Assistindo ao show de encerramento da carreira de Milton Nascimento, comecei a pensar como esta música, a do Clube da Esquina, está emparelhada e amarrada à minha vida. Travessia, música apresentada pelo Milton em um festival de música, e o álbum de mesmo nome, foi lançado em mil novecentos e sessenta e sete, quando eu tinha quatorze anos. Não sei se a ouvi naquele mesmo ano, em nossa casa não havia televisão, escutávamos apenas o rádio. Talvez eu a tenha ouvido mais tarde, já com uns dezoito anos, ficando adulto e tomando ares de gente grande e dono do meu nariz. O fato é que Travessia inaugura o meu autorretrato.
A mesma coisa aconteceu com Sem Lenço Nem Documento, de
Caetano Veloso, lançada em mil novecentos e sessenta e oito. A música tocou tão
fundo em minha alma, que deixei crescer os cabelos anelados, formando cachos
como os cabelos de Caetano. Meu retrato quando jovem tem uma base concreta
nessas duas músicas. Ao mesmo tempo, apareceram os Beatles em minha vida, bem
como Pink Floyd. Comecei a desenhar meu autorretrato com o rock’n roll
progressivo. Na lista dessa época se encaixam também Genesis, Jethro Tull, e
outros.
A fase rock’n roll seguiu bem variada, mas nunca tão
auspiciosa quanto a que me ligou à música brasileira, conhecida como MPB e Moda
de Viola, ou caipira raiz. Ênfase total ao Clube da Esquina, talvez por
proximidade, ou por estar ambientado nos locais onde essas músicas foram
compostas e eram tocadas. E isso ficou muito forte quando morei no interior de
São Paulo. Como a música mineira me fez falta e como eu me virava, comprando
discos, para estar antenado com o que aqui se produzia.
Tornei-me íntimo, musicalmente, de Milton Nascimento,
Nivaldo Ornelas, Lô Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso, Tavinho Moura, Ronaldo
Bastos, Fernando Brant, e tantos outros que vieram depois. É como se a música
mineira, tanto a urbana quanto a caipira, falassem por mim e expressasse meus
sentimentos melhor que eu mesmo.
Fui aprendendo a gostar de músicas do mundo, mas sempre com
o olhar daqui pra lá, mesmo quando morei no exterior. A música de um povo
reflete a sua diversidade, sua cultura. Eu, no entanto, a miro sempre com meu
olhar de mineiro do interior, mas um interior próximo à capital, transitando
entre os dois lugares, e entre esse lugar, Minas, e o resto do mundo. Aprendi a
gostar de jazz, de blues, da chanson française, da música árabe muito
tocada na periferia de Paris e dos batuques dos pretos, samba entre eles.
Entre os compositores mais modernos, os jovens compositores
de hoje, tenho dificuldades de assimilá-los rapidamente. Creio que seja uma
questão de idade. Uma pessoa idosa, como eu, não se acostuma rapidamente com o
funk, embora eu reconheça que ela representa a cultura de um nicho da
população. Até já gosto do Rapp, principalmente aqueles de letras bem
elaboradas e poéticas.
No entanto, devo confessar: meu autorretrato ainda tem como
trilha principal as duas primeiras músicas que citei lá no começo da crônica.
Travessia, de Milton Nascimento, e Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, ainda
definem minha personalidade com boa dose de precisão. Com uma pausa no meio do
caminho para outras três: Metáfora, de Gilberto Gil, Cálice e Cio da Terra,
ambas composições de Chico Buarque e Milton Nascimento. Não me estranha fato de
três dessas músicas que compõem meu autorretrato são de Milton Nascimento. Sua
carreira musical se confunde com boa parte de minha história de vida. Viva
Bituca!
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