quinta-feira, 26 de setembro de 2019

AUTOBIOGRAFIA DE UM HOMEM VULNERÁVEL XXV


Dizem que é bom reconhecer seus erros, faz bem à mente, ao coração, sei lá a qual parte do corpo e do cérebro. Não importa, reconhecer erros pelo menos ajuda a pensar em fazer diferente daqui para frente. E de qual erro eu quero me redimir? Simples, apenas um errinho de nada, simples, porém devastador, destruidor. Eu sou uma fraude. Quê? Repete, por favor. Eu sou uma fraude. Em todos os sentidos. Eu fui e sou uma fraude como pai, tanto dos filhos biológicos, quanto dos adotados. Perdi o melhor da convivência com eles por pura negligência, por não estar presente, por não compartilhar com eles seus momentos importantes, com todos os quatro. Resultado: a distância deles comigo é flagrante, não sinto que eles têm aquele prazer em estar comigo como vejo em outras relações entre pais e filhos.

Fui e sou uma fraude como marido. Nos dois casamentos. A primeira esposa, hoje, sequer me olha nos olhos, prefere não me ver, o que cria certos constrangimentos quando estamos no mesmo espaço ao mesmo tempo por causa dos filhos e netos. A segunda esposa quer me ver pelas costas. Diz que é um sacrifício viver comigo e que não tem mais nada para me falar. Está esperando eu decidir quando vou fazer as malas e ir embora e deixá-la em paz e livre. E não se separa de mim por princípio. E que eu devo ir para lhe dar uma chance de ser feliz outra vez.

Fui uma fraude como professor e pesquisador. Não valorizei meus diplomas e títulos, poderia estar ganhando mais hoje como aposentado porque não tive paciência de enfrentar a burocracia e defender meus direitos trabalhistas. Deixei coisas para trás, tinha uma preguiça enorme de preparar provas e corrigi-las, deixei de publicar artigos e livros, e relatórios incompletos que me são cobrados até hoje.

Sou uma fraude como escritor. Tenho um livro publicado e não estou fazendo nada para colocá-lo à venda, em distribui-lo permitindo a leitura de outros. Relendo o que escrevi até hoje e escrevo nos tempos atuais, fico com a pergunta: quem vai ler essas merdas? Apesar disso sou compelido a sempre escrever mais e mais, penso que não sei fazer outra coisa. Vou deixar enormes arquivos cheios de poemas, crônicas e outros assuntos armazenados em alguma nuvem, inacessíveis porque ninguém terá a senha de entrada.

Sou uma fraude como coach. Gastei um bom dinheiro me formando neste ofício, imaginando que poderia ajudar muita gente e ainda ganhar um bom dinheiro. e onde cheguei? Em lugar nenhum. Não tenho clientes, ninguém me procura, aqueles a quem eu atendi não me indicaram a ninguém. Isso é uma prova de que não gostaram de meu trabalho, então me indicar para quem? Meu pensamento agora é se vale a pena continuar com essa farsa.

Entrei para um grupo de marketing multinível na esperança de conseguir entusiasmar outras pessoas a entrarem também e até o momento não consegui mostrar essa possibilidade nem para minha própria família, se bem que coloco em questão se, de fato, eu tenho uma. Porque nesse momento, domingo dia dos pais, eu estou absolutamente solitário na cozinha de minha casa escrevendo bobagens. Como entusiasmar alguém se a minha maré anda tão baixa? E trabalhei o dia inteiro, fiz muitas tarefas hoje, mas, quem se interessa? Também não fiz nada para agradar alguém, não estou interessado se alguém se interessa ou não pelo que eu fiz. A própria solidão que sinto agora não me preocupa, a gente tem que saber ser só, independente, para conseguir sobreviver neste planeta chamado Terra, neste lugar chamado mundo. O fato, no entanto, é que estou cansado, muito cansado para tirar a bunda da cadeira e ir fazer algo de útil, porque escrever essas porcarias aqui não é útil nem para mim mesmo. Penso que não serve nem como desabafo.

Diante dessa constatação, de que sou uma fraude e que quase nada se aproveita de tudo que eu fiz, fica a pergunta: se eu morrer hoje, quem chorará por mim? Quem velará meu caixão antes que ele entre no crematório? Quem sentirá minha falta? Quem dirá – ali vai um grande cara? Que legado deixarei que faça com que alguém se lembre de mim daqui dez anos? Ninguém e nada são as respostas para essas perguntas.

O que fazer agora? Dizer que vou ali na esquina comprar um cigarro e desaparecer, não serve, pois eu não fumo. Poderia dizer que fui tomar uma cachaça no boteco da esquina, mas também ninguém acreditaria já que nunca fiz isso. Bebo minhas pingas em casa mesmo. Sair à francesa, de fininho para que ninguém perceba? Fazer alarde, xingar, chorar, bater a porta e dizer adeus? Esperar mais um tempo para ver como as coisas ficam? Ou ficar e tentar reverter o processo? Será que poderia corrigir esse “pequeno” erro? Eu poderia ainda tentar ter um papel importante, de protagonista, neste ambiente em que vivo? Que devo fazer para modificar minha vida daqui para frente e viver melhor que hoje? O que fazer amanhã para mudar esse quadro e me sentir importante?

Quero ser importante para alguém. Para mim mesmo, pelo menos.

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