Barragens se romperam. Não foram barragens de contenção de
água para produzir energia elétrica. Foram barragens de dejetos de mineração.
Sobras, lixo, herança de um trabalho de invasão, de reviravolta de terra para
se tirar de dentro dela minério de ferro vendido ao exterior por uma ninharia,
cerca de cinquenta dólares a tonelada. Isso mesmo, cinquenta dólares a tonelada
de minério de ferro com sessenta e dois por cento de pureza. O minério se vai e
nós ficamos com o lixo: lama, sílica, metais pesados e componentes inorgânicos
usados na separação do minério de ferro. Que ficam nessas barragens. E elas se
rompem. Acidente? Fatalidade? Não. Negligência. Alguém ou alguns erram. Quase a
totalidade dos acidentes acontecidos no mundo ocorre porque alguém errou.
Alguém se esqueceu de fechar a torneira, alguém se esqueceu de fechar o gás,
alguém se esqueceu de avisar, alguém se “esqueceu” dos riscos, alguém se “esqueceu”
de averiguar, de consertar, de avisar, de gritar, de denunciar, de corrigir, de
apagar. Alguém se calou, alguém levou vantagem, alguém tirou o dele da reta e
deixou o de milhões de pessoas levando juntas as ferradas do caso. Alguém se...
E foda-se o mundo, fodam-se os outros, foda-se o povo, fodam-se as águas,
fodam-se os peixes, fodam-se os animais, foda-se a paisagem, foda-se a beleza,
foda-se a Terra, foda-se o Universo, foda-se a vida, fodam-se homens e mulheres
de todos os gêneros.
Nem consolo nos resta. Não há consolo. O Rio Doce está
morto. Mais de oitocentos quilômetros de curso d’água sem mais água, sem mais
vida. Toneladas de peixes mortos em decomposição nas margens do rio de lama. Milhares
de animais mortos espalhando mau cheiro pelo ar, cidades sem água, pessoas sem
casa, olhando uns aos outros sem ter o que falar, sem saber como se sair dessa,
como sobreviver ao caos instalado, sem água, sem esperança. Milhares e milhares
de pessoas vivem às margens da bacia do Rio Doce e se dão conta, agora, da
importância das águas em suas vidas. Cuidássemos melhor de nossas águas e
teríamos feito pressão para a não construção das barragens, teríamos dito NÃO às mineradoras, teríamos dito NÃO aos políticos, teríamos dito NÃO à depredação
ambiental, teríamos dito NÃO, simplesmente. Nunca foi tão importante dizer NÃO.
Que se rompa o silêncio de tudo. Que as vozes de tudo e de
todos digam NÃO.
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