Uma boa e capciosa pergunta, essa! Segurança e aventura não são, necessariamente, antagônicas. Imagino, no entanto, que quando a pergunta foi formulada à minha pessoa, meu entrevistador deve ter considerado a minha idade. Sou um senhor de setenta anos e já vivi muitas aventuras na vida, além daquele usual chavão que nos diz que a vida é uma aventura. “Viver é muito perigoso”, dizia Riobaldo, personagem do livro Grande Sertão: Veredas, do mestre João Guimarães Rosa.
Em minhas sete décadas de vida, realmente vivi muitas
aventuras. Minha própria vida pode ser enquadrada na categoria de vida
aventurosa. Nasci em uma cidade do Vale do Aço em Minas Gerais, passei os
primeiros anos nômade à beira da estrada, cresci tendo uma floresta como
quintal de casa, morei na periferia de uma cidade da periferia da capital mineira
e consegui fazer uma faculdade. Mais que isso, defendi uma tese de doutorado na
França, em uma Faculdade de Letras, mesmo sendo graduado em Física, justamente na mesa
e na sala de trabalho do filósofo Gaston Bachelard. É ou não uma vida de
aventuras?
Além dessas aventuras pela sobrevivência, realizei outras, consideradas
pelos amigos como mais cheias de adrenalina: joguei futebol de campo e de salão
durante mais de quarenta anos: escalei montanhas em minha montanhosa cidade, e também
na Serra do Cipó e no Chile; caminhei longas distâncias durante vários dias
dormindo pelo caminho; pedalei mais de quatrocentos quilômetros em uma semana
mais de uma vez; nadei em mar bravio; fui professor durante quarenta e três
anos; namorei muito; casei três vezes.
Imagino que a pergunta foi formulada com uma intenção: — “Será
que aos setenta anos você levará uma vida mais sossegada, com menos riscos?” — Não
sei o que seria uma vida sossegada. Se for ficar parado na frente da TV, digo
que não. Se for encerrar o prazer de uma vida em boa companhia, também digo que
não. Se for parar de caminhar e pedalar, com ou sem destino, a resposta também
é não. Se for parar de apreciar as belas-artes das pessoas capazes de
produzi-las, também digo que não. Se for levar uma vida sem a alegria e bom
humor, sem a eterna busca da felicidade, claro que ouvirá um não bem grande e
alto.
Evidentemente, aos setenta anos, as aventuras precisam
ser planejadas com segurança. Aventurar-me não é mergulhar de cabeça sem antes
verificar a profundidade da piscina. Nem é mais viajar sem saber o destino. Não
dá mais para dormir no banco da praça, como já fiz várias vezes, ou no
cemitério, como fiz uma vez. Não é pedir carona na estrada com uma mochila nas
costas, como na juventude. Mas ainda posso me dar o prazer de subir algumas
montanhas, de caminhar boas distâncias, de pedalar bons caminhos, de pegar um
ônibus à noite para tomar um banho de mar pela manhã. Segurança não é viver na
bolha, é ter um mínimo de planejamento das aventuras a seguir. Principalmente por a aventura ser também um alongamento de meu sobrenome.
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