12/09/2013
Ao amanhecer o tempo estava sombrio. O serviço de meteorologia
francês indicava cinquenta porcento de possibilidade de chuva na região e
parecia que eles tinham razão. Já chovia quando deixamos o hotel. Organizamos
as trouxas ciclísticas e fomos a um mercado de materiais esportivos. Eu comprei
uma calça e uma veste impermeáveis, além de um para-lama para a bicicleta, que
me protegeria um pouco mais do barro e da água jogada para cima pelas rodas. O
caminho no momento era asfaltado, seguindo a antiga ferrovia, só não sabíamos
até onde iria aquele bom caminho. O asfaltamento da pista era recente, em nosso
marca apenas marcava pista em obras, parecia-nos que as obras estavam bem
avançadas.
Depois de instalarmos os novos equipamentos, em mim e na
bicicleta, tomamos o caminho de Paris. Pouco à frente, talvez menos de dois
quilômetros, encontramos um grupo de vinte e quatro pessoas, ingleses e
orientais habitantes da Inglaterra, seguindo para Londres, fazendo o caminho
inverso ao nosso. Pelo menos até Dieppe iriam pedalando, não sei se pedalariam
depois de Newhaven ou se continuariam de trem. Porque o trajeto para Londres
não seria fácil para um grupo tão grande de pessoas. Ainda um pouco mais
adiante ultrapassamos um pequeno grupo de jovens ciclistas, eles haviam nos
ultrapassado no dia anterior, dormiram no mesmo hotel que nós, uma das bicicletas
apresentava um pequeno problema. Creio que repararam rápido o defeito, pois uma
hora depois eles nos ultrapassaram de novo e não os vimos mais.
A proposta de caminho a seguir era pedalar até Gisors, uma
cidade de porte médio setenta e oito quilômetros depois (http://en.wikipedia.org/wiki/Gisors)
e com um número de hotéis maior que em Neufchâtel-en-Bray. Por via das dúvidas,
telefonamos a um dos hotéis, o Hôtel Moderne de Gisors, e fizemos uma reserva
de quarto triplo (http://www.hotel-moderne-gisors.com/accueil.php).
Funcionou também como um estímulo a ir tão longe, deve ter sido o dia de
trajeto mais longo. Esse seria um dia de desafio e de medida de nossa
capacidade de avançar mesmo com chuva. A chuva não nos parecia, naquele momento,
um obstáculo tão grande. A meteorologia indicava quarenta porcento de
possibilidade de chuva e isso nos parecia querer dizer que não choveria o tempo
todo. Realmente, tivemos momentos nublados e momentos de sol alternando com
momentos de chuva.
O que não contávamos era com o relevo ondulado. Algumas subidas
eram longas, não muito inclinadas, mas longas, sendo que Gisors situa-se em um
planalto. A escolha por Gisors também representava uma decisão. Nosso mapa
indicava dois caminhos possíveis para se chegar a Paris: um mais longo que o
outro e Gisors fica logo depois da bifurcação. Escolhemos o caminho mais curto.
Talvez não o mais bonito, mas o mais curto. A ciclovia pela ferrovia continuava
até Forges-les-Eaux (http://fr.wikipedia.org/wiki/Forges-les-Eaux),
plano, sem traumas, com uma paisagem pouco variável e bonita, com uma pequena
porção de mata ao lado do caminho, e muitas fazendas. Gados, ovelhas, plantações.
A Normandia é uma região de ótimos queijos (http://www.lesfromagesdenormandie.com/fromages-aoc-normandie-i.html),
o grande número de fazendas de bovinos e caprinos se justifica.
Em Forges-les-Eaux termina a ciclovia sob a antiga ferrovia,
a continuação seria por estradas compartilhadas com automóveis. Na cidade
compramos três sanduiches e três latas de suco para o almoço e continuamos até
encontrarmos um local agradável para o lanche. Pouco à frente, em um lugar
chamado La Bellière, encontramos uma fonte coberta parecendo uma antiga parada
de tropeiros, onde descansamos por meia hora, tempo justo para o almoço. Hora
do lanche, hora de fotos, hora de conferir o plano de viagem do dia, quando
pedalamos, quanto falta para chegar ao destino. Creio que eram catorze horas.
O caminho, agora em estradas, continuava bonito, As estradas
eram, na verdade, estreitas ligações entre vilarejos e fazendas, essas ainda
prioritariamente de gado, com pastagens e plantações de feno que, a essa época,
estava recolhido e enrolado para ser guardado em silos. Estávamos quase no
outono, depois seria inverno, era preciso se preparar para alimentar o gado na
ocasião mais fria. Geralmente não neva na região, mas o frio é intenso. A serra
gela, as folhas das árvores caem, a vida se dificulta. Um vilarejo após o outro, La Fossé, La Bellière,
Pommereux, Haussey, Mènerval, Dampierre-en-Bray, Cuy-St-Fiacre, Cité St-Clair,
Gournay-en-Bray. Essa última é uma cidade de porte médio e aqui tivemos
um problema. O caminho passa sobre uma ferrovia, que estava em obras, e não nos
permitiram avançar. Tivemos que fazer um desvio em uma estrada muito
movimentada, plena de caminhões. Seguimos em frente. Olhamos o mapa e
percebemos que nossa rota seguia paralela a essa estrada e poderíamos retomá-la
mais à frente. Menos mal, perdemos meia hora até compreendermos que o problema
não era tão grande. A questão era a comunicação pela metade da pessoa
responsável pela obra. Uma bela engenheira com um capacete na cabeça impediu
nossa passagem, mandou-nos tomar o desvio, mas não deu nenhuma precisão em suas
informações. Talvez tenha sido, em toda a viagem, a única pessoa que não teve
boa vontade de dar a boa e correta informação para os viajantes. Ok, isso não
nos abala, nossa força de vontade é maior.
Logo, logo achamos o caminho. O curioso foi que, um pouco
mais à frente, no momento em que íamos atravessar a rodovia, uma jovem que
seguia a pé e que também foi impedida de ultrapassar a ferrovia no mesmo local
que nós, me pergunta se estava no caminho certo para Ferrière-en-Bray. Eu tinha
visto nos painéis das esquinas das ruas que essa era uma cidadezinha justamente
do outro lado da ferrovia e o caminho era justamente aquele no qual seguíamos.
Então tive o prazer de dar a boa informação a essa jovem, francesa, que me
interrogava sobre o caminho e que, por acaso, eu tinha a boa resposta.
Descontei. Ensinei o caminho a uma pessoa, da terra, apenas vinte minutos
depois de ficar chateado com outra pessoa, também da terra, pela sua má vontade
em ensinar o caminho correto. Sorte eu saber ler mapas muito bem. Ler mapas e
fazer leituras dos sinais e planos locais.
Passado esse pequeno contratempo o caminho seguiu tranquilo,
por estradas compartilhadas com poucos carros, permeando vilas e fazendas. O
mais interessante era as casas de fazendas todas com telhados de pedras de
ardósia, belas casas, os fazendeiros não são, em geral, pessoas pobres.
Tudo tranquilo até Saint-Germer-de-Fly, onde a bifurcação
entre os dois caminhos acontecia. Nossa escolha já havia sido feita, caminho
mais curto da direita até Gisors, onde deveríamos chegar as dezenove horas. Em
uma das raras falhas de sinalização de todo o trajeto, tomamos o caminho errado
(terceira vez que isso nos acontecia) e pedalamos uns três quilômetros até
percebermos o erro. Fora isso, o deslocamento decorreu tranquilo até Gisors,
passado por vilarejos de nomes engraçados: Le Moulin l’Èvêque,
St-Pierre-ès-Champs, Neur-Marché, Les Flamands, Le Camp à Dan, Bouchevilliers,
Amécourt, Bazincourt-sur-Epte e, finalmente, a cidade de Gisors nos esperava
sob chuva. Para encontrarmos o hotel em frente à estação de trem um jovem nos
deu a informação correta. Hotel honesto, três camas boas, banho quente,
internet, café da manhã, sem restaurante. Chegamos às dezenove horas e trinta
minutos, tomamos banho rápido e saímos à procura de um restaurante, sabemos que
na França os restaurantes fecham cedo, mesmo em Paris. Encontramos, a duzentos
metros do hotel, com um painel informando que os pratos eram tradicionais da
região, feitos à moda antiga. Meu prato: batave (carne de boi) ao molho de
pimenta do reino e batatas fritas, uma salada de entrada, água mineral gasosa
Badoit, vinho da casa em piché, vinte e seis euros tudo. De volta ao hotel,
novidades da internet, aviso à família e fomos dormir.
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