Era domingo, estava quente, bateu uma vontade de
tomar uma bebida, uma cerveja gelada ou uma cachaça com gelo como se uísque fosse.
Instintivamente olhei o relógio. Bebidas alcoólicas só depois das onze da
manhã.
Essa história ficou como uma daquelas orientações
oficiosas na família, primeiro na casa do velho Chico, depois cada um dos
frequentadores da casa do velho Chico a adotou, eu inclusive, como se regra
fosse. Eu não me lembrava da origem da “regra”. Lembro-me que, aos domingos, os
frequentadores da casa do velho Chico, sabedores de seus conhecimentos e
deleites etílicos, iam chegando aos pouquinhos, sós ou acompanhados, às vezes
com uma garrafa debaixo do braço, ociosos para conhecerem a opinião balizada do
velho, e todos obedeciam a famosa “regra”: o primeiro trago só depois das onze.
- Porque só depois das onze? - Temos que ter domínio de nossas vontades, de
nossos prazeres e de nossos vícios. Eles não podem nos dominar, nós que os
dominamos. A regra ajuda a ter o controle. Uma segunda regra implícita, menos
tácita, era: almoço pronto, tomamos o último trago e passamos aos prazeres da
mesa.
Eu não me lembrava quem teria começado a “regra”,
se o velho Chico, se os manos Júlio e Guilherme, se eu mesmo. Nós três fomos,
enquanto o velho Chico vivo era, os mais habituais frequentadores da oficina
etílica e dos cursos de formação de degustadores que ele oferecia a quem
chegasse. E qual de nós teria sugerido a “regra” tão rapidamente seguida por
todos?
Em uma conversa animada sobre esses assuntos
mundanos, etilicamente regadas, claro, lembramos. Uma de nossas manas foi
casada com um devorador de doses, lembrando que devorador é uma categoria mais
diferenciada daquela de degustador. Os devoradores também colocam o prazer do
trago como uma variante ocupacional de vida, apenas o prazer deles é mais
difícil de ser atingido, a exigência volumétrica sendo um tanto mais além da
exigência volumétrica dos degustadores. E a velocidade processual do trago
também é bem maior no caso dos devoradores.
E a “regra” foi estabelecida anos atrás, quando o
devorador era frequentador da casa dos degustadores, relações conjugais e
familiares nos aproximavam. Para diminuir o volume de consumação etílica do
devorador e permitir uma convivência mais racional e lúcida até a hora do
almoço, em comum acordo definimos: bebida só depois das onze, o que nos dava
umas duas horas de deleite absoluto das boas branquinhas, aquelas que elegíamos
como as que atendiam ao alto nível de nosso controle de qualidade. E o
devorador em questão vigiava o relógio e, às onze em ponto entrava correndo na
varanda onde estávamos: - ô gente, já são onze horas.
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