quinta-feira, 9 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA VI – 08/09/2020


Hoje já é dia oito de abril, estou na quarta semana de quarentena, vigésimo terceiro dia e estou bem. A quarentena tem sido ótima para ficar em casa comigo mesmo. Eu consigo esta façanha porque estou tranquilo e sereno. Quantas pessoas estão desesperadas porque não aguentam mais ficar em casa? Eu aguento. Não quero ser contaminado, não quero ficar doente, então fico em casa. Isso vai passar, eu sei.
Essa auto imposição de ficar em casa, nos leva a outros questionamentos. Sobre o tempo, por exemplo. Eu descobri que sou um poeta do tempo e do espaço. Em meus textos, poemas principalmente, disserto muito sobre o tempo e o espaço e suas relações, medidas, formas de sentir, etc. Talvez seja meu espírito de cientista, de físico por formação, o tempo sempre é uma temática. Em tempos de quarentena, de tempo passando devagar, vamos falar de tempo? Surgiu aí uma ideia: escrever sobre o tempo para crianças e jovens.
O tempo é frustrante? Só quando estamos com pressa e, de repente, temos que parar para dar um tempo para que as coisas se resolvam da melhor maneira sem nossa intervenção. E esse isolamento nos cria uma sensação de enorme inutilidade. Aos poucos ninguém mais te telefona, ninguém mais te manda mensagens, ninguém mais lê, curte e comenta o que você escreve nas redes sociais. Isso é isolamento total. E você descobre que não é mais útil para ninguém e tem medo de morrer assim mesmo. A sensação de inutilidade não açoda o desejo de morte. Sim, isso é uma forma de estar vivo, de se sentir vivo. Não ser útil para ninguém e não querer morrer. Porque nós somos mais que isso. Somos mais que a soma de nossas intenções, nossas vontades. Somos mais que a soma de nossos desejos. Tem algo na conta que conta mais que as parcelas e o resultado é maior que imaginamos. É aí que volta a esperança, exatamente quando estamos no escuro e percebemos que a luz da manhã vai chegar a qualquer momento e, como pássaros de madrugada, levantamos e nos preparamos para alçar voos. Só levamos conosco nosso passado, ele gruda em nós como eco de nossas falas, nossos gritos. Como eco, não como peso. Eco não pesa, apenas sussurra em nossos ouvidos. E assim podemos sair desse mundo escuro como os contos de Edgar Alan Poe.
E eu quero um belo dia hoje. Choveu muito à noite, amanheceu nublado, mas agora, quando levanto daqui para tomar meu café matinal, o sol brilha lá fora, ainda tímido, ainda tépido, morno. Mas meu coração está quente. O café que se coloca à mesa pelas mãos da mulher enquanto escrevo, está quente e me aquecerá o corpo, a começar pela boca, pela garganta e nela darei um beijo com a boca quente. E o dia recomeça. E eu em meu isolamento social, bem acompanhado, diga-se de passagem. O que não me faz sentir menos só. Pois tenho solidão de amigos, solidão de abraços variados e sortidos durante o dia. Eu que defendia a terapia do abraço. Precisamos de uns dez abraços diferentes por dia, cada um de mais de vinte segundos para a devida liberação e absorção de oxitocinas para melhorar o humor e a saúde.
Abraços, no entanto, só de quem vive comigo no mesmo espaço e faz a quarentena a meu lado. Convivemos com os mesmos vírus, comemos da mesma comida, dormimos na mesma cama, trocamos fluidos o dia inteiro, e noite também. Daí nos abraçamos várias vezes por dia, longamente, porque gostamos um do outro e para compensar os abraços não trocados com outras pessoas. E nos faz muito bem.
O dia hoje não foi de muito trabalho, fiz apenas o essencial da casa, algumas leituras, etc. Fui ao correio enviar livros, ele já estava fechado. Estão trabalhando em horário reduzido, só até quinze horas e trinta minutos. Perdi tempo. No caminho de volta para casa apanhei alguns paletes para fazer uma obra aqui. Um armário para a cozinha. Um teste à minha capacidade obreira, como marceneiro. E à noite assistimos a um filme engraçado, uma comédia leve e divertida, com Robert de Niro e Anna Hataway. Fechou o dia. Sigamos, então.




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