domingo, 10 de janeiro de 2021

O BLOCO DO SUJO E EU

Desde minha juventude saía no famoso Bloco do Sujo, de Nova Lima. Naqueles tempos era só aos domingos pela manhã. Eu, morador das Cabeceiras, não me fazia de rogado. Vestia roupas de minhas irmãs, que cuidavam também da maquiagem, e descia sozinho desde a subestação da Cemig, onde minha família residia de fato, até ... chegar na estrada, hoje Avenida Presidente Kenedy. Porque haviam outros do bairro que tinham a mesma sanha, a mesma vontade de se divertir de maneira diferente. Podem falar qualquer coisa de cunho psicológico, mas vestir-se de mulher no bloco do sujo era uma façanha.

A primeira parada para encontro de colegas travestidos era nos Três Coqueiros. Sim, haviam três coqueiros no local, em fila indiana, esse era o nome daquela encruzilhada. Mais tarde um coqueiro caiu de velho, ficaram dois, mudaram o nome do lugar com o tempo. Hoje não há nenhum coqueiro, o nome Dois Coqueiros se estabeleceu. A partir dos Dois (Três) Coqueiros a turma ia aumentando até chegar próximo ao Bicame onde a Banda do Zé Fuzil começava sua anualmente esperada opereta.

Era onde eu encontrava vários amigos, um bando deles sempre fantasiado de forma diferente e irreverente, um ano de enfermeiras, outro de colegiais, outro de professoras. Muitos desses amigos de juventude ainda estão por aí, muitos eu perdi de vista, um deles foi embora antes da hora, alguns ainda estão em minha mira. Muitos de nós fomos para a faculdade, formamo-nos e fomos trabalhar em outras cidades, cada um em uma localidade diferente, o que permaneceu foi o fato de nos encontrarmos todos os anos no Bloco do Sujo. Eu vestido com roupas não mais de minhas irmãs, mas de minha esposa na época, que também cuidava da maquiagem. Eles continuavam se apresentando de forma organizada. Meu objetivo também era o mesmo, encontrar aquela turma animada para brincar o carnaval.

Anos se passaram e a história se repetia. Encontrávamo-nos no Bloco do Sujo que em dado momento acrescentou os malditos trios elétricos. Herança do axé que de objetos sagrados dos orixás passou a dar nome a um estilo de música baiana difundida inicialmente (pelo menos ao que minha memória me informa) por Luís Caldas e pelos trios de Dodô e Armandinho. Coisa boa da Bahia, mas que aqui nos enchia de impaciência por não ter nada a ver com nossa cultura. Para nossa felicidade tempos depois os trios foram banidos do Bloco do Sujo.

Continuando minha narrativa, alguns de nós, residentes fora de Nova Lima e fieis frequentadores do Bloco do Sujo, continuamos nos encontrando anualmente, nos divertindo muito e contando muitos causos da vida em meios aos batuques da Banda. Eu mesmo residia na cidade de Viçosa e um desses meus amigos em Ipatinga. Porque eu o cito? Porque em um belo domingo de carnaval, eu me dirijo a ele e digo, com cara de espanto: Sabe de uma coisa, meu camarada? Há mais de dez anos que eu só te vejo vestido de mulher! E ele responde: Ora, e por acaso alguma vez nesses dez anos eu te vi vestido de homem?

E duro era voltar para as Cabeceiras depois de muito samba no pé (parece que não era só no pé pois o corpo todo doía), umas cervejinhas na cabeça e o sol das duas da tarde derretendo a maquiagem e o cérebro. E chegar em casa e ainda escutar da mulher: porque demorou tanto? Esqueceu o caminho de casa? Como dizia aquele bichinho, personagem de desenhos animados: Oh céus, oh vida!

 

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