quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O QUE ESPERAR PARA 2024, VOVÔ?

Todos os finais de ano e início do ano novo as histórias se repetem. Sempre queremos algo novo, perspectivas novas, alegrias novas: desejos que quase nunca são satisfeitos, porque a mesmice reaparece depois da Folia de Reis. Retiram-se as luzes extras colocadas nas praças, as vitrines das lojas readquirem seu aspecto anterior. O que muda é o barulho das ruas, agora com os ensaios exaustivos das escolas de samba e dos blocos de carnaval que cresceram como pragas (muitos gostam) pelo Brasil afora. Depois do Ano Novo, espera-se o Carnaval chegar. E quem sabe a vida volta ao normal de antes. Mas as nossas esperanças permanecem. Ainda bem.

Para o ano novo, desejo:
— que o tempo não se meta
na vida dos amantes.
Nem dos velhos.

 

Principalmente dos amantes idosos e das amantes idosas. De todos os gêneros. Afinal, o que todos desejam, por direito adquirido, é viver, amar, aprender e deixar um legado. Frase que, originalmente publicada em inglês, carrega uma sonoridade maravilhosa (live, love, learn, and leave a legacy) todas com a letra l.[i] É exatamente o que nós, pessoas idosas, também queremos para nossas vidas: viver em paz, dar e receber amor, ainda aprender e cuidar daquilo que queremos deixar para as gerações futuras, muito além dos patrimônios materiais.

— Que o sofrimento não atemorize corpos.
Que morte chegue suave
aos doentes terminais,
ao som dos Beatles.

 

Sim, um dia ela vem. Para todos. Tive a honra de acompanhar o meu pai durante o período crítico de sua vida, justamente na terminalidade dela. Foi um dos maiores aprendizados que tive ao longo de minha existência. E dele também. Eu, amante dos Beatles, usei a música dos rapazes de Liverpool como trilha sonora, principalmente Yelow Submarine. Mas poderia ser outra música. Trilhas sonoras são colocadas a gosto do diretor de cena, sempre com o intuito de, através da emoção, sugerir novos olhares.

— Que a luz dos olhos de minha morena
brilhe como faróis em tempestades
e enxergue bem longe.
Guiando. Como sempre.

 

É o que a gente sempre espera das mulheres: que elas iluminem nossas vidas e nos guiem nos principais momentos de tomada de decisões. O que devemos fazer é criar as condições necessárias para que elas exerçam seus poderes de magia com alegria e serenidade. O que todo homem deve almejar na vida é uma parceira, ou um parceiro, feliz. Porque a felicidade se expande, seduz e atrai outras pessoas felizes.

— Que ninguém perceba o negro pela cor,
mas:
Pela beleza intrínseca. 
Pela inteligência tão normal de qualquer cor.

 

O racismo ainda está longe de deixar de existir. Ele é estrutural em nossa sociedade, ainda escravocrata. Algumas mudanças começam a acontecer através de algumas redes de comunicação. Nunca vimos tantas pessoas pretas nas telas de televisão brasileiras, tanto nas novelas e séries quanto na publicidade. Antes eu pensava que algumas coisas eram privilégios de brancos: comprar um imóvel, por exemplo. Outras ainda são. Ser atendido com dignidade nos serviços de saúde ainda é diferenciado pela cor da pele. Gostaria que toda pessoa idosa preta fosse vista, e atendida, com alegria nos olhos, pois ela trás a sabedoria dos ancestrais, sabedoria adquirida no sofrimento da vida.

— Que a indignação não desapareça
dos semblantes éticos.
São poucos.
Precisam crescer como pragas boas.

Só a indignação pode levar à frente um projeto de verdadeira mudança no caos da vida. Porque as pessoas se acomodam e começam a acreditar que é normal o sofrimento, é normal a dor do outro, é normal a luta anormal empreendida pela maioria. O que nos salva é nossa indignação.

— Que a vida, 
e a alegria de viver,
sempre renasça no sorriso das helenas,
tão pequenas, serenas.

Nossas esperanças sempre são colocadas nos ombros de nossas crianças. Sempre colocamos em questão que mundo deixaremos para elas, mas precisamos pensar também em que crianças queremos que cresçam em nosso mundo. Se temos a mínima ideia do que queremos para o mundo e para elas no futuro, coloquemos todas as nossas fichas na educação delas. Qualquer gasto com a educação é pouco, porque educação tem que ser analisada como investimento para o futuro, não como gasto.

— Que a minha poesia sobreviva
a minhas botas e a minhas luvas
(creio ser melhor poeta que boxeador)
e meu bom humor permaneça
além das memórias.

Botas e luvas são símbolos de minha trajetória e de minha luta nesses mais de setenta anos em que permaneço neste planeta. Já caminhei muito e já dei muita porrada na vida (ambos literal e metaforicamente). Foi pouco? Deveria ter feito mais? Perguntas sem respostas adequadas. Briguei muito para ter acesso àqueles quatro direitos fundamentais de todo ser humano: viver, aprender, amar e deixar um legado. Porque a indignação permanece. Porque vi o mundo mudar tanto e tão pouco ao mesmo tempo. Fisicamente tanto, mentalmente e espiritualmente tão pouco.

Que venha um ano novo com renovadas esperanças, porque esta não morre, segundo o ditado popular.



[i] Covey, Stephen R.; Merril, A. Roger; Merril, Rebecca R. First Things First: To Live, to Love, to Learn, to Leave a Legacy. New York, Francis Covey Co, 1996.

 

 

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