Eu já me livrei de tantas coisas na vida que já perdi a conta. Entre perdas e ganhos o resultado é uma balança caída no lado dos ganhos. Ganhei mais que perdi. Eu não acredito que perdi pessoas. Perdi coisas, objetos que representam valores, talvez. Eu tive dois casamentos. O primeiro foi precipitado, antes de minha maturidade, com uma mulher que não me entendia, não dava o menor valor para os meus valores, que tinha uma série de crenças de senso comum e me incluía neles. Por exemplo, eu sou formado em Física, amante da Física e das Matemáticas e nunca fui religioso. Então, para ela isso significava ausência de sentimentos, de sujeito materialista e nada subjetivo. Errado. Totalmente errado. E quando o casamento acabou, eu me mandei e deixei os valores concretos, como casa, mobília e outros objetos com ela. Eu, o sujeito sem valores subjetivos, deixei para ela os símbolos dos valores materiais. Perdi a convivência com os filhos, que ela pensava que precisavam se afastar de mim. E eles só voltaram a conviver comigo quando saíram de seus domínios e tornaram-se adultos. Perdi? Ganhei mais que perdi. Recuperei parte de minha essência. Casei-me de novo, ganhei novos afetos, nova família e isso durou até a parceira colocar suas ambições pessoais, individuais, acima dos valores comuns. E eu, inconsequente ainda, procurei outros afetos fora do relacionamento. E não percebi que isso estava criando uma lacuna em nossa vida. Quando dei conta do erro era tarde. O casamento acabou. Perdi? Creio que desta vez perdi mais que ganhei. Mas, de novo, recuperei minha essência. E agora com mais maturidade, mais compreensão do processo. Decidi morar sozinho. Só que não fiquei sozinho muito tempo. Comecei outro relacionamento, mais maduro, com mais vontade de acertar. E com a sólida decisão de não mais perder minha essência. Minha tranquilidade, meu sossego com a vida. E a pandemia que nos trouxe o distanciamento social está sendo fundamental para me manter ligado comigo mesmo, para me deixar aceso ao presente, ao aqui e agora. Estou ganhando de novo.
Tenho ainda coisas às quais devo me livrar? Sim, claro. Mas
não são coisas materiais, não são pessoas. A gente não se livra das pessoas. A
gente se livre de determinados problemas ligados àquelas pessoas, simbolizados
por elas. E de que ainda quero me livrar? Quero me livrar de certas indecisões
que ainda tenho; quero me livrar de situações às quais devo dizer não e ainda
digo sim; quero me livrar de certas atividades que não gosto de fazer e ainda
faço sem necessidade. Quero me livrar de alguns valores, algumas crenças
limitantes que me impedem de agir de maneira rápido, decidida e definitiva,
porque não quero mais perder tempo fazendo coisas de que não gosto e não quero.
Simples assim.
Mas quero muito agradecer por todos os meus ganhos, todas as
minhas alegrias, todas os meus aprendizados, todos os momentos em que recuperei
mais um pouco de minha essência. Quero agradecer também por todas as minhas
perdas. Porque elas me conduziram a meus livramentos e a outros ganhos que não
teria se não tivesse perdido alguma coisa.
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