domingo, 5 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA II - 04/04/2020


Hoje o dia foi principalmente libidinoso. Ao acordar e durante a sesta fizemos amor, eu e ela, lógico. Foi avassalador o tesão nos dois momentos. Parece que a diversão sexual nos fortalece, nos mantém lúcidos neste período de loucura virótica. As pessoas têm medo de contrair um vírus, mais medo ainda de transmiti-lo para seus familiares mais idosos e estes morrerem. Oitenta por cento dos mortos pelo covid-19 está na categoria de mais de sessenta anos e com algum problema de saúde anterior. E o número de mortos cresce no Brasil e no mundo.  Mas nós criamos uma espécie de capa protetora, com a cumplicidade amorosa entre nós. Fazemos sexo, cuidamos um do outro, fazemos nossa comida e ficamos em casa a maior parte do tempo. Durante a semana, hoje é sábado, saímos poucas vezes. E sempre para dar uma caminhada ou fazer compras nos supermercados com cuidado e proteção. A vida é muito louca.
Saí pela manhã para comprar algumas coisas no supermercado e abastecer nossa geladeira e despensa de alimentos. E também para comprar algumas coisas inusitadas: pregos para fazer uma obra de madeira para decoração da casa, cola para colar peças de madeira e lixa para deixar as madeiras lisinhas e sem farpas que nos machuque as mãos. Estou pegando paletes usados pelas transportadoras, paletes jogados fora por alguma razão, e usando suas tábuas para construir um suporte para flores, ou um coxo para dar comida aos pássaros, ou uma casinha de cachorro, coisas assim. Na loja de material de construção o atendimento foi bem profissional e o atendente pegou o material solicitado para me entregar e depois passou álcool em minhas mãos e nas dele. Ele me disse ter imunidade baixa e, portanto, corre riscos. No supermercado os cuidados dos funcionários são bem menores. Eles disponibilizam álcool a todos, mas poucos usam máscaras e luvas e nem se importam em manter distância uns dos outros e dos compradores. Os compradores estavam mais cuidadosos.
Uma vez em casa seguimos o ritual de desinfecção: tiramos os sapatos, lavamos os objetos comprados, lavamos as mãos e o rosto, passamos álcool. E como temos tido pouco contato com pessoas, pensamos não estar correndo grandes riscos. O almoço tem sido leve, comemos o suficiente, quase não comemos carnes. Antes do almoço, claro, uma bebida alcoólica, em pequena quantidade. Hoje eu tomei uma dose de cachaça e dividi uma lata de cerveja, 500ml, com minha mulher. Apenas isso.
À tarde fomos dar uma caminhada. De casa à Praça dos Quatro Elementos, ida e volta, são uns quatro quilômetros. E lá na praça nos sentamos e fizemos uma meditação de mais ou menos meia hora. Isso nos deixa leves e relaxados. Meu método de meditação é fazer o exercício de respiração que faço para chegar ao transe leve: respiração lenta e profunda, enchendo e esvaziando o abdômen, e pensando apenas na respiração e pronunciando algumas palavras, como uma mantra, que nos faz pensar que estamos inspirando coisas boas e expirando nossas mazelas. Na volta paramos na peixaria e compramos peixe e camarão para o almoço de amanhã, que será minha responsabilidade.
Além de tudo colocado acima fiz também a leitura de parte de dois textos: dois livros que estou lendo. Um como produtor de texto, que é um trabalho de leitura intensiva, catando problemas de redação e de coerência do texto. Outro como leitor beta, que é aquele leitor que acompanha o trabalho do escritor no momento em que ele escreve para lhe dizer se alguma coisa não está legal. Ou se pode melhorar.
Mas o que me preocupa é o fato de que o corona vírus estar mexendo com todo mundo. E as diversas formas com que ele mexe conosco. Em minha vizinhança temos diferentes tipos: um pensa que a quarentena é um exagero; outro que está ficando meio maluco e com medo da contaminação. Os dois não são idosos, o primeiro com sessenta anos e o segundo com cinquenta e três. E os dois são bolsonaristas ferrenhos e acreditam nessa merda que temos como presidente. E, no entanto, têm comportamentos diferentes e contraditórios. E os dois estão sem trabalho e, provavelmente, ficarão sem dinheiro. Eu acompanho as notícias pelos sítios de notícias na internet e no rádio. Estou mais preocupado com a conjuntura do país e com a despreocupação das pessoas, o que pode colocar em risco os outros, que com a situação econômica. Esta se arranja depois que o risco de contaminação passar. Sempre daremos um jeito. Sigamos, então.


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