Meu Vô Ventura era um especialista em baboseiras. Na lista das vividas por ele ao longo da vida, uma que mais fundo o marcou foi namorar a vizinha rica porque ela tinha um carro e o levava para dar um rolê pela cidade. À época pareceu-lhe uma façanha para um garoto bonito e com uma família de parcos recursos financeiros, ele mal tinha grana para o ônibus. A façanha, no entanto, custou-lhe uma surra dada pelos potenciais interessados na menina. A cicatriz em seu braço nunca o abandonou.
Outra baboseira sempre foi sua birra com beterrabas. O
vermelho da beterraba manchava seus dentes, sujava sua camisa branca sempre na
hora de ir para a escola ou, mais tarde, ir para o trabalho (ele sempre foi
desajeitado assim). Aquela birra foi se transformando em ódio pelas beterrabas à medida que sua data de nascimento na carteira de identidade foi ficando antiga,
bem antiga. Não podia nem ver.
Recentemente, após ter vivido tantos jubileus pela
existência ativa e rica, sua filha o conduziu à nutricionista para acertarem
sua dieta alimentar. Vô Ventura precisa de alimentos fortes, ricos em
nutrientes saudáveis, para manter sua saúde, sem ganhar gorduras
desnecessárias.
Imaginem sua cara amarrada, careta feia mesmo, quando a profissional
da alimentação sugeriu um cardápio rico em... beterrabas.
— Beterrabas? Nem pensar!
— Mas, Sr. Ventura, beterrabas são ricas em vitamina C, cálcio, vitamina A, ácido fólico, potássio e
fibras. Além disso, contém antioxidantes que previnem doenças
cardiovasculares e alguns tipos de câncer, e auxiliam na redução do seu
colesterol sanguíneo, que está bem alto.
— E afirma isso com esse prazer estampado em seu rosto? Você
só pode ser uma torturadora. Abaixo a ditadura das beterrabas!
Vô Ventura pegou sua bengala, a que o mantinha ereto em situações
como essa, mostrou-a para a moça com uma careta de fúria e saiu
resmungando do consultório. Beterrabas não fazem parte de seu cardápio.
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