quarta-feira, 30 de setembro de 2015

RELATOS DE VIAGEM À PATAGÔNIA – 15º DIA


23/03/2014

Esse foi o dia da caminhada ao Monte Torres e Laguna Torres: vinte quilômetros de caminhada em quase oito horas. A caminhada foi muito interessante. O guia Matias estava no hotel às oito horas e trinta minutos para nos conduzir por uma trilha, uma das muitas possibilidades até as montanhas do entorno de El Chalten. Escolhemos uma que nos pareceu mais fácil, quase dez quilômetros até Laguna torres e Cerro Torres. Lago, geleira e montanha visíveis à frente de quem chega lá. A escolha se baseou em nossas condições físicas (Bernard estava com problemas no joelho direito) e no fato de que as subidas e descidas nesse trajeto não são muito grandes. De fato, o caminho não é muito difícil, poucas subidas e descidas mais acentuadas. O caminho é bem limpo, bem marcado e sinalizado. Como a cidade vive do turismo eles capricham no atendimento. O guia falava um francês carregado de erres, à moda argentina, o que é muito engraçado de ouvir. Gente boa, tranquila, atendeu-nos muito bem dando boas informações e, ao final, contou um pouco sobre sua vida e sobre a vida local. Ficamos sabendo, por exemplo, que ele é escalador, que vai muito à França por isso. Ele parece ter uns quarenta anos, disse-nos que fica em El Chalten no verão de lá trabalhando como guia de montanha e no inverno local vai para Chamonix, na França, trabalhar como gui de montanha lá também, ou vai para outra cidade grande, na Argentina, trabalhar na construção civil, escalando prédios. Os grandes prédios contratam escaladores para trabalhos mais difíceis.

A trilha passa por estepes, florestas, várzeas de rios, belvederes diversos com vistas empolgantes da montanha e não tivemos muitas surpresas. Não vimos uma grande quantidade de aves, os pios não se diferenciavam muito, mas fomos brindados com um casal de pica-paus, com direito a pose para fotos. Um da cabeça vermelha (a fêmea), outro da cabeça negra (o macho). Eles nos deixaram aproximar até uns três ou quatro metros, facilitando o trabalho dos fotógrafos (Bernard e eu). No trajeto de volta vimos um outro casal, escondidos, no entanto, nas ramagens das árvores. Ainda faz parte do caminho riachos de água muito limpa, água de montanha, deliciosa. Uma das melhores águas minerais que já bebi. Água dos Andes que chegam aos vales Patagônicos. E nesse quesito, cuidado com as águas, os argentinos ganham disparado dos brasileiros.

A cada quilômetro a montanha ficava mais próxima, a luz do sol modificava a paisagem com novas tonalidades e novos brilhos. O mais belo nos aguardava, entretanto, quase quatro horas depois do início. Subimos o último aclive do trajeto, naquele momento em que se chega ao fim da trilha (será?), ao último minuto da caminhada, UAU! A visão do lago (não muito grande), da geleira azul atrás do lago e da montanha Cerro Torres atrá da geleira. E o Fritz Roy à direita delas. Eram doze horas e trinta minutos, o sol brilhava, o céu com poucas nuvens, e o lago verde, calmo, lindo, com alguns torrões de gelo boiando. Hora do emaravilhamento. Fotos, fotos e mais fotos. E o lanche. A fome chegou bem na hora do fim de nossa trilha, a ida.

Fritz Roy é o nome do capitão do navio Beagle, o navio descobridor do canal de Beagle no sul da Argentina e do Chile e que, em sua segunda viagem à região trouxe a bordo o jovem Charles Darwin. Depois dessa viagem, e com tudo que ele coletou e observou na região e em outros locais do trajeto do navio, ele escreveu a teoria da evolução das espécies. Não sei se Darwin esteve na região de El Chalten, creio que não, no entanto seu nome, o nome do capitão Fritz Roy e do navio Beagle deixaram registros profuntos por lá.

Voltamos ao hotel Altas Cumbres à dezesseis horas e trinta minutos e fomos descansar. Uma boa ducha, uns minutos de sono, outro de leituras, visita ao correio eletrônico, uma pausa enfim. Descansar as pernas.

Combinamos sair para jantar as dezenove horas e trinta minutos. Como é fim de rua, a cidade esvazia à noite, vários restaurantes estavam fechados. E precisávamos de um restaurante que aceitasse euros ou cartão de crédito, nossos pesos argentinos estavam no fim. Tivemos sorte ao entrar no restaurante Fuegia. Linda e colorida casa e duas mulheres lindas nos atendendo. Meu prato: biffe a la plancha, papas fritas e vegetales. Biffe vuelta, vuelta, ou seja, sangrando. Delicioso. E o vinho? Escolhi Desierto 25, Malbec. E pelo sorriso da atendente eu soube que a escolha era muito boa. Realmente! Um ótimo Malbec 2011, do norte da Patagônia.

Ao fim do dia meu pensamento era: Quando a gente se afasta de uma montanha com a qual desenvolveu alguma intimidade, é como se afastar de um ser querido. Essa foi a sensação ao ver de longe a cadeia Cerro torres e a Fritz Roy. Probabilidade de revê-las? Sempre queremos rever os seres queridos. Eu sou assim com minhas montanhas, as eleitas como companheiras.



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