sexta-feira, 15 de abril de 2022

AINDA É UMA ROSA



Envelhecer é assim: transformar a beleza anterior em novas belezas, provocando outras formas de ver e ser visto. A rosa prestes a cair no chão do jardim ainda guarda um pouco de seu perfume, diferente do perfume de antes, mas ainda perfume. Ainda tem a essência da rosa, nascida com uma finalidade no ciclo da vida, e finalidade alcançada, tipo missão cumprida. Suas pétalas envelhecidas ainda podem ser guardadas com carinho entre folhas de um caderno, ou virar adubo no mesmo jardim onde nasceu e cresceu. Tudo tem seu tempo e seu espaço de vivência e sobrevivência.

Neste fim de semana de feriado cuido de minha mãe, bem velha. Ela perdeu sua vitalidade, sua memória e sua audição. Ocasionalmente eu a pego na cozinha mexendo nas panelas. Como não tem mais a agilidade da cozinheira que foi um dia, não a deixo trabalhar no fogão. Ela esquece chamas acesas, torneiras abertas e pode se queimar pela falta de força nas mãos para pegar peso. Sua vontade é de fazer algumas das coisas que sempre fez, como quando eu chegava em sua casa e ela ia fazer sua famosa receita de pão de queijo com o cuidado maternal. Como não dá conta fica ansiosa, sem lugar dentro de casa.

Isso me remeteu a outra questão que pode ser importante no caso. Não tenho a resposta, mas a pergunta começou a me perturbar hoje: será que se ela tivesse passatempos seria diferente? Será que se tomasse seu tempo para fazer coisas manuais, tipo tricô e crochê, ela seria menos ansiosa? As coisas que ela gostava de fazer eram conversar, sair de casa e representar no palco. Todas essas atividades ficaram prejudicadas com a idade, a paralização pela pandemia, a perda de memória e a surdez. Principalmente pela pandemia. Ficar dois anos em casa sem ter o que fazer foi terrível para ela.

Agora, pensando em meu próprio processo de envelhecimento, o que devo fazer para não acontecer o mesmo comigo? Que hobbies deveria ter para envelhecer fazendo, mesmo que a memória e outras acuidades físicas e mentais se deteriorem? Algo que eu lembre como coisa antiga quando a memória falhar. O que sei fazer bem hoje e poderei continuar fazendo quando não mais conseguir fazer outras coisas? Hora de pensar em uma lista e me aperfeiçoar nas técnicas necessárias para executá-las bem. Ou quem sabe aprender atividades novas.

O que gosto de fazer e sei fazer bem, hoje, são: ler e escrever, dar minhas palestras (embora pense que as pessoas não têm paciência para escutar os velhos), cuidar de horta e jardim, fotografar e filmar (esses quesitos me dão prazer, mas preciso me aperfeiçoar), escrever cartas para os amigos, principalmente essas. Minha companheira insiste que eu aprenda a cantar e tocar um instrumento. Talvez seja essa uma saída interessante para amadurecer: aprender música. E fazer atividades físicas, claro. Sempre fui atleta amador, mais que nunca é hora de continuar. Será que me antecipei ao problema e o resolvi? O tempo dirá.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

CARTA PARA EU CRIANÇA

  Não me lembro do dia em que esta foto foi tomada. Minha irmã, essa aí dos olhos arregalados, era um bebê de alguns meses e eu devia ter me...