“A idade é uma das primeiras coisas que percebemos nas
outras pessoas. O idadismo surge quando a idade é usada para categorizar e
dividir as pessoas de maneira a causar prejuízos, desvantagens e injustiças, e
para arruinar a solidariedade entre as gerações.”[1] Anoto
aqui alguns exemplos que vi ou vivi.
Sou uma pessoa de setenta anos e estive no Centro de
Referência da Pessoa Idosa (CRI) de minha cidade para tirar uma carteira que me
permite passar nas roletas dos ônibus sem pagar. Setenta pessoas idosas
compunham a enorme fila. Pessoas de vários bairros da cidade e de várias
categorias sociais. Dois exemplos de idadismo simultâneos: uma atendente perdia
a paciência ao atender as pessoas de raciocínio mais lento; outra tratava-as
como se fossem crianças e se autovangloriava de sua postura. Fechei a cara
para as duas. Muitas pessoas, mesmo as do serviço público de atendimento às
pessoas idosas, não sabem como lidar com elas, conosco.
Os bailes populares de carnaval são famosos em minha cidade.
No domingo de carnaval temos o Bloco dos Sujos, onde cada um sai com a fantasia
que lhe apetece. Ano passado usei uma fantasia de indiano. Divertia-me
solitariamente acompanhando a banda pelas ruas da cidade quando fui abordado
por um jovem que me interrogou: você não está muito velho para isso, não? Dei
uma resposta malcriada à altura da pergunta idiota.
Em uma casa de repouso para pessoas idosas de uma cidade da
qual não me lembro no momento, um grupo de moradores, de ambos os sexos,
resolveu realizar uma festa diferente a noite, longe dos olhares dos
cuidadores. Promoveram uma festa sexual, totalmente consensual. Pegos no pulo,
suas famílias foram convidadas a transferi-los, separadamente, para outras
casas. Afinal, pessoas idosas não praticam sexo, nem qualquer outro tipo de ato
libidinoso.
O idadismo não é um desrespeito somente às pessoas idosas. É
comum aos jovens também. Algo do tipo: você está muito jovem para isso. A menos
nos casos onde a idade seja uma barreira importante, como algumas coisas
proibidas para menores para protegê-los, em geral “você está muito jovem” ou
“muito velho para isso” revela um enorme preconceito e uma afronta ao livre
arbítrio de cada um.
O idadismo pode se revelar também por uma autocrítica
exagerada e sem fundamento. Quando pensamos de nós mesmos que estamos velhos
demais para fazer isso ou aquilo, geralmente estamos sendo preconceituosos
conosco.
Gosto de dançar. É muito comum convidar alguém e ouvir a
terrível frase: estou velho para isso. E a dança é tão útil para as pessoas
idosas! Um dos exercícios considerados importantes para a saúde cerebral é
exatamente o que produz movimentos diferentes de sua rotina cinestésica. Quer
coisa melhor que a dança para executar movimentos diferentes? Em lugar do tradicional
dois para lá, dois para cá, que tal circular e rebolar bastante? O que melhor
que o rock’n roll, dança de nossa geração, para esta fuga da rotina
cinestésica?
O idadismo, no entanto, é estudado no mundo inteiro, com
pesquisas universitárias, inclusive, para podermos combatê-lo. Conhecer para
combater. Só conhecendo o inimigo para melhor lutar contra. Porque o idadismo
deprime, corrói as vontades, destrói o livre-arbítrio invadindo as mentes das
pessoas. Não pode ser naturalizado. Nenhum tipo de preconceito pode ser
naturalizado, ou banalizado. A naturalização conduz às tragédias humanitárias,
como as produzidas pelo fascismo, pelo racismo e tantos outros ismos.
Durante a pandemia, principalmente em seu início, quando a
maioria dos falecidos por covid-19 eras pessoas idosas, o idadismo aflorou no
Brasil e, creio, em outros países também. Quantas vezes ouvi, muitas delas de
jovens próximos a mim, que não havia problemas, pois eram os mais velhos os que
morriam. Total falta de empatia. Mais que isso, as pessoas idosas estampam nos
mais jovens o medo da morte. Uma pessoa idosa nos lembra de nossa finitude e
vulnerabilidade. O que nos coloca, muitas vezes, em posição de negação. Negamos,
e escondemos, aquilo que somos ou que podemos ser[2].
Os exemplos são muitos, mas, o que fazer para este duro
combate ser bem-sucedido? O Relatório Mundial do Idadismo aponta três
estratégias possíveis e importantes que devem ser aplicadas em conjunto.
1 – Elaboração de políticas e promulgação
de leis que combatam o idadismo.
As políticas incentivam o combate assegurando o respeito à
dignidade de todas as pessoas independentemente da idade e de leis de direitos
humanos. Já as leis abordam e punem a discriminação com base na idade e na
desigualdade.
2 - Intervenções educacionais incluem
instruções que transmitem informações, conhecimentos e habilidades.
As intervenções educacionais introduzem atividades que
melhorem a empatia por meio da encenação, da simulação e da realidade virtual.
As pesquisas revelam que as intervenções educacionais estão entre as
estratégias mais eficazes para reduzir o idadismo dirigido às pessoas idosas. As
intervenções educacionais têm um papel central a desempenhar em qualquer
esforço para reduzir o idadismo. E as pesquisas sobre como essas intervenções
reduzam o idadismo relacionado a pessoas jovens continua em aberto.
3 – Intervenções de contato intergeracional
que buscam o contato entre pessoas de gerações diferentes.
Segundo as pesquisas, o contato entre as gerações e as
intervenções educacionais estão entre as mais eficientes para reduzir o
idadismo direcionado às pessoas idosas, e são promissoras para reduzir o
idadismo contra as pessoas mais jovens.
Essas intervenções devem ser colocadas em prática conjuntamente
para serem bem sucedidas. Reduzir o idadismo é fundamental para uma convivência
harmoniosa entre as gerações, com cada uma oferecendo e aproveitando o que há
de melhor na vida: a troca de conhecimentos e saberes e uma vida saudável
física e mental.
O Relatório Mundial sobre o Idadismo pode ser baixado clicando
no link a seguir: https://iris.paho.org/handle/10665.2/55872.
Ele está disponível para leitura, uso e compartilhamentos. Dê o primeiro passo
para combater o idadismo. Apresente e estude o Relatório junto com pessoas de
todas as idades. Será uma atividade de interatividade intergeracional bem interessante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário