“Um
homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão de dólares, volta para
casa e se suicida” (Anton Tchekov)
O cara se chamava Charles de Gaulle, o mesmo nome de um conhecido estadista francês, herói da Segunda Guerra Mundial. Seu pai, um professor de história fanático pela biografia do dito cujo, pensou que, assim, dava uma chance a seu filho de se empolgar pela história de seu homônimo e realizar grandes feitos na vida.
Ledo engano. O Charles de Gaulle da história francesa
liderou a resistência contra os nazistas e se tornou o líder da reconstrução do
país logo após a guerra. Foi presidente do governo provisório do pós-guerra,
quando liderou a redação da nova constituição da república, foi primeiro-ministro
e presidente da república eleito em dois mandatos.
No entanto, teve contra ele o fato de ser o presidente da
república no famoso movimento de maio de sessenta e oito, promovido pela
juventude francesa, que protagonizou a maior mudança de costumes no mundo
ocidental. Esse movimento trouxe a popularização do indigo blues e do rock’n
roll. Foi um movimento tão forte na França que brigou o presidente Charles de
Gaulle a renunciar ao mandato devido a sua posição contra os jovens ávidos
por mudanças na sociedade.
Pois o nosso Charles estava do lado dos jovens “rebeldes”,
para desgosto total da família, que tinham adoração pelo presidente. Sua foto
empunhando um enorme cartaz contra a república saiu na primeira página do Le
Monde e do Libération, com a chamada de reportagem que se perpetuou
como se fosse uma enorme gozação: um De Gaulle contre l’autre (um De
Gaulle contra o outro).
A vida de nosso herói marginal se tornou um inferno depois
disso. Foi promovido a herói pelos seus pares, os jovens da Place de la
République, e a um símbolo anti-herói pelos velhos da família e pelos fiéis
à República Francesa. Não é que o nosso Charles, o nosso Charlito, detestava as
duas posições? Repudiado pelo forças estabelecidas, teve algumas passagens pela
prisão para se explicar. Recusou também a posição de herói e liderança dos
jovens por não ter o mesmo posicionamento ideológico daqueles que protestavam.
Afinal, ele explicava a sua presença nas passeatas e manifestações apenas como
repúdio a seu nome. Seu protesto era contra seu pai que o nomeara Charles De
Gaulle, nome do famoso herói presidente do país.
Isso o livrou de um processo judicial, mas não o livrou da
chacota geral, que agora era nacional. Os mesmos jornais que o elegeram símbolo
do movimento de maio de sessenta e oito, agora o ridicularizavam. Ele queria se
esconder do mundo. Procurava um buraco onde enfiar a cabeça, como um avestruz.
Não encontrou um que lhe fosse conveniente, então foi trabalhar em um cassino
em Monte Carlo, como ajudante geral, da cozinha, da faxina, das reformas gerais
nos prédios. Tinha seus momentos de sossego até alguém descobrir que seu
sobrenome era De Gaulle. E o inferno, seu inferno particular, se incendiava
novamente.
Monte Carlo é uma cidade de Mônaco, um principado
independente situado no sul da França, próximo à fronteira com a Itália. É uma
cidade voltada para o turismo, devido a seu encanto, seus cassinos, e a famosa
corrida de Fórmula Um. Um verdadeiro paraíso fiscal para milionários do mundo
inteiro. Foi lá que o nosso Charles de Gaulle foi parar. Tornou-se um anônimo
funcionário em meio aos turistas ricos do mundo inteiro, alguns famosos. A
maioria de seus novos amigos funcionários eram estrangeiros, muitos deles portugueses.
Ali conheceu Carlos Silva, e se tornou seu melhor amigo, exatamente por terem o
mesmo prenome. Minorou um pouco sua ojeriza pelo nome e pensava sempre em
trocar sua identidade.
Por vezes a sorte aparece para alguns. Encontrou uma
ficha perdida durante suas faxinas e resolveu tentar. Chegou timidamente à mesa
de jogo, colocou a ficha no quatro-vermelho. Não custava nada verificar se o
inferno ainda estava quente para ele. O vento soprou no inferno e veio a brisa:
quatro-vermelho. A bolada estava alta, um milhão de dólares.
Charles de Gaulle voltou para casa, vestiu seu melhor terno
e pôs fogo no apartamento. Quando os bombeiros chegaram, já era tarde. Encontraram
um corpo carbonizado com os documentos protegidos. Os jornais noticiaram, em
tom jocoso, a segunda morte de Charles de Gaulle. A família ficou consternada.
Seu pai arrependido de ter dado aquele nome a seu filho, não pode nem ver o
rosto do mesmo, tão desfigurado estava.
Um tempo se passou e as pessoas se esqueceram do episódio.
Ninguém mais falava do assunto, que rendera apenas um tempo, três dias no
máximo. Afinal, não era notícia que mudaria a vida das pessoas no mundo, nem
mesmo de sua família. Charles estava alienado dos parentes havia algum tempo.
Poucos meses depois desse evento, em um navio saindo de
Lisboa e vindo para o Rio de Janeiro, embarcaram dois amigos portugueses: um
nascido em Espinho, cidade ao lado de Porto, de nome Carlos da Silva; outro
nascido em Nice, cidade do sul da França e vizinha a Monte Carlo, de nome
Carlos Santos. Ter nascido e vivido em Nice justiçava seu forte acento francês.
Afinal, um milhão de portugueses vivem na França, para onde iam em busca de melhores
condições de trabalho. Os dois amigos se instalaram no Rio de Janeiro e inauguraram
mais um restaurante português na cidade, onde ainda vivem com suas novas
famílias. O nome Charles De Gaulle continua sendo lembrado no mundo, mas apenas
por ser herói da resistência francesa ao nazismo e presidente da França.
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