Pela terceira vez na
história a população do vale do Rio Doce sofre consequências de algum tipo de
invasão tecnológica em suas terras. Primeiro, em meados do século XIX, veio a
colonização portuguesa e com ela a criação de fazendas na região. Essa história
bem conhecida de muitos é pouco comentada. A população indígena do vale foi
expulsa aos poucos. Foi a tecnologia dos fazendeiros expulsando a população.
A segunda vez foi uma
invasão mais longa historicamente. Começou no início do século XX com a
construção da Estrada de Ferro Vitória Minas, inicialmente apenas no Espírito
Santo para escoar a produção local, em seguida foi ampliada aos poucos para
escoar a produção de minério de ferro. Com isso ela chega a Coronel Fabriciano
na década de mil novecentos e vinte e a Nova Era e Itabira entre os anos trinta
e quarenta. O transporte de passageiros entre Belo Horizonte e Vitória já
existia antes da ligação direta entre Vitória e Belo Horizonte (só ocorreu
na década de noventa) através de uma baldeação em Nova Era. Na década de mil
novecentos e quarenta os trilhos já seguiam pelo vale do Rio Piracicaba até
Nova Era, onde se trocava de trem e se seguia até Governador Valadares onde o
Rio Piracicaba se encontra ao Rio Doce, e daí a Vitória. Essa segunda invasão pela tecnologia da
estrada de ferro expulsou de vez a população indígena dos vales dos rios
Piracicaba e Doce, não sem muita violência. O que resta hoje da população
indígena da região está aldeiada próximo a Resplendor e atende pelo nome de
Krenak. O processo de grilagem de terras de posseiros, quilombolas e indígenas
da região do vale Rio Doce foi um dos muitos episódios de violência no Brasil, na
primeira metade do século XX, com apoio de políticos, juristas e cartórios para
oficializar a posse de terra.
Agora, a terceira invasão
tecnológica vem na forma de lama de minério, metais e materiais inorgânicos
que, se ainda não matou muitas pessoas (muitos ainda morrerão por consequência
desse desastre), já tirou milhões de vidas de animais e plantas e destruiu a
paisagem e a fertilidade das terras. Nesse momento temos a noção clara,
fotografada, filmada, escrita e comentada da violência. Esse crime não tem
perdão. Se já esquecemos as outras invasões anteriores (é esse o papel da
história, construir uma estória de esquecimento) penso ser melhor não nos
esquecermos dessa. Esse evento terá consequências funestas por décadas. Se meus
antepassados, moradores da região, fizeram parte das duas invasões anteriores e
não nos contaram nada, agora sou testemunha do fato e da história que
contaremos. E uso minha habilidade de escrever para protestar. Pode ser chorar
pelo leite derramado, sem dúvida, porque os protestos de alguns, meu inclusive,
através da participação política contra governantes do estado apoiadores das
mineradoras não teve nenhum impacto. Agora devo, no mínimo, contribuir para uma
tomada de consciência de alguns leitores e agir para que governantes e juristas
de hoje não fiquem em cima do muro,
muito menos pendam para o lado dos executivos engravatados das empresas. As
empresas tem um aliado poderoso ao lado delas: o capital, que define quem manda
e quem obedece. É hora do povo não obedecer ao capital e fazer com que ele seja
usado a favor da reconstrução.
Hora de ir para a rua e
defender uma nova política. Que surjam novos atores sociais.
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