todo e ir à aula à noite era uma tarefa árdua.

É preciso dizer que fiz quinze anos em mil novecentos e sessenta e oito, ano de muitas ocorrências pelo mundo afora. De muitas ocorrências no Brasil também. Temos muitos assuntos para memorizar desse período e não fugirei deles. Talvez até me autorize a escrever sobre pontos nebulosos dos momentos políticos da época e de minha vida particular. Cheio de altos e baixos, de medos e de aventuras, de muitas descobertas também, como a descoberta da mulher e do mundo feminino. Aí quem fazia a vigilância era minha mãe.

Nessa época conheci também os Beatles, conheci Roberto Carlos e Erasmo Carlos e toda a turma da Jovem Guarda. Eduardo Araújo e Silvinha, Martinha com sua voz manhosa e doce, Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. Sergio Reis cantava rock’n roll antes de se tornar sertanejo. E Vanderleia, claro. Minha mãe ainda cantava Orlando Dias, Nelson Gonçalves, Francisco Alves e Ângela Maria. Nas ondas do rádio essas gerações se misturavam e surgiu a Bossa Nova e os festivais da televisão. Com os festivais alguns nomes se destacaram em minha mente, admiráveis nomes e tornei-me fã incondicional: Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Os Mutantes e Gilberto Gil. Gilberto Gil cantando Domingo no Parque acompanhado dos Mutantes foi simplesmente um assombro.

Em minha casa não havia televisão, eu assistia às vezes na casa do vizinho (valeu Vicente e Nazinha) às vezes na casa de meu novo amigo, Fran, onde eu passava quase todos as tardes antes de ir para a Escola Estadual Augusto de Lima. Sua casa ficava no zigue-zague, a caminho da escola. Lá eu pegava um rango da tarde, sanduíches geralmente, ou sopa da mãe dele e ainda ficava olhando sua irmã, quem eu achava linda e inteligente. Estou desautorizado a dizer qual delas, ela era mais velha e tinha um namorado simpático, eu gostava apenas de conversar com ela. Fran tinha vários  irmãos e irmãs, não sei de nenhum deles mais, apenas que ele morreu em um trágico e estúpido acidente de carro. Foi em sua casa também que eu assisti alguns capítulos de Beto Rockfeller, uma novela que inovou a linguagem dos folhetins de televisão naquela época.


Não me lembro exatamente das datas de todos esses acontecimentos, apenas que foram entre mil novecentos e sessenta e oito e mil novecentos e setenta, os três anos de duração do curso científico, atual Ensino Médio. Foram três anos profícuos em minha vida e vou escrever muito mais sobre eles. Porque, hoje o sei, eles me formaram, deram o tom de minha vida e, hoje, quarenta e cinco anos depois, ainda me lembro nitidamente daqueles acontecimentos. E enquanto escrevo eles renascem em minha memória.

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