09/09/2013
O café da manhã, na pousada em Redhill, foi um típico café
da manhã inglês, o que eles chamam de “traditional breakfast”: bacon, ovos
fritos, tomate, salsicha, batata, pão integral, cereais diversos, yogurte,
leite e café. Forte, sustenta o dia inteiro. Para uma jornada como a nossa,
vale a pena comer isso tudo, é a melhor refeição do dia, Durante o trajeto
nossa reposição alimentar foi boa também. Tínhamos um energético especial para
atletas, frutas, bananada sem açúcar, paçoquinha (coisa de brasileiro) e muita
água. Não comíamos o tempo todo, claro, mas nas paradas a cada uma ou duas
horas, comíamos alguma coisa de nossos alforjes. Fome nem sede faziam parte de
nosso itinerário. Eram nove horas e quinze minutos quando saímos de Redhill, a
chuva era apenas um prenúncio. A meteorologia (Climatempo, aplicativo de
telefones móveis) indicava cinquenta porcento de possibilidade de chuva.
Durante o dia descobrimos que essa estatística era uma boa medida, tomamos
chuva durante cinquenta porcento do trajeto. A saída, no entanto, foi
tranquila. O caminho indicado pelo guia L’avenue verte como sempre nos conduzia
a parques e condomínios típicos de subúrbio sem grandes movimentos,
retirando-nos de estradas movimentadas, bons caminhos para a prática do pedal.
Raras vezes compartilhamos viagem com trânsito forte, alguns trechos apenas,
geralmente em saídas de cidades e até encontrarmos a rota por caminhos
arborizados.
Mas a chuva chegou. Não era forte, incomodava, no entanto.
Aí os caminhos dos parque se barrearam, sujando-nos as costas e o traseiro.
Minha capa amarela, emprestada por Bernard, serviu como uma luva. Mesmo quando
a chuva parou a capa foi útil para segurar o barro. À medida que avançamos pela
zona rural inglesa, as indicações de trajetos se tornaram extremamente
necessárias. Na dúvida parávamos para olhar o mapa e perguntar. Os ingleses me
surpreenderam nesses momentos de dúvida. Eles foram muito gentis, sempre, e às
vezes, percebiam-nos verificando o mapa meio perdidos e nos informavam sem que
perguntássemos.
De Redhill seguimos para Horley e Gatwick. Pedalávamos ao
lado do aeroporto de Gatwick no momento em que um grande avião pousava voando
próximos de nossas cabeças, tão baixo quanto quando estamos na barragem da
Pampulha ao final da pista do aeroporto e um (pequeno) avião ali pousa. Modo
alternativo de viagem ao lado do modo moderno de viagem: bicicleta e avião. De
um modo geral, o caminho avançava ao lado da ferrovia, passando próximo às
estações ferroviárias: Horley Estation, Gatwick Airport Station, Three Bridges
Station. Em Three Bridges, tivemos nossa primeira grande dúvida. O caminho se bifurcava,
indicando possibilidades alternativas, a chuva nos esfriava o corpo. De repente
uma senhora de meia idade, em uma cadeira rolante motorizada para seu veículo e
pergunta se estávamos perdidos. Yes, we are lost, mam. Ela então pega nosso
mapa, conversa com Arthur (que melhor entre nós fala inglês) e nos mostra o
caminho. No, we aren’t lost. Era só uma pequena divergência de leitura de Mapas entre nós três. Ficou evidente a minha competência em
leitura de mapas e sinais e o grupo passou a confiar mais em minha intuição e,
a partir de então, eu e Arthur sempre conferenciávamos para decidir os
caminhos. Tínhamos dois mapas, um em francês, outro em inglês, o Google Maps no
celular que também ajudava na localização. Em Furnace Green o trajeto dá uma
grande virada à esquerda em direção a East Grinstead, um longo caminho sob
árvores, com belíssimas paisagens e chuva. Chuva e chuva, que não nos impediu
nem de avançar, nem de apreciar a paisagem. Em East Grinstead, no bar da
estação, tomamos um café com leite quente. Esquentamos por dentro e renovamos o
ânimo.
De East Grinstead a Groombridge foram dezesseis quilômetros
totalmente dentro de uma Forest Way, com muita chuva no lombo. O céu parecia cair
na nossa cabeça. Se fôssemos gauleses, parentes de Asterix, teríamos tido muito
medo. Eram dezesseis horas quando chegamos a uma estradinha com uma bifurcação:
ou pedalar mais uns três ou quatro quilômetros e procurar albergue, ou avançar
mais dez quilômetros e chegar a Rothersfield, e procurar um albergue por lá.
Rapidamente chegamos a Rothersfield, mas nada de albergue, nem hotel, nem mesmo
um celeiro onde passa a noite. Pedalamos então a Crowborough, uns três ou
quatro quilômetros saindo da rota, o mapa nos indicava a existência de uma pousada
BB (Bed and Breakfast), o garçom de um Pub em Rothersfield nos deu o número de
telefone de uma BB e o Google Maps nos deu o caminho, mas, não havia lugares na
pousada. A proprietária da pousada nos passou o telefone de uma outra pousada
BB, mas... secretária eletrônica com uma voz masculina que dizia: - em caso de
urgência ligue para ... ou seja, não tinha ninguém na pousada. Ou estava
fechada ou completa. E agora, José? Solução óbvia: já para a estação. O trem
que passava no local conduzia lugar nenhum no fim do mundo britânico ou de volta
para Londres. Aí, apelamos para uma segunda abordagem a um cidadão britânico,
alguém que esperava um transporte. O dito cidadão foi de uma simpatia e de uma
gentileza surpreendente. Abriu seu telefone celular para ver possibilidades de
hospedagem próxima e, nada; mostrou-nos a possibilidade de pegar o trem até
outra cidade. Mais uma abordagem bem sucedida a um cidadão inglês. A
disponibilidade dos ingleses em nos dar informações detalhadas e precisas foi
um dos muitos pontos positivos da viagem. E ele nos apresentou uma solução, que
escolhemos: tomar o trem para Croydon, subúrbio sul de Londres, voltando mais
ou menos quarenta e cinco minutos de trem, para não dormirmos sujos, molhados e
cansados, num lugar perdido no meio da Inglaterra rural.
Menos de uma hora e
sete libras e quarenta centavos de passagem, encontramos um grande hotel
(Croydon Park Hotel - http://www.croydonparkhotel.com) com garagem para bicicleta, banho quente, quarto para
três, secador de cabelo para secar nossas roupas, comida quente, etc. Na
entrada do hotel havia uma marca de quatro estrelas, no entanto o preço pago
foi o mesmo que os pagos anteriormente em hotéis menores: cento e quatro libras
para os três. Com o café da manhã completo (típico britânico como o do hotel em
Redhill), a noite ficou em cento e noventa e quatro libras para os três. E
tomamos um belo vinho Bordeaux, um Chateau de l’Église 2011. Nada mal.
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