Tanta coisa para esquecer, menos do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. Que olhar. São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Olhares da mulher amada. Não dá para esquecer.
Amadurecimento e envelhecimento saudáveis são possíveis. As dores e os amores ao envelhecer são temas do autor ao escrever sobre seu próprio envelhecimento, com humor e conteúdo. Sigam o “blog”. Algumas boas ideias podem aparecer.
sábado, 30 de abril de 2022
MEMÓRIAS PARA DEPOIS DO ANOITECER - IV
Tanta coisa para esquecer, menos do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. Que olhar. São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Olhares da mulher amada. Não dá para esquecer.
quinta-feira, 28 de abril de 2022
MEMÓRIAS PARA DEPOIS DO ANOITECER - III
III – Passeios aleatórios em Paris
Paris não é uma cidade qualquer. Ela é indefinível. Para
mim, uma das cidades mais belas que conheci. Não viajei tanto assim, talvez
tenha conhecido umas mil cidades em toda minha vida, muitas delas muito
bonitas, com atrações tão singulares e por isso tomam um pequeno espaço em
minha memória. O fato, no entanto, é que habitei na vizinhança de Paris por uns
quatro anos. E a cidade onde morei está a uns vinte quilômetros de Paris e pelo
menos três vezes na semana eu a visitava por alguma razão. Para estudo, de
passagem para outras cidades vizinhas, ou simplesmente a passeio, para
perambular por suas ruas.
Eu e alguns amigos brasileiros elegemos um bar onde íamos tomar
uma cerveja às sextas-feiras à tarde: L’Irlandais na Place de Contrescape, no
Quartier Latin. Sempre o mesmo bar. E mudamos a rotina do mesmo. O proprietário
contratou um garçom português só para nos servir. Isso porque consumíamos
bebida e comida e só pagávamos a conta ao final. Diferente dos franceses que
pagam seu consumo antes de consumi-lo.
O melhor lugar para almoçar era em um restaurante grego,
também no Quartier Latin, bem próximo ao Sena e à Catedral de Notre Damme. Uma
comida simples, rápida e suculenta. Deliciosa. Uma visita ao Musée d’Orsay
também era obrigatória pelo menos uma vez por mês. Lá ficam expostos vários
trabalhos dos Impressionistas, algo estupendo.
Nem sei quantas vezes subi a Torre Eiffel. Sempre que um
brasileiro me visitava, obrigatoriamente eu deveria conduzi-lo ao alto da
Torre. Por fim, eu ficava esperando em baixo, na grande praça onde ela se
localiza. Ou então sentava-me na mureta à margem do Sena e ficava a admirá-lo,
ou a ler.
Não conheci a cidade inteira. Paris é menor que Belo
Horizonte, em área urbana, mas tem mais ou menos a mesma população. O momento
chique de minhas perambulações foi chegar a Paris, vindo de Londres, de
bicicleta. Outra história que deve ficar na memória para ser contada depois do
anoitecer. Minha temporada em Paris rendeu-me vários acontecimentos memoráveis,
será sempre um prazer contar em uma roda de conversa, ou apenas deixar
registrados em relatos em forma de crônicas. Não me furtarei a contá-los em
algum momento de minha vida, antes e depois do anoitecer.
quarta-feira, 27 de abril de 2022
MEMÓRIAS PARA DEPOIS DO ANOITECER - II
II – Fotografia do nascer do sol
Saí antes do nascer do sol. O céu estava claro e uma brisa, ainda fria, soprava em minhas orelhas. Meu destino naquela aurora era a praia. Queria fotografar o nascer do sol, que geralmente vinha como uma bola gigante e quente em meio às nuvens vistas ao longe dando um colorido especial onde o céu e o mar se encontram. Minha máquina fotográfica? Uma pequena Xereta, bem menor que os atuais aparelhos celulares que transforma todos seus possuidores em fotógrafos.
Na praia, os primeiros raios luminosos demarcavam o local
onde o sol iria nascer. A praia estava absolutamente deserta. Notei a presença
de um pequeno barco ancorado ali onde as ondas beijam a areia. Posicionei-me em um bom local, onde poderia enquadrar o sol e o barco, conforme a regra
dos terços que eu havia aprendido em leituras sobre fotografia das revistas catadas
nas bancas para facilitar meu entendimento da arte.
Só faltava um barqueiro para completar o quadro, pensei. E
quando acabei de pensar, um homem apareceu de um dos inúmeros becos que conduziam
àquela praia, sempre movimentada com o sol mais alto. Só falta ele parar no
barco no momento que o sol nascer, pensei de novo. Como dizem que quando você
pensa algumas coisas acontecem, aconteceu. O homem era o barqueiro, chegou e se
abaixou ao lado do barco e começou a trabalhar com o intuito de colocá-lo no
mar.
No exato momento em que ele se põe a remar, a bola de fogo
solar cresce, se torna gigante e o céu se avermelha. Cliques, cliques, cliques.
Eu estava no lugar certo, no enquadramento perfeito, a cor era perfeita, a foto
saiu perfeita. Muito boa para um aprendiz de fotografia.
Eu a perdi nas andanças da vida. A cena ficou gravada na
memória. E hoje, mais de quarenta anos depois, a registro para contar depois do
anoitecer. Que ela fique também depois de meu anoitecer, daqui ainda muitos
anos, claro.
MEMÓRIAS PARA DEPOIS DO ANOITECER - I
I – As montanhas
Adoro montanhas. A primeira memória que me vem à cabeça são
memórias de montanhas. Cordilheiras inteiras. Cresci em uma cidade montanhosa,
com estradas sobe-desce, curva pra lá – curva pra cá. De fazer cidadão das
planícies ter enjoos até ficar amarelo. Quando viajava para minha cidade eu
podia cochilar tranquilo. Para saber se estava próximo de minha casa era só
abrir um olho e olhar a montanha ao lado. Pelas curvas da montanha eu sabia se
estava chegando. Se era hora de descer do ônibus. Nunca errava.
Minha casa de infância e juventude ficava em frente a mata
ao pé da serra. A mata era nosso quintal e nosso esconderijo. Nossa diversão.
Subi naquela serra inúmeras vezes, penetrando a mata, atravessando córregos.
Ora rápido, ora devagar. Feliz, como sempre.
Mais tarde na vida subi outras montanhas. Escalei montanhas,
à unha, na Serra do Cipó, para nadar em cachoeiras do alto do morro, Cheguei ao
cume do Mont Blanc, nos Alpes franceses, por três vezes. Aquele clima gelado me
entorpecia de emoção. Era estranho, para mim, ter um sol claro e a temperatura
a menos dez graus. Em uma de minhas subidas, enquanto esperava o teleférico que
me levaria da parada intermediária até o alto, eu tirei a blusa e a camisa para
sentir o sol gelado nas costas. Queimava, mas de frio.
Recentemente eu subi o Mirador del Condor, no Chile. Uma
montanha alta embora nem tão difícil de escalar. Sem necessidade de
instrumentos, apenas as mãos e a coragem. Tenho uma foto minha levantando o
punho tipo Pantera Negra. Feliz com a conquista daquela visão da outra
montanha, em frente, a dos ninhos dos pássaros.
Depois de tantos movimentos pela vida, voltei às montanhas de minha cidade da infância. Agora quero encontrar tempo para subir novas montanhas. E fazer novos registros para contar ao anoitecer.
domingo, 24 de abril de 2022
VIDAS IDOSAS SEMPRE IMPORTAM
“A Gerontologia é o campo de estudos que investiga as experiências de
velhice e envelhecimento em diferentes contextos socioculturais e
históricos, abrangendo aspectos do envelhecimento normal e patológico.
Investiga o potencial de desenvolvimento humano associado ao curso de vida e ao
processo de envelhecimento. Caracteriza-se como um campo de estudos
multidisciplinar, recebendo contribuições metodológicas e conceituais da
biologia, psicologia, ciências sociais e de disciplinas como a biodemografia, neuropsicologia,
história, filosofia, direito, enfermagem, psicologia educacional, psicologia
clínica e medicina”.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), dos 210 milhões brasileiros, 37,7 milhões são pessoas
idosas, ou seja, que têm 60 anos ou mais. Os dados são de 01 de outubro de
2021, Dia Nacional do Idoso, e fazem parte de uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), que traz também outras estatísticas: 18,5% dessa
população ainda trabalha e 75% dela contribuem para a renda de onde moram.
Os direitos dos idosos estão
garantidos na Constituição Federal que, em seu Artigo 230, define que família,
sociedade e Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando a sua participação na comunidade, defendendo
sua dignidade, promovendo seu bem-estar e garantindo o direito à vida,
direitos registrados no Estatuto do Idoso, publicado em 2003.
Baseados apenas nesses registros oficiais
da legislação parece que está tudo bem. Os idosos estão protegidos e não têm
nada a temer. A vida do idoso seria um mar de tranquilidade se não estivéssemos
no Brasil, um país onde as diferenças sociais atingem seus limites facilmente.
E o que temos assistido diariamente são idosos sendo destratados e sequer
ouvidas suas demandas, muito menos atendidas naquilo descrito sucintamente na
legislação.
Muitos não têm onde morar ou habitam
quartos sem condições sanitários, nos fundos das casas de seus parentes. Outros
são destratados em locais públicos, e até mesmo seus familiares não têm a
mínima paciência para a atenção ao idoso. As tristezas e amarguras dos idosos
estão, muitas vezes, estampadas em seus rostos, em suas rugas, em suas doenças,
muitas delas decorrentes simplesmente de um quadro depressivo.
Felizmente não é meu caso. Tenho
saúde, companhia de uma pessoa amada, carinho de uma filha e dois netos, uma
aposentadoria e muita disposição. Por isso me coloco à disposição da causa, como
ativista através daquilo que faço melhor: escrever, contar causos, conversar
com pessoas ou grupos de pessoas, fazendo da escuta tanto uma provocação quanto
uma atenção especial a quem precisa de usar a voz.
Estamos na causa: VIDAS IDOSAS IMPORTAM.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
AINDA É UMA ROSA
Envelhecer é assim: transformar a beleza anterior em novas belezas, provocando outras formas de ver e ser visto. A rosa prestes a cair no chão do jardim ainda guarda um pouco de seu perfume, diferente do perfume de antes, mas ainda perfume. Ainda tem a essência da rosa, nascida com uma finalidade no ciclo da vida, e finalidade alcançada, tipo missão cumprida. Suas pétalas envelhecidas ainda podem ser guardadas com carinho entre folhas de um caderno, ou virar adubo no mesmo jardim onde nasceu e cresceu. Tudo tem seu tempo e seu espaço de vivência e sobrevivência.
Neste fim de semana de feriado cuido de minha mãe,
bem velha. Ela perdeu sua vitalidade, sua memória e sua audição. Ocasionalmente eu a pego na cozinha mexendo nas panelas. Como não tem mais a agilidade da
cozinheira que foi um dia, não a deixo trabalhar no fogão. Ela esquece chamas acesas,
torneiras abertas e pode se queimar pela falta de força nas mãos para pegar
peso. Sua vontade é de fazer algumas das coisas que sempre fez, como quando eu
chegava em sua casa e ela ia fazer sua famosa receita de pão de queijo com o
cuidado maternal. Como não dá conta fica ansiosa, sem lugar dentro de casa.
Isso me remeteu a outra questão que pode ser importante no
caso. Não tenho a resposta, mas a pergunta começou a me perturbar hoje: será
que se ela tivesse passatempos seria diferente? Será que se tomasse seu tempo para
fazer coisas manuais, tipo tricô e crochê, ela seria menos ansiosa? As coisas
que ela gostava de fazer eram conversar, sair de casa e representar no palco.
Todas essas atividades ficaram prejudicadas com a idade, a paralização pela
pandemia, a perda de memória e a surdez. Principalmente pela pandemia. Ficar
dois anos em casa sem ter o que fazer foi terrível para ela.
Agora, pensando em meu próprio processo de envelhecimento, o
que devo fazer para não acontecer o mesmo comigo? Que hobbies deveria ter para
envelhecer fazendo, mesmo que a memória e outras acuidades físicas e mentais se
deteriorem? Algo que eu lembre como coisa antiga quando a memória falhar. O que
sei fazer bem hoje e poderei continuar fazendo quando não mais conseguir
fazer outras coisas? Hora de pensar em uma lista e me aperfeiçoar nas técnicas
necessárias para executá-las bem. Ou quem sabe aprender atividades novas.
O que gosto de fazer e sei fazer bem, hoje, são: ler e escrever,
dar minhas palestras (embora pense que as pessoas não têm paciência para
escutar os velhos), cuidar de horta e jardim, fotografar e filmar (esses
quesitos me dão prazer, mas preciso me aperfeiçoar), escrever cartas para os
amigos, principalmente essas. Minha companheira insiste que eu aprenda a cantar
e tocar um instrumento. Talvez seja essa uma saída interessante para
amadurecer: aprender música. E fazer atividades físicas, claro. Sempre fui
atleta amador, mais que nunca é hora de continuar. Será que me antecipei ao
problema e o resolvi? O tempo dirá.
UMA IDOSA NO CAIXA DO BANCO
Uma senhora idosa aproximou-se do balcão do banco com passos lentos, mas firmes. Estendeu o cartão bancário ao caixa e, com uma voz serena, ...
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Era uma segunda-feira pela manhã, início de mês, os supermercados estão geralmente cheios nesta hora preferencial das pessoas idosas fazerem...
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“Não perca tempo correndo atrás daquilo que perdeu no passado. Enquanto isso você pode estar perdendo coisas importantes no presente” (Irm...
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Histórias e Reflexões sobre os Sabores da Existência Antes que você, leitor, estranhe o título dessa narrativa e das próximas que irei p...