Por que estas duas palavras estão juntas no título desta crônica? Minha resposta é: os amigos e o trabalho somem quando chegamos à maturidade cronológica. Depois dos sessenta, quantos amigos nos restam? Depois dos sessenta, quantos colegas de trabalho ainda pelo menos conversam conosco? Depois dos sessenta, que trabalhos nos resta?
Uns dois anos depois de minha aposentadoria voltei ao local
de trabalho, o que é normal, ainda somos ligados ao departamento de pessoal
como servidores públicos inativos (sic), e o banco onde tenho conta para
receber o salário tem agência no interior do prédio. Logo na entrada
encontrei-me com um antigo colega. Ele me reconheceu, mas não sabia que eu não
mais trabalhava no local.
Junte-se a isso um casamento desfeito, algo excelente para
nos fazer perder amigos. Amigos casados tendem a sumir quando a gente se
divorcia, talvez seja uma regra social funcional. Pelo menos, como me casei de
novo algum tempo depois, novos amigos estão aparecendo. Mas novos trabalhos,
aqueles bem remunerados, não. Fiquei apenas com o tempo para contar e escrever minhas
histórias. Logo, entrei a fundo nesta atividade.
Quem vai me ouvir e me ler eu não sei. Mas não desisto
facilmente. Principalmente porque contar e escrever histórias são duas
atividades maravilhosas. Escrever é uma atividade solitária, contar histórias
melhor com plateia. No entanto, não estranhem se me ouvirem falando sozinho.
Depois dos sessenta comecei a prestar consultoria para
várias instituições. Minha experiência profissional me valou por um bom
período. Quando pensava que tudo estava melhorando veio a pandemia de
coronavírus. Danou-se. Fiquei isolado por dois longos anos em um lugarejo sossegado.
Tive que aprender a viver quase sozinho e conviver com apenas uma pessoa, a
companheira que acabara de conhecer. A vantagem é que ela foi uma dádiva do
universo naqueles momentos desagradáveis. Dois anos a dois na solitária.
Os amigos e o trabalho se foram de vez, sobraram apenas as
relações virtuais com pessoas e instituições. Novas aprendizagens de relacionamento
foram acontecendo gradualmente. Novas possibilidades de sobreviver na solidão que
nos afeta, que nos convida a seguir, com as frases de sempre: melhor
só que mal acompanhado. Aviso aos poucos novos amigos, e até aos antigos e
desaparecidos, que estou bem.
Todos os dias acordo, caminho e escrevo. Todos os dias medito.
Todos os dias cuido do jardim. Todos os dias passeio com Marlon Brando e brinco
com Mia Couto. Todos os dias publico alguma coisa nos blogues e páginas
virtuais que administro e poucos leem. Quase todos os dias faço amor com minha
companheira (se alguém pensa que a gente brocha depois dos sessenta, é mentira).
Todos os dias cuidamos um do outro. Todos os dias leio. Todos os dias tiro pelo
menos uma fotografia de algum lugar bonito por onde passei. Todos os dias dou uns
cinquenta bons-dias para pessoas com as quais cruzo em minhas caminhadas. Todos
os dias encontro alguma assombração de meu passado e fico feliz ao observar que
estou melhor que elas. Todos os dias
conto quantos faltam para meu aniversário de cem anos. Todos os dias olho para
dentro de mim para verificar se estou bem. Sim, estou bem.
Minha saúde é ótima, minha pressão doze por oito e sessenta
batimentos por minuto. Todos os dias resolvo pelo menos um problema. Que
problema? Quando não tenho invento um só para não perder a capacidade de
resolvê-los. Que problema tem isso? Oh! Vida bendita! Todos os dias comemoro a
vida e agradeço por tudo. Afinal de contas, estou ficando para a história. Alguma
história. Que se danem os amigos ingratos e ausentes.
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