A vida sempre foi colorida, nunca em preto e branco. Olho de minha janela e vejo as montanhas em verde, os telhados das casas em marrom, as paredes multicoloridas com suas janelas em branco, ou azul. Em meu jardim vejo muito verde, cor natural da vegetação, com flores em cores tão diversas que fica a impressão que algumas acabaram de ser inventadas na paleta de cores do universo.
Algumas tribos da Amazônia têm trinta e duas palavras
diferentes para identificarem os diversos tons de verde das matas.
Coincidências à parte, os povos das planícies siberianas chinesas também têm
trinta e duas palavras diferentes para distinguirem os diferentes tons de
branco.
Então, por quê reduzir a cor da pele dos seres humanos em apenas
quatro palavras: branco, preto, pardo e amarelo? Amarelo? Quem é amarelo?
Amarela é minha roseira em flor. Quando a jovem recenseadora do IBGE me
perguntou com qual dessas cores me identifico, respondi: — verde é minha cor na
terra e azul quando estou voando. Sou preto na sombra e descolorido dentro d’água.
— Essas cores não podem, não constam do formulário. — Então, sou pardo, ou “cor
de burro fugindo”.
Meu avô paterno era branco, de cabelos claros e olhos azuis.
Casou-se com uma mulher indígena filha de um português. Tiveram mais filhos
brancos que pardos ou amarelos. Não conheci meus avós maternos. Minha mãe não nos
falava sobre eles, pois foi criada por terceiros, muitos terceiros diferentes.
Ela tem a pele clara, mas escolheu casar-se com um homem de pele clara porque,
segundo ela, não queria ter filhos com cabelos crespos. Ledo engano. Entre seus
nove filhos, sete têm os cabelos crespos.
Em minha casa era assim, o Brasil inteiro é assim. O racismo
está entranhado na cultura. A cor da cultura familiar não é a cor dos
ancestrais, mas a cor dos chefes das famílias. Branca, portanto. Só mais tarde
na vida é que podemos fazer outras escolhas, inclusive que cor podemos dar a
nosso passado e à nossa cultura. Amadurecer e envelhecer nos permite ressignificar
o passado. Minha mãe não me deixava namorar moças pretas. Hoje frequento
terreiros de umbanda e candomblé, tenho amigos quilombolas e participo de
ambientes culturais das comunidades negras. Com isso posso afirmar: nossa
cultura é preta e indígena, o Brasil é mais preto que branco. Minas Gerais, um
estado com a aparência de uma cabeça, tem a cara preta. É o IBGE quem afirma
isso.
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