Minha mãe tem noventa e cinco anos e precisa de acompanhantes cuidadores durante as vinte e quatro horas. Durante a semana ela tem a presença de uma funcionária contratada para os cuidados com ela e para as tarefas domésticas como faxinar a casa, cozinhar, lavar a roupa. Seu horário de trabalho é de oito até as dezessete horas, com uma hora de descanso. E à noite ela tem a presença de um neto, que mora lá e trabalha com vendas que ele faz, a maioria delas, pela internet. Durante os fins de semana, de sexta a domingo à noite, meus irmãos e eu nos revezamos nesses cuidados.
A razão dessa escrita é elucidar os dois conceitos acima
considerando a nossa atividade de cuidadores de nossa mãe. Que não é fácil, mas
não precisaria ser tão difícil. E é difícil falar e escrever sobre isso porque,
afinal, trata-se de nossa mãe, uma velha dependente dos cuidados de outros, uma
pessoa que sempre foi muito ativa, independente, inteligente, bem como
manipuladora e controladora.
Nós já tivemos uma experiência de cuidadores, anos atrás,
quando nosso pai ficou na cama entre abril e dezembro, quando veio a falecer.
Oito meses em que cada um de nós ficava com ele durante vinte e quatro horas de
cada vez. Foi uma experiência dura e ao mesmo tempo interessante. Isso porque
ele aceitava a situação com muita paciência e muito carinho para com seus
filhos cuidadores. Ele precisava ser medicado, lavado, ter suas roupas trocadas
e ter sua bolsa de colostomia esvaziada de duas em duas horas e trocada de vez
em quando. E estava fraco demais para fazer qualquer dessas coisas. Mas ele
tinha um carinho no olhar, nas palavras e nos gestos. Foi uma experiência e
tanto.
Pensávamos, então, que cuidar de nossa mãe, que não tem
problemas de saúde, toma poucos remédios com hora marcada, caminha com a ajuda
de uma muleta, come com as próprias mãos, e faz sozinha outras atividades,
seria muito mais fácil. Ledo engano. Nossa mãe não é mais ativa, é agora
dependente, mas continua inteligente, manipuladora e controladora. Vê defeito
em tudo e não tem nem um pouco de carinho para com seus cuidadores. E isso faz
a tarefa de cuidar dela ser muito pesada.
Minha mãe não teve uma vida fácil. Nasceu e morava na roça,
seus pais viviam da colheita e, aos seis anos foi morar na cidade para estudar
e nunca mais voltou. Na cidade ela morou em várias casas onde trabalhava para
comer e ir à escola. Foi muito maltratada até encontrar uma família que a
recebeu com um pouco mais de atenção e cuidado, mas, embora ela sempre negue,
eu não acredito que essa família a tenha tratado com carinho. Ela, parece-me,
não recebeu muito carinho na vida. Casou-se com meu pai aos vinte e seis anos,
um homem machista, centralizador que também cuidou bem dela, mas eu assisti a
poucas cenas de carinho entre os dois. Mas era o que ela tinha. Para quem nunca
recebeu carinho, aquele pouco carinho estava bom para ela. Acredito que isso
justifique a falta de carinho dela com a gente, seus filhos.
Esse assunto tem surgido entre alguns de nós, eu e uma irmã
especificamente. No último fim de semana foi minha vez de cuidar. E eu me
interrogava porque eu sempre fico muito cansado com esse ato de cuidar, e não
deveria. Porque é fazer mais ou menos as mesmas coisas que eu faço em casa:
cuidar de alguém, cuidar de minha casa, cozinhar, servir, etc. E porque eu fico
tão cansado? Pior, com certa culpa por isso, um sentimento de culpa por ficar
nervoso e quando volto para casa no domingo à noite eu fico sem dormir direito.
E na segunda-feira tenho que dar um tempo para me recompor psicologicamente.
Foi então que me veio à cabeça uma resposta: existe uma
diferença nada sutil entre cuidado e carinho. O cuidado pode ser unidirecional.
Um cuida de outro que não cuida de um. Alguém precisa de cuidados e contrata
uma pessoa, um cuidador profissional, ou recorre a outra pessoa, no nosso caso
um filho(a), para desempenhar esse papel. Mas o carinho nunca é unidirecional.
Se for, ele finda um dia. O carinho necessita de uma troca. Dois se acarinham. Essa foi minha resposta à questão: porque não
consigo dar carinho à minha mãe? Simplesmente não guardo em minha memória
nenhuma cena em que minha mãe tenha me colocado no colo e feito um carinho.
Conversei isso com uma de minhas irmãs e ela também não se lembra. Pior, teve
que se cuidar, ser assistida por um psicólogo quando percebeu que sua filha não
recebia dela o carinho que ela deveria dar, mas que recebia dela. E como também
está sendo difícil para ela cuidar de nossa mãe.
Talvez isso explique porque eu sempre falhei em meus
relacionamentos. Quando começava a receber muito carinho eu saía fora. Porque o
carinho é mais que o contato de mãos na pele. Carinho é a troca de afagos na
alma.
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