Desde minha juventude saía no famoso Bloco do Sujo, de Nova Lima. Naqueles tempos era só aos domingos pela manhã. Eu, morador das Cabeceiras, não me fazia de rogado. Vestia roupas de minhas irmãs, que cuidavam também da maquiagem, e descia sozinho desde a subestação da Cemig, onde minha família residia de fato, até ... chegar na estrada, hoje Avenida Presidente Kenedy. Porque haviam outros do bairro que tinham a mesma sanha, a mesma vontade de se divertir de maneira diferente. Podem falar qualquer coisa de cunho psicológico, mas vestir-se de mulher no bloco do sujo era uma façanha.
A primeira parada para encontro de colegas travestidos era
nos Três Coqueiros. Sim, haviam três coqueiros no local, em fila indiana, esse
era o nome daquela encruzilhada. Mais tarde um coqueiro caiu de velho, ficaram
dois, mudaram o nome do lugar com o tempo. Hoje não há nenhum coqueiro, o nome
Dois Coqueiros se estabeleceu. A partir dos Dois (Três) Coqueiros a turma ia
aumentando até chegar próximo ao Bicame onde a Banda do Zé Fuzil começava sua
anualmente esperada opereta.
Era onde eu encontrava vários amigos, um bando deles sempre
fantasiado de forma diferente e irreverente, um ano de enfermeiras, outro de
colegiais, outro de professoras. Muitos desses amigos de juventude ainda estão
por aí, muitos eu perdi de vista, um deles foi embora antes da hora, alguns
ainda estão em minha mira. Muitos de nós fomos para a faculdade, formamo-nos e
fomos trabalhar em outras cidades, cada um em uma localidade diferente, o que
permaneceu foi o fato de nos encontrarmos todos os anos no Bloco do Sujo. Eu
vestido com roupas não mais de minhas irmãs, mas de minha esposa na época, que
também cuidava da maquiagem. Eles continuavam se apresentando de forma
organizada. Meu objetivo também era o mesmo, encontrar aquela turma animada
para brincar o carnaval.
Anos se passaram e a história se repetia. Encontrávamo-nos
no Bloco do Sujo que em dado momento acrescentou os malditos trios elétricos.
Herança do axé que de objetos sagrados dos orixás passou a dar nome a um estilo
de música baiana difundida inicialmente (pelo menos ao que minha memória me
informa) por Luís Caldas e pelos trios de Dodô e Armandinho. Coisa boa da Bahia,
mas que aqui nos enchia de impaciência por não ter nada a ver com nossa
cultura. Para nossa felicidade tempos depois os trios foram banidos do Bloco do
Sujo.
Continuando minha narrativa, alguns de nós, residentes fora
de Nova Lima e fieis frequentadores do Bloco do Sujo, continuamos nos
encontrando anualmente, nos divertindo muito e contando muitos causos da vida
em meios aos batuques da Banda. Eu mesmo residia na cidade de Viçosa e um
desses meus amigos em Ipatinga. Porque eu o cito? Porque em um belo domingo de
carnaval, eu me dirijo a ele e digo, com cara de espanto: Sabe de uma coisa, meu
camarada? Há mais de dez anos que eu só te vejo vestido de mulher! E ele
responde: Ora, e por acaso alguma vez nesses dez anos eu te vi vestido de
homem?
E duro era voltar para as Cabeceiras depois de muito samba
no pé (parece que não era só no pé pois o corpo todo doía), umas cervejinhas na
cabeça e o sol das duas da tarde derretendo a maquiagem e o cérebro. E chegar
em casa e ainda escutar da mulher: porque demorou tanto? Esqueceu o caminho de
casa? Como dizia aquele bichinho, personagem de desenhos animados: Oh céus, oh
vida!
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