Dizem que é bom
reconhecer seus erros, faz bem à mente, ao coração, sei lá a qual parte do
corpo e do cérebro. Não importa, reconhecer erros pelo menos ajuda a pensar em
fazer diferente daqui para frente. E de qual erro eu quero me redimir? Simples,
apenas um errinho de nada, simples, porém devastador,
destruidor. Eu sou uma fraude. Quê? Repete, por favor. Eu sou uma fraude. Em
todos os sentidos. Eu fui e sou uma fraude como pai, tanto dos filhos
biológicos, quanto dos adotados. Perdi o melhor da convivência com eles por
pura negligência, por não estar presente, por não compartilhar com eles seus
momentos importantes, com todos os quatro. Resultado: a distância deles comigo
é flagrante, não sinto que eles
têm aquele prazer em estar comigo como vejo em
outras relações entre pais e filhos.
Fui e sou uma
fraude como marido. Nos dois casamentos. A primeira esposa, hoje, sequer me
olha nos olhos, prefere não me ver, o que cria certos constrangimentos quando
estamos no mesmo espaço ao mesmo tempo por causa dos filhos e netos. A segunda
esposa quer me ver pelas costas. Diz que é um sacrifício viver comigo e que não
tem mais nada para me falar. Está esperando eu decidir quando vou fazer as
malas e ir embora e deixá-la em paz e livre. E não se separa de mim por
princípio. E que eu devo ir para lhe dar uma chance de ser feliz outra vez.
Fui uma fraude
como professor e pesquisador. Não valorizei meus diplomas e títulos, poderia
estar ganhando mais hoje como aposentado porque não tive paciência de enfrentar
a burocracia e defender meus direitos trabalhistas. Deixei coisas para trás,
tinha uma preguiça enorme de preparar provas e corrigi-las, deixei de publicar
artigos e livros, e relatórios incompletos que me são cobrados até hoje.
Sou uma fraude como escritor. Tenho um livro publicado e não estou fazendo nada para colocá-lo à venda, em distribui-lo permitindo a leitura de outros. Relendo o que escrevi até hoje e escrevo nos tempos atuais, fico com a pergunta: quem vai ler essas merdas? Apesar disso sou compelido a sempre escrever mais e mais, penso que não sei fazer outra coisa. Vou deixar enormes arquivos cheios de poemas, crônicas e outros assuntos armazenados em alguma nuvem, inacessíveis porque ninguém terá a senha de entrada.
Sou uma fraude
como coach. Gastei um bom dinheiro me formando neste ofício, imaginando que
poderia ajudar muita gente e ainda ganhar um bom dinheiro. e onde cheguei?
Em lugar nenhum. Não tenho clientes, ninguém me procura, aqueles a quem eu
atendi não me indicaram a ninguém. Isso é uma prova de que não gostaram de meu
trabalho, então me indicar para quem? Meu pensamento agora é se vale a pena
continuar com essa farsa.
Entrei para um
grupo de marketing multinível na esperança de conseguir entusiasmar outras
pessoas a entrarem também e até o momento não consegui mostrar essa
possibilidade nem para minha própria família, se bem que coloco em questão se,
de fato, eu tenho uma. Porque nesse momento, domingo dia dos pais, eu estou
absolutamente solitário na cozinha de minha casa escrevendo bobagens. Como
entusiasmar alguém se a minha maré anda tão baixa? E trabalhei o dia inteiro,
fiz muitas tarefas hoje,
mas, quem se interessa? Também não fiz nada para agradar alguém, não estou
interessado se alguém se interessa ou não pelo que eu fiz. A própria solidão
que sinto agora não me preocupa, a gente tem que saber ser só, independente,
para conseguir sobreviver neste planeta chamado Terra, neste lugar chamado
mundo. O fato, no entanto, é que estou cansado, muito cansado para tirar a
bunda da cadeira e ir fazer algo de útil, porque escrever essas porcarias aqui
não é útil nem para mim mesmo. Penso que não serve nem como desabafo.
Diante dessa
constatação, de que sou uma fraude e que quase nada se aproveita de tudo que eu
fiz, fica a pergunta: se eu morrer hoje, quem chorará por mim? Quem velará meu
caixão antes que ele entre no crematório? Quem sentirá minha falta? Quem dirá –
ali vai um grande cara? Que legado deixarei que faça com que alguém se lembre
de mim daqui dez anos? Ninguém e nada são as respostas para essas perguntas.
O que fazer
agora? Dizer que vou ali na esquina comprar um cigarro e desaparecer, não serve, pois eu não
fumo. Poderia dizer
que fui tomar uma cachaça no boteco da
esquina, mas também ninguém acreditaria já que nunca fiz isso. Bebo minhas
pingas em casa mesmo. Sair à francesa, de fininho para que ninguém perceba?
Fazer alarde, xingar, chorar,
bater a porta e dizer adeus? Esperar mais um tempo
para ver como as coisas ficam? Ou ficar e tentar reverter o processo? Será que
poderia corrigir esse “pequeno” erro? Eu poderia ainda tentar ter um papel
importante, de protagonista, neste ambiente em que vivo? Que devo fazer para
modificar minha vida daqui para frente e viver melhor que hoje? O que fazer
amanhã para mudar esse quadro e me sentir importante?
Quero ser
importante para alguém. Para mim mesmo, pelo menos.
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