Não me lembro de meu aniversário
de quinze anos. A data de meu aniversário é fevereiro, as aulas começavam
sempre em março naquele tempo. Logo cheguei ao primeiro ano do curso científico
turno da noite (só havia no turno da noite) já com quinze anos completos e
mesmo assim era dos mais jovens, talvez o mais jovem da turma. Cara de neném,
cheia de espinhas, aguentava todo tipo de gozações. A maior delas era que as
espinhas eram produtos de muita masturbação. Como eram muitas e se espalhavam
pelo meu rosto significava que a punhetagem era muita também. Brigar não
adiantava, só aumentaria a gozação.
Em março começaram as aulas.
Novos colegas, novos professores, novas responsabilidades. Disciplinas
diferentes: Física, Química e Biologia no lugar das Ciências dos tempos de
Ginásio. As demais eram as mesmas. Como eram tempos de ditadura havia também
uma disciplina com o nome de Organização Social e Política Brasileira – OSPB,
que só servia para adestrar cabeças ocas. Como eu já era politizado achava
aquilo um saco. No entanto a qualidade da disciplina dependia da qualidade do
professor. Tive bons professores dessa disciplina, que minimizavam seu caráter
adestrador e traziam boas discussões para a classe e eu, como bom aluno que
era, estudava e me saía bem, mas era dureza.
Em março comecei também a
trabalhar. Passei em um concurso para ser contínuo do Banco Mercantil e uma
nova aventura começou. Trabalhava todos os dias de oito às dezessete horas. O
trabalho era maçante, mas aprendi muito. Principalmente a fumar e beber. São as
armadilhas onde caem muitos jovens. A vigilância paterna era grande e impediu
minha degenerescência. E o tempo era pouco. Trabalhar o dia todo e ir à aula à
noite era uma tarefa árdua.
É preciso dizer que fiz quinze
anos em mil novecentos e sessenta e oito, ano de muitas ocorrências pelo mundo
afora. De muitas ocorrências no Brasil também. Temos muitos assuntos para
memorizar desse período e não fugirei deles. Talvez até me autorize a escrever
sobre pontos nebulosos dos momentos políticos da época e de minha vida
particular. Cheio de altos e baixos, de medos e de aventuras, de muitas
descobertas também, como a descoberta da mulher e do mundo feminino. Aí quem
fazia a vigilância era minha mãe.
Nessa época conheci também os
Beatles, conheci Roberto Carlos e Erasmo Carlos e toda a turma da Jovem Guarda.
Eduardo Araújo e Silvinha, Martinha com sua voz manhosa e doce, Jerry Adriani e
Wanderley Cardoso. Sergio reis cantava rock’n roll antes de se tornar
sertanejo. E Vanderléa, claro. Minha mãe ainda cantava Orlando Dias, Nelson
Gonçalves, Francisco Alves e Ângela Maria. Nas ondas do rádio essas gerações se
misturavam e surgiu a Bossa Nova e os festivais da televisão. Com os festivais
alguns nomes se destacaram em minha mente, admiráveis nomes e tornei-me fã
incondicional: Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Os Mutantes e Gilberto Gil.
Gilberto Gil cantando Domingo no Parque acompanhado d’Os Mutantes foi
simplesmente um assombro.
Eu minha casa não tinha
televisão, eu assistia às vezes na casa do vizinho (valeu Vicente e Nazinha) às
vezes na casa de meu novo amigo, Fran, onde eu passava quase todos as tardes
antes de ir para a Escola Estadual Augusto de Lima. Sua casa ficava no ziguezague,
a caminho da escola. Lá eu pegava um rango da tarde, sanduíches geralmente, ou
sopa da mãe dele e ainda ficava olhando sua irmã, quem eu achava linda e
inteligente. Estou desautorizado a dizer qual delas, ela era mais velha e tinha
um namorado simpático, eu gostava apenas de conversar com ela. Fran tinha
vários irmãos e irmãs, não sei de nenhum deles mais, apenas que ele morreu em
um trágico e estúpido acidente de carro. Foi em sua casa também que eu assisti
alguns capítulos de Beto Rockfeller, uma novela que inovou a linguagem dos
folhetins de televisão naquela época.
Não me lembro exatamente das
datas de todos esses acontecimentos, apenas que foram entre mil novecentos e
sessenta e oito e mil novecentos e setenta, os três anos de duração do curso
científico, atual Ensino Médio. Foram três anos profícuos em minha vida e vou escrever
muito mais sobre eles. Porque, hoje o sei, eles me formaram, deram o tom de
minha vida e, hoje, uns cinquenta anos depois, ainda me lembro nitidamente
daqueles acontecimentos. E enquanto escrevo eles renascem em minha memória.
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