Estudei no Liceu Imaculada
Conceição, em Nova Lima, cursando o antigo Ginásio, hoje Ensino Fundamental II.
Uma colega daqueles tempos lembrou-se de mim e procurou meu nome entre os
formandos de lá, do ano de um mil novecentos e sessenta e sete. Não encontrou.
Ao chegar à metade do quarto ano eu me mudei para a Escola Estadual Augusto de
Lima onde, de fato, me diplomei no ginásio. Eu queria fazer o curso científico
e achei que se mudasse para a outra escola eu seria aceito mais facilmente. Bobagem.
Havia vagas, mas foi a decisão da época. Lembro-me muito pouco desses tempos.
Eu era um dos mais jovens da classe e um dos mais pobres também. Como diziam
meus colegas, eu era pequeno, feio, pé grande, pobre, cabeça grande e morava
longe. Era a maneira deles dizerem-me que eu era também o mais inteligente,
quem tirava as melhores notas, nem assim o favorecido dos professores e
professores, porque esses, em minha memória, favoreciam os alunos mais ricos.
Não custa lembrar que a escola era paga, e era um sacrifício grande para meus
pais pagarem as mensalidades.
Estávamos em plena época de
ditadura militar, antes do AI5, mas a vida era dura. Amigos de nossas famílias
foram cassados, como o deputado da cidade, o Dazinho, amigo de meu pai. E em
Nova Lima havia também o outro lado da política. Pessoas alinhadas com a
ditadura e que denunciavam quem eles imaginavam ser “subversivos”, comunistas e
perigosos à nação. Mas esses eram conceitos subjetivos, voláteis, mas era o que
valia. Bastava uma denúncia. E entre meus colegas haviam vários cujos pais eram
solidários com a política estabelecida, não eram lá grandes coisas, mas se sentiam
grandes. E os jovens também se sentiam grandes a ponto de não quererem a minha
companhia nos momentos de recreio, grandes a ponto de não me permitirem jogar
futebol junto com eles nas aulas de educação física, grandes a ponto de só
sentarem a meu lado nas cadeiras duplas usadas em classe nos dias de prova,
para colarem de mim. É comum guardarmos os amigos da época. Em geral os amigos
dos tempos de escola permanecem amigos por muitos e muitos anos. E eu não
guardei nenhum deles como amigos, apenas alguma amigas. Depois que deixei o
Liceu, nem sequer me encontrei com eles, a não ser ocasionalmente. Não eram
meus amigos. Os tempos mudaram e, mais tarde, vi que muitos deles levavam uma
vida de merda, alguns ainda hoje mamam nas tetas dos governos e não construíram
muita coisa importante na vida. Outros estão bem, não os vejo, no entanto.
Não há muito que falar, ou
escrever, desses anos de ginásio. Minha vida continuava do mesmo jeito: escola,
trabalho, campo de futebol; escola, trabalho, campo de futebol, nessa ordem
mesmo. A escola era pela manhã, chegava em casa ao meio dia, almoçava, fazia os
deveres de casa, ajudava a olhar os irmãos mais novos, trabalhava na horta do
quintal, ganhava umas porradas quando não trabalhava direito, e, ao fim de
tarde, campo de futebol com os vizinhos. No verão era ótimo porque havia luz do
sol até mais tarde. Eu continuava lendo muito, ouvíamos o rádio da família e
nas ondas do rádio, as mais ouvidas já eram a Inconfidência, a Itatiaia e a
Guarani (essa não existe mais, infelizmente), AM na época. E havia também a
rádio Cultura e as de outros estados, como a Nacional do Rio de Janeiro, a Tupi,
a Record. Não eram muitas, não se rezava pela rádio, essa febre só existe nos
tempos modernos, como uma imposição em ondas médias.
Nosso rádio não tinha marca, era
um rádio de fabricação caseira. Meu pai fez um curso de rádio por
correspondência e recebia as peças aos poucos para serem montadas à medida que
ele aprendia o uso e a importância de cada peça no conjunto. Um dia o rádio
ficou pronto e funcionava. Era um rádio à válvula, bonito, grande. Todos nós
aprendemos um pouco sobre a montagem do mesmo. E o aparelho ficou sendo de todo
mundo, com a primazia o velho. As válvulas deixaram de existir e o rádio ainda
funcionou até que não se encontrava mais peças de reposição. Um dia ele teve um
fim, merecido, por tantos serviços prestados à família, que escutava O Direito
de Nascer e Jerônimo, o Heroi do Sertão, todos os dias, reunidos ao pé do
rádio. Pena que não tínhamos fogão de lenha. Já usávamos fogão elétrico, com
direitos à uns choques de vez em quando. Talvez por isso alguns de nós somos
insanos, outros modestamente desconectados. Todos saudáveis, com exceção daqueles
que batem pino, e de outros que tomam Sertralina.
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