Samantha chegou bem pequena à minha casa e teve, a partir daí, os meus cuidados:
casa, cama quente e comida diariamente. Bem alimentada e cuidada, ela agradecia,
com seu humor, de várias maneiras. Sempre brincando e se divertindo, saia
correndo atrás de uma bola ou outra coisa que lhe chamava a atenção.
Curiosidade imensa.
O que as pessoas mais admiravam em Samantha era o carinho comigo. Carinho
e ciúmes. À noite eu me sentava no sofá para assistir os jornais televisivos e
ela sempre arrumava um jeito de se colocar próxima a mim. Mas, se alguém se
sentasse a meu lado, era o bicho. Lentamente, ela arrumava um jeito de se
colocar entre mim e a outra pessoa. Pousava a mão em minha perna, talvez para
deixar bem claro que ela era a minha dona. Se a pessoa insistia, ela
demonstrava a sua possessividade com um pouco mais de clareza, ou de violência.
Ela batia, arranhava, mordia, até a pessoa mudar de lugar.
O apartamento de primeiro andar, ou rez de chaussée, como se diz
em francês, tinha um gramado em sua frente, que eu mantinha sempre cuidado e
florido na primavera. Eu havia plantado tulipas e parece que elas adivinhavam o
dia exato de chegada da primavera. Aos vinte e dois dias de março elas
apontavam do chão e alguns dias depois as flores já coloriam o gramado. Parecia
cronometrado. As tulipas não perdiam um dia sequer de primavera.
Samantha adorava essa época do ano: primavera e verão eram suas estações
preferidas. As portas do jardim ficavam abertas e ela sempre saía. E no andar
de cima morava Petrus, mais ou menos da mesma idade. Os dois ficavam se
enamorando, Samantha em baixo e Petrus no alpendre do andar de cima.
Um belo dia Petrus não se conteve. Saltou. Putz, que susto! Felizmente
ele não teve nada. Saltou como um gato daquela altura de três metros. Lá no
jardim eles ficaram brincando até começar a escurecer quando a moradora do
andar de cima chegou do trabalho e, dando falta de Petrus, veio bater à minha
porta:
– Est’ce que Petrus est lá?
– Oui Madame, il est lá. Il est sauté de votre véranda et est em train de
jouer avec Samantha au jardin.
– Quel petit malin!
A vizinha o pegou no colo, olhou bem se ele não se ferira, conversou um
pouco comigo, sobre os pequenos, claro e se mandou com Petrus que nos mirava um
pouco desolado.
Um dia, Samantha desapareceu. Levei-a para se vacinar e, na volta, ela
soltou de minha mão e saiu correndo sobre os gramados das casas sem muro.
Chamei e nada. Coloquei foto nos postes, anúncio no rádio local, telefonei para
as pessoas que eu conhecia na vizinhança e nada. Nem notícia. Apareceu no dia
seguinte, toda chorosa, e veio direto para meu colo, de onde não queria sair. Tive que executar os trabalhos domésticos com ela no colo.
Enfim, chegou o dia de voltar para o Brasil. E Samantha, francesa, teve
que viajar comigo no avião. Documentação, medicamentos, cartão de vacinação,
todo aquele trabalho que dá viajar com os pequenos de um país a outro. O voo
era longo, com uma parada em Madrid e outra em São Paulo. E ela fez a festa da
criançada no avião. Todos queriam ficar com Samantha, brincar com ela. Ela
correspondeu bem, mas o efeito do comprimido que dei a ela a fez dormir durante
quase toda a viagem. Acordou, ainda sonolenta, já em São Paulo.
Instalei-me em minha nova casa em Belo Horizonte, com um quintal
interessante e Samantha ficou feliz como uma gata no tapete macio. O que a
gente não contava era com o viveiro cheio de pássaros do vizinho. E Samantha
adorava pássaros. Tanto que conseguiu entrar no viveiro e fez um estrago na
passarinhada. E esse foi o fim de Samantha. Claro que chamei a polícia para o
vizinho. Criar pássaros em cativeiro é crime. Porém, já era tarde.
Nunca me esqueci dela. Felizmente, hoje tenho o Mia Couto que parece
carregar o espírito de Samantha. Também gosta de pássaros. Mas, atualmente, é
proibido criar pássaros em cativeiro e, assim, fica mais difícil pegá-los. Mia
Couto, no entanto, fica atento aos cantos deles nas árvores de minha nova
vizinhança.
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