Em tempos de pandemia, a gente se diverte com coisas miúdas, inventadas. Já que fico vinte e quatro horas dentro dos muros da residência, o jeito é inventar. Inventando a gente se reinventa. Sim, eu me diverti hoje. Por quê? Essa pergunta é meio besta, é preciso um por quê para se divertir? Eu me divirto porque estou vivo. É uma boa razão.
A esta altura da trajetória, eu já não diferencio o trabalho
da diversão, do prazer. Meu trabalho é simples: leio, escrevo, converso com
pessoas (à distância, lógico). E tem o trabalho doméstico de sobrevivência:
limpar, lavar, reorganizar a casa e cozinhar, basicamente.
Procuro me divertir com tudo isso. Ler e escrever coisas
divertidas, conversar com pessoas divertidas. Cozinhar e comer o que cozinhamos
é um desbunde. Limpar a casa ouvindo música e dançando com a vassoura não tem
preço. Cuidar do jardim e ver a azaleia que plantou no vaso meses atrás não tem
igual. Ouvir a companheira tocar seu violão e cantar é um prazer imensurável. Além
disso fazer duas horas de ginástica por dia (sim, agora eu tenho tempo) e ver meu
corpo maduro se enrijecendo também e a barriga diminuindo de volume, também não
tem pra ninguém.
Mas o sofrimento vem com as notícias que chegam de fora dos
muros. Milhares de mortes por covid, hospitais lotados, profissionais de saúde à
beira da insanidade, amigos e conhecidos doentes e alguns queridos morrendo,
cemitérios sem condições de enterrar a todos, filas de pessoas nos cartórios
para registrar os óbitos de familiares, governo genocida se lixando para isso e
presidente gastando milhões em férias enquanto o país se deteriora.
Toda a diversão parece perder o sentido. Mas eu preciso
estar lúcido. Algumas pessoas precisarão estar lúcidas e em condições de
refazer a história depois dessa merda toda. Que, eu espero, vai passar. E o
mundo vai precisar de bons contadores de história, bons inventores para
reinventar o mundo.
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