Hoje já é dia oito de abril, estou na
quarta semana de quarentena, vigésimo terceiro dia e estou bem. A quarentena
tem sido ótima para ficar em casa comigo mesmo. Eu consigo esta façanha porque
estou tranquilo e sereno. Quantas pessoas estão desesperadas porque não
aguentam mais ficar em casa? Eu aguento. Não quero ser contaminado, não quero
ficar doente, então fico em casa. Isso vai passar, eu sei.
Essa auto imposição de ficar em casa,
nos leva a outros questionamentos. Sobre o tempo, por exemplo. Eu descobri que
sou um poeta do tempo e do espaço. Em meus textos, poemas principalmente,
disserto muito sobre o tempo e o espaço e suas relações, medidas, formas de
sentir, etc. Talvez seja meu espírito de cientista, de físico por formação, o
tempo sempre é uma temática. Em tempos de quarentena, de tempo passando
devagar, vamos falar de tempo? Surgiu aí uma ideia: escrever sobre o tempo para
crianças e jovens.
O tempo é frustrante? Só quando
estamos com pressa e, de repente, temos que parar para dar um tempo para que as
coisas se resolvam da melhor maneira sem nossa intervenção. E esse isolamento
nos cria uma sensação de enorme inutilidade. Aos poucos ninguém mais te
telefona, ninguém mais te manda mensagens, ninguém mais lê, curte e comenta o
que você escreve nas redes sociais. Isso é isolamento total. E você descobre
que não é mais útil para ninguém e tem medo de morrer assim mesmo. A sensação
de inutilidade não açoda o desejo de morte. Sim, isso é uma forma de estar
vivo, de se sentir vivo. Não ser útil para ninguém e não querer morrer. Porque
nós somos mais que isso. Somos mais que a soma de nossas intenções, nossas
vontades. Somos mais que a soma de nossos desejos. Tem algo na conta que conta
mais que as parcelas e o resultado é maior que imaginamos. É aí que volta a
esperança, exatamente quando estamos no escuro e percebemos que a luz da manhã
vai chegar a qualquer momento e, como pássaros de madrugada, levantamos e nos
preparamos para alçar voos. Só levamos conosco nosso passado, ele gruda em nós
como eco de nossas falas, nossos gritos. Como eco, não como peso. Eco não pesa,
apenas sussurra em nossos ouvidos. E assim podemos sair desse mundo escuro como
os contos de Edgar Alan Poe.
E eu quero um belo dia hoje. Choveu
muito à noite, amanheceu nublado, mas agora, quando levanto daqui para tomar
meu café matinal, o sol brilha lá fora, ainda tímido, ainda tépido, morno. Mas
meu coração está quente. O café que se coloca à mesa pelas mãos da mulher
enquanto escrevo, está quente e me aquecerá o corpo, a começar pela boca, pela
garganta e nela darei um beijo com a boca quente. E o dia recomeça. E eu em meu
isolamento social, bem acompanhado, diga-se de passagem. O que não me faz
sentir menos só. Pois tenho solidão de amigos, solidão de abraços variados e
sortidos durante o dia. Eu que defendia a terapia do abraço. Precisamos de uns
dez abraços diferentes por dia, cada um de mais de vinte segundos para a devida
liberação e absorção de oxitocinas para melhorar o humor e a saúde.
Abraços, no entanto, só de quem vive
comigo no mesmo espaço e faz a quarentena a meu lado. Convivemos com os mesmos
vírus, comemos da mesma comida, dormimos na mesma cama, trocamos fluidos o dia
inteiro, e noite também. Daí nos abraçamos várias vezes por dia, longamente, porque
gostamos um do outro e para compensar os abraços não trocados com outras pessoas.
E nos faz muito bem.
O dia hoje não foi de muito trabalho,
fiz apenas o essencial da casa, algumas leituras, etc. Fui ao correio enviar
livros, ele já estava fechado. Estão trabalhando em horário reduzido, só até
quinze horas e trinta minutos. Perdi tempo. No caminho de volta para casa
apanhei alguns paletes para fazer uma obra aqui. Um armário para a cozinha. Um
teste à minha capacidade obreira, como marceneiro. E à noite assistimos a um
filme engraçado, uma comédia leve e divertida, com Robert de Niro e Anna
Hataway. Fechou o dia. Sigamos, então.
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