Podem rir à vontade, aqueles que
o quiserem fazer diante de minha revelação: quando garoto fui coroinha. Sim,
coroinha, esse é, ou era, o nome dos meninos que ajudavam o padre na hora da
missa. Havia um sacristão que nos ensinava os rituais daquela operação,
vestíamos uma batina branca com uma faixa vermelha, e fazíamos parte do ritual
da missa. Claro que eu não entendia nada daquilo, nem queria entender, era como
uma obrigação a mais. Meus pais tentavam que seus filhos adquirissem uma
cultura religiosa, creio que meu pai mais que minha mãe. Íamos à igreja aos
domingos de manhã, vestíamos nossas melhores roupas, era uma festa. Eu ia para
a sacristia, aprendia umas frases em latim, decoradas, eu não sabia o que
significavam, e nem o padre nem o sacristão tinham interesse em nos ensinar
latim, esperavam apenas que repetíssemos como papagaios aquele palavrório todo.
Eu me lembro bem que havia também uma campainha sonora, bonita, que deveríamos
tocar em determinados momentos do ritual. Eu adorava aquele som e tocava o sino
em vários momentos desnecessários. Todos me olhavam com cara de reprovação e eu
ria baixinho.
Claro que isso não durou muito
tempo. Imagino que o padre logo percebeu meu completo desinteresse pela ação
litúrgica e me despediu. Eu tive meu primeiro desempregamento, sem aviso
prévio, aos dez anos de idade. Fiquei feliz da vida. E nunca mais participei da
vida religiosa. Continuávamos indo à Igreja de Santo Antônio aos domingos de
manhã, o ritual era obrigatório a ser seguido, mas eu sempre dava um jeito de
ficar do lado de fora da igreja. Era minha rebeldia solitária e silenciosa. Óbvio
que já fui à igreja outras vezes: casamentos, batizados e até no meu casamento
religioso eu compareci. Se eu não casasse na igreja eu não teria a permissão do
sogro e da sogra para casar e creio que minha avó ficaria muito desiludida se
eu não estivesse presente na cerimônia religiosa do meu primeiro casamento. Mas
o ritual não tinha importância para mim. Hoje eu sei da importância dos rituais
na vida das pessoas, eu até afirmo para alguns interlocutores que uma forma de
organizarmos nossa vida é ritualizarmos nossas atividades e ações mais
corriqueiras. Acredito mesmo nisso. Mas o ritual espiritual não me diz grande
coisa.
Eu não sei o pensamento de meus
irmãos a esse respeito, mas penso que os velhos desistiram, com o passar do
tempo, de catequizar-nos. Eu e meus irmãos fomos desistindo das igrejas e eles
também passaram a não frequentar os rituais religiosos. Alguns até voltaram a
fazê-lo mais tarde, por razões outras que os ensinamentos paternos. Sempre vi
meus pais fazerem suas orações, silenciosas e em seus quartos, sem forçar a
presença de seguidores. Depois de algum tempo, também desistiram dos rituais
religiosos. Minha mãe ainda diz que tem sua fé e sua crença, no entanto pensa
na morte como o fim da existência e pronto. Ela não acredita em vida após a
morte. “Morreu, acabou”, ela diz. Ela não viu o sepultamento de meu pai e se
recusa a visitar cemitério ou carolar no dia de finados. Eu também não vou. Não
me interessa ver uma plaquinha no gramado do cemitério com o nome do velho,
interessam-me as memórias que guardo.
Claro que eu sou um cara com
grande espiritualidade. Isso nada tem a ver com religião. Tem a ver com minha
conexão com o mundo e minha conexão com as pessoas e demais seres vivos. Eu
sinto a presença das pessoas, eu gosto de perceber a alma delas, o pensamento
delas. A diferença é que eu não personalizo esses pensamentos em uma figura
divina humanizada. A humanidade cria seus deuses à sua imagem e semelhança e
não o contrário. O mito da criação está presente em todas as culturas, lógico,
mas não passa de mito. Mitificamos aquilo que não compreendemos, fica mais
fácil de lidar com nossas dúvidas e nossas ignorâncias se nos ancoramos no
mito, no divino. Até eu faço isso, porque não? A figura de deus é confortadora.
O que não consigo compreender é a necessidade das religiões e dos religiosos em
exigir que todos tenham as mesmas crenças. As religiões não respeitam as
diferenças. Na Colômbia tem uma pastora protestante que catequiza as tribos
indígenas. E faz isso com tanta eficiência que os próprios índios matam os
outros, da mesma tribo, que não aceitam se evangelizar. E a única santa
católica da Colômbia fez a mesma coisa. Horrorizou os índios que não se
converteram. E hoje é santa. Santa da igreja católica. E querem que eu acredite
e tenha fé! “Cruz credo”!
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