quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A ÚLTIMA VEZ QUE SEGUREI UM BEBÊ

Quando a gente envelhece, bebês passam a ser criaturas exóticas, daquelas que a gente olha e mantém distância. Por várias razões: em primeiro lugar, não confiamos tanto mais em nossa capacidade de segurar um ser tão frágil em nossas mãos trêmulas; e aquele ser tão delicado é, em si, um símbolo. Um símbolo de renovação da vida, nossa continuação como espécie no planeta, enquanto nós, os antigos, estamos indo embora. A qualquer momento o mundo irá sussurrar em nossos ouvidos e, mesmo quase surdos, ouviremos que nossa hora é chegada, nosso tempo nesta vida está escoando rapidamente pelas ampulhetas.

Escrevendo o parágrafo anterior encontrei uma expressão mais simpática para nos referirmos a nós mesmos: somos os seres antigos. Os antigos habitantes do planeta. Melhor que idoso, que cidadão de terceira idade, que velho, ou outra expressão usual.

Voltando à narrativa iniciada no primeiro parágrafo, hoje em dia se instalam conselhos e centros de referência da pessoa idosa por todo lado. Vejo isso com enorme desconfiança. Aliás, com várias desconfianças. É muito bom termos um local onde as pessoas antigas possam se encontrar e serem tratados com dignidade, obviamente. O poder público criou e referendou um estatuto da pessoa antiga, assim com um estatuto das pessoas novatas no planeta. Por que? Por que estatutos são necessários para as pessoas novatas e outro para as antigas? Cuidar dessas pessoas com o devido respeito não seria uma obrigação dos demais? Os que contribuirão no futuro com seu trabalho e os que já trabalharam para a manutenção do mundo?

Não sei se nós, os antigos, somos tão merecedores de admiração. O mundo que estamos deixando para os novatos não se encontra com a qualidade que gostaríamos. Precisam de estatutos. Os recursos naturais se escasseiam com rapidez, não fomos tão responsáveis. Por isso penso que não somos merecedores de admiração, nem todos. Somos merecedores, no entanto, de respeito e atenção. O reconhecimento de nossos erros já é uma maneira de mostrarmos que há caminhos diferentes. Aprende-se muito nos fracassos, não é o que dizem? E como fracassamos! Mas quem nos ouve? Os conselhos da pessoa antiga não estão sendo criados para nos ouvir. A impressão que tenho é que eles são criados para nos entreterem apenas. São dirigidos por pessoas jovens, algumas maduras, outras nem tanto. Pessoas que precisam mostrar suas competências no mundo competitivo de hoje. Mas tudo que queremos é sermos ouvidos, é sermos participantes, sermos contribuintes do processo.

Nesta semana recebi minha neta e meu neto em minha casa. Não são mais bebês, têm dez e oito anos, passaram aquela fase em que são tão dependentes e começam a se tornar meio donos de suas vontades. Uma fase ótima. Sim, eu os segurei, e muito, quando bebês. Carreguei-os no colo. Hoje brincamos e conversamos com vô e netos brincam. Ainda os coloco no colo, mas a conversa já é outra. Ainda, no entanto, com muitos sorrisos e carinhos. E muito respeito pelo que eles podem construir no mundo. Respeito pelo futuro que eles representam. É um encontro no mundo paralelo que podemos criar juntos: os antigos, como eu f os novatos, como eles.

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