Tem coisas que só aprendemos com
o tempo, com a tal da experiência de vida. Ainda bem que aprendemos, mesmo
sendo o tempo uma variável estranha. Dizem que os minutos e horas são medidas
precisas, contadas a partir das oscilações nucleares de determinado elemento
químico. No entanto, quando contamos nossas experiências com o tempo, as
medidas não conferem. Um mistério! Então, vamos aos fatos.
Quando eu estava com uns dez ou
doze anos, nem me lembro quando exatamente (olha o tempo medido aí), minha mãe
sempre recebia a visita de uma vizinha, por acaso uma conterrânea de meu pai.
Essa vizinha sempre reclamava da vida ingrata, que não lhe premiou com as
alegrias e as benesses, segundo ela, e que levava uma vida triste e miserável.
Era pobre, o marido não tinha emprego fixo, os filhos sempre adoentados, ela
era uma abandonada pelas graças divinas. E minha mãe a escutava até perder um
pouco a paciência (porque isso acontecia quase todos os dias) e lhe dizia
assim: - Ô Terezinha, pare de falar desgraças. Desgraça atrai desgraça. É uma
palavra que nem deveria sair de nossa boca. – A Terezinha não ouvia e sua vida,
de fato, se derramou em desgraças que iam se acumulando. Anos mais tarde eu vi
seu marido pedindo esmolas em uma avenida da capital, sem as pernas e de
muletas, e seu filho engraxando sapatos na mesma avenida. Pensei, lógico, que
minha mãe tinha razão: desgraça atrai desgraça.
Anos mais tarde, eu assistia uma
mesa redonda de um seminário de poesia promovido pela universidade, isso na
antiga faculdade de filosofia da UFMG. Nessa mesa redonda falava Fernando
Brant, letrista de músicas de compositores do grupo chamado de Clube da
Esquina, com muitos sucessos principalmente na voz de Milton Nascimento. Falava
também, na mesma mesa, outro letrista conhecido da Música Popular Brasileira, o
José Carlos Capinam, autor de uma música genial, entre muitas outras, em
parceria com Edu Lobo, “Ponteio”. Fernando Brant quase não falava, enquanto
Capinam usava da palavra galantemente. Em dado momento ele confessa que
escrevia letras tristes, melancólicas, e sua vida era coerente com suas letras:
triste e melancólica. Até que, certa vez, decidiu escrever apenas sobre a
alegria, o amor e outras coisas boas da vida. E sua vida mudou, tão logo suas
poesias, ou letras de músicas, mudaram. Ele afirma essas palavras de forma
emocionada, alertando para o grande poder das palavras em nossas vidas.
Um terceiro momento aconteceu lá
pelos anos mil novecentos e noventa e seis ou sete, ou oito, aqui a medida do
tempo também se perdeu no horizonte de minha memória, mas não o fato. Houve uma
presença significativa de autores brasileiros no Salon du Livre de Paris, com vários autores brasileiros lançando
livros. Entre esses autores estava Lígya Fagundes Telles, lançando livro e
fazendo palestra. Eu estava lá para ouvir sua fala e, de quebra, ainda vi, bem
de perto, a grande atriz francesa Cathérine Deneuve. Aliás, ela se sentou em
uma mesa ao lado da minha. Eu quase fiquei com torcicolo de tanto olhar para o
lado para ver a Belle de Jour. Mas o
que ficou registrado de interesse para este relato foram as palavras de Lígya.
Ela disse, em um francês esforçado, que todo escritor deve tomar muito cuidado
com as palavras e com as formas que usam essas palavras. Pois as palavras têm
poder, ela disse. As palavras voltam-se contra nós ou a nosso favor, dependendo
de como as empregamos. Essas palavras retumbaram em minha mente como as
palavras de minha mãe, lá no tempo de minha infância: não fala desgraça,
Terezinha, pois desgraça atrai desgraça.
Tempos depois, nem sei quanto
tempo, ainda demorou um pouco, a teimosia nossa de cada dia é danada de
sorrateira e forte, mas consegui: decidi ser bem-humorado por obrigação. E ser
alegre e feliz por opção, sabendo que essa opção é um caminho, não um tratado
de vida. E requer esforço.
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